´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado


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quinta-feira, 23 de julho de 2009

As regras seguidas pelo maior investidor do mundo

Paulo Guedes

Warren Buffett, o grande investidor americano, dono de uma das maiores fortunas do mundo, considera a filosofia de investimentos do investidor Philip Fisher um dos pilares de seu sucesso. Em Ações ordinárias e lucros extraordinários (1958), Fisher elabora os 15 pontos que considera fundamentais para a escolha de bons investimentos nos mercados de ações.
1. A empresa deve ter produtos ou serviços com perspectivas de mercado potencial fortes o suficiente para permitir o crescimento das vendas até onde a vista alcance.
2. A companhia deve ter uma política de inovações que assegure a criação de novos produtos ou serviços, de modo a garantir novas fronteiras de vendas futuras no mesmo negócio.
3. A direção deve estar comprometida com a pesquisa e o desenvolvimento desses novos produtos ou serviços, por meio de uma coordenação eficaz entre pesquisas, produção e venda.
4. “As vendas”, diz Fisher, “são a finalidade do negócio, que garante a sobrevivência da companhia. O sucesso vem sempre da satisfação do consumidor.” Portanto, a empresa deve ter uma ótima engrenagem de vendas.
5. “Para os investidores, as vendas são importantes na medida em que se traduzem em aumento de lucros.” Portanto, as margens de lucro devem ser bastante atraentes.
6. “O sucesso da companhia não depende apenas do que se sabe dos lucros no momento em que as ações são compradas.” Mas sim da capacidade de a empresa manter e ampliar suas margens de lucro.
7. O ambiente de trabalho é extremamente importante. As negociações com sindicatos, a lealdade ou o ressentimento da força de trabalho em relação à companhia e as políticas de recursos humanos são determinantes para a produtividade da empresa.
8. “As empresas que oferecem as melhores oportunidades de investimento são geralmente aquelas em que se observa um excelente clima entre os executivos, em que as promoções são baseadas em meritocracia e não é tolerada a falta de cooperação e de espírito de equipe.”
9. A capacidade estratégica e a governança corporativa da empresa são cruciais “para eliminar o risco de um desastre corporativo quando os empreendedores iniciais não estiverem mais no comando”.
10. “Nenhuma companhia terá sucesso por longo período de tempo sem a capacidade de controlar sua estrutura de custos nos mínimos detalhes das operações.”
11. É importante examinar os fatores críticos de sucesso em cada indústria, para avaliar as chances de um bom desempenho da companhia ante seus competidores.
12. Os investidores em busca de resultados extraordinários devem favorecer empresas com horizontes estratégicos mais longos. “Empresas que esfolam, de um lado, seus fornecedores e, de outro, seus clientes, de modo a obter o maior lucro possível a curtíssimo prazo, são raramente as que sustentam os melhores resultados a longo prazo.”
13. As oportunidades de investimento no negócio de uma companhia que se expande rapidamente podem exigir o reinvestimento dos lucros, o aumento de seu endividamento e, ainda assim, novos aumentos de capital. É fundamental que uma elevada rentabilidade desses novos investimentos possa compensar a diluição decorrente da emissão das novas ações.
14. É imprescindível que a direção da empresa aborde com franqueza o andamento de seu negócio com os investidores, tanto em tempos de sucesso quanto em tempos de dificuldade. “Os investidores devem se afastar de companhias que tentam esconder maus resultados.”
15. A inquestionável integridade dos gestores em todas as transações da empresa, e não apenas em seu relacionamento com os acionistas, é essencial. “Os gestores podem, sem violar quaisquer leis, beneficiar a si próprios em uma infinidade de formas. Uma delas é pela emissão de opções de compra de ações para si próprios, numa escala que acabe pervertendo esse modo legítimo de compensar desempenho meritório. Só existe uma forma de se proteger contra abusos de gestores mal-intencionados: vender suas ações da companhia, destinando seus recursos a gestores que tenham extraordinariamente bem desenvolvido senso de responsabilidade moral.”

Otan fomenta paranoia na Rússia, diz especialista

Para David Glantz, ações recentes da aliança militar ocidental são insensatas

Em visita a SP, historiador americano diz que escudo antimísseis e admissão de novos países "jogam no lixo" esforço de aproximação

RICARDO BONALUME NETO

DA REPORTAGEM LOCAL


Não cutucar o urso russo com vara curta deveria ser a opção mais sensata para o Ocidente e sua aliança militar, a Otan. Gestos, como permitir a entrada na aliança de países como a Ucrânia ou a Geórgia, ou insistir em um escudo antimísseis sem cooperação russa, "servem apenas para acender a paranoia da Rússia, justificada pelas perdas que tiveram na Segunda Guerra".

É o que diz o coronel reformado e historiador americano David Glantz, ex-oficial de artilharia e inteligência militar que é um dos principais especialistas mundiais na história militar da antiga União Soviética e da atual Rússia. "Custou muito tempo para convencermos os soviéticos de que a Otan era uma aliança defensiva, e agora jogaram tudo isso no lixo", disse Glantz à Folha.

Glantz está em São Paulo para o lançamento, marcado para hoje, do seu livro "Confronto de Titãs - Como o Exército Vermelho Derrotou Hitler", em parceria com Jonathan House.

Glantz foi um pioneiro militar e acadêmico a abrir contatos entre os seus colegas russos mal terminou a Guerra Fria, "criando pontes" com o antigo inimigo. Mesmo durante a Guerra Fria, seus colegas do outro lado da Cortina de Ferro reconheciam sua "objetividade burguesa" como historiador.

Ele foi oficial de artilharia na Guerra do Vietnã, nos anos 1960, e tornou-se fluente em russo e um misto de historiador e oficial de inteligência especializado no Exército soviético. Quando baseado em Fort Leavenworth, de 1979 a 1983, virou diretor do Instituto de Estudos de Combate, cuja função é pesquisar as táticas e a arte operacional dos exércitos.

Também fez estimativas sobre as forças soviéticas na Europa que se contrapunham à Otan. "Recebíamos caixas de inteligência eletrônica, de imagens de satélites. Ia tudo para o lixo", diz o oficial. As imagens não informavam nada se não houvesse como interpretá-las.

A falha em ter bons analistas, e também em ter boa inteligência "humana", de campo -ou seja, espiões-, tornava muito do material coletado inútil para informar a exata dimensão da ameaça soviética -algo que se repetiria depois em relação aos fundamentalistas islâmicos no Oriente Médio.

Glantz também ajudou a fundar o Instituto de Estudos Militares Soviéticos, depois rebatizado de Instituto de Estudos Militares Estrangeiros. Um de seus colaboradores, Lester Grau, fez um importante trabalho sobre a atuação soviética no Afeganistão, de 1979 a 1989, inclusive com a percepção russa dos motivos da derrota.

Com o fim da Guerra Fria, esse tipo de estudo passou a ter menos interesse. "Riram dele durante 11 anos, até 11 de setembro de 2001", diz Glantz.

Glantz estudou em detalhes o combate na frente leste na Segunda Guerra e procura corrigir equívocos da historiografia ocidental, pautada durante a Guerra Fria muito mais pelos alemães derrotados do que pelos ex-aliados soviéticos.

Para Glantz, os alemães tinham um Exército brilhante na tática (o modo de combater), mas péssimo na arte operacional e na estratégia -a conduta das campanhas e a definição dos objetivos da guerra. Em definição ainda válida, ele afirma, "os alemães, como muitos Exércitos ocidentais, jogavam damas. Os russos jogavam xadrez, pensando a longo prazo".

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Protesto de muçulmanos na China


Os choques entre dois grupos na província chinesa de Xinjiang, no noroeste do país, deixaram mais de 180 mortos e 1.000 feridos no início de julho e provocaram um desentendimento diplomático entre a China e a Turquia. Foi o mais sangrento conflito no país desde o massacre da Praça da Paz Celestial, há 20 anos. Em jogo, estão as diferenças étnicas, culturais e religiosas da minoria uigure e da maioria han – a predominante no país. A província de Xinjiang é, na verdade, um barril de pólvora, cuja explosão já era prevista. Entenda o que está por trás desse conflito.

1. Como começou o conflito na província chinesa de Xinjiang?
2. Quem são os uigures e quem são os hans?
3. Qual foi a reação de Pequim aos distúrbios em Xianjiang?
4. Xinjiang sempre pertenceu à China?
5. Só há essas duas etnias na província?
6. Qual é a importância econômica da região?
7. De que tipo de desvantagem reclamam os uigures?
8. Há outras razões para insatisfação?
9. Consulte o mapa da China com destaque para Xianjiang


1. Como começou o conflito na província chinesa de Xinjiang?

Jovens da etnia uigure promoveram uma marcha na cidade de Urumqi, capital de Xinjiang, no dia 5 de julho, para protestar contra um caso de discriminação judicial, ligado ao assassinato de dois uigures por membros da etnia han. A marcha se espalhou pela cidade e terminou em choque com a polícia, resultando na morte de cidadãos da etnia han. Como vingança, membros desse grupo atacaram e mataram uigures. O governo admitiu que pelo menos 184 pessoas morreram e outras 1.000 ficaram feridas.





2. Quem são os uigures e quem são os hans?

Os uigures formam uma minoria étnica mulçumana de origem turca, com língua própria, que alega ser a primeira a habitar a região montanhosa da província de Xianjiang, no noroeste da China. Dados oficiais do governo chinês dizem que eles são 45% da população local atualmente. Os han, que são maioria na China, representam cerca de 40% dos cerca de 20 milhões de habitantes da província. Eles são vistos pelos uigures como colonizadores, pois começaram a chegar em grande escala à região em 1949, após a Revolução Comunista.





3. Qual foi a reação de Pequim aos distúrbios em Xianjiang?

O governo de Pequim foi rápido e brutal na repressão, mas não conseguiu desfazer a impressão de que o país padece do mesmo desarranjo nacional que levou ao esfacelamento do Leste Europeu. Em ambas as regiões, a mão dura do comunismo abafou diferenças étnicas e uma multiplicidade de aspirações nacionais durante décadas. Com a queda do Muro de Berlim, a panela de pressão explodiu em guerras e na contínua fragmentação dos antigos satélites soviéticos em nações cada vez menores.




4. Xinjiang sempre pertenceu à China?

Não. A província só foi anexada à China em 1760 pela dinastia Qing. Pela região, passava a Rota da Seda, caminho utilizado por mercantes que faziam o intercâmbio de produtos entre a Europa e Ásia. Atualmente, é classificada como região autônoma controlada pelo governo central (assim como o Tibete, que fica ao sul) e ocupa mais de um sexto do território chinês. A província, que serviu de cenário para o filme O Caçador de Pipas (2007), também é palco de uma luta pela independência, promovida por militantes uigures, que são retratados por Pequim como terroristas com ligações com a rede terrorista Al Qaeda, de Osama Bin Laden.





5. Só há essas duas etnias na província?

Não. Além dos uigures e dos han, outras 18 etnias compõem a população local, entre elas cacazaquistaneses, mongóis, manchus, uzbequistaneses, russos e tibetanos.





6. Qual é a importância econômica da região?

Xinjiang é considerada estratégica por ser rica em gás natural e petróleo. Mas a produção rural também tem grande peso na economia local. As chamadas bingtuan, grandes fazendas criadas pelo governo chinês na década de 50, são lucrativas e estima-se que um em cada seis hans que vivem em Xinjiang trabalhe em uma dessas propriedades. Os uigures, contudo, raramente trabalham nessas fazendas: as desvantagens deles, aliás, são outro motivo da revolta contra a Pequim.





7. De que tipo de desvantagem reclamam os uigures?

Eles alegam que sofrem desvantagens econômicas em relação aos imigrantes chineses da etnia han, que obtêm os melhores empregos. Esse desnível vem crescendo nos últimos 30 anos, uma vez que a concentração de membros da etnia han na província é crescente. Com a recente crise econômica, acredita-se que a crescente dificuldade para se encontrar emprego tenha forçado trabalhadores uigures a migrar para outras regiões da China.





8. Há outras razões para insatisfação?

Sim. Os uigures se dizem reprimidos culturalmente desde o início da década de 1990, logo após a queda do muro de Berlim e do colapso da União Soviética – momento em que uma onda nacionalista percorreu o mundo. A China temia que os uigures se identificassem com os turcos nacionalistas que pregam o islamismo fundamentalista. Atualmente, entre as restrições culturais de que são vítimas os uigures, estão o controle da prática da fé islâmica e a submissão da língua própria ao mandarim, idioma oficial da China, para fins profissionais.






Virtude x Vício

O Brasil tem vivido nos últimos anos, e particularmente nos últimos meses, uma invasão do que poderíamos chamar de politicamente correto. São Paulo encontra-se, agora, na iniciativa. Tal invasão vem acompanhada de uma série de medidas legais, sejam leis propriamente ditas, sejam atos administrativos como decretos, resoluções, portarias e instruções normativas que restringem cada vez mais a liberdade de escolha. O politicamente correto apresenta-se, então, como se fosse, moralmente falando, uma forma do bem que estaria enfrentando o mal, no caso, o mau comportamento. Tivemos, assim, uma avalancha de medidas contra o álcool e o fumo que são apresentadas como se fossem as expressões mesmas da virtude. Sua ampliação já é cogitada para vários alimentos considerados daninhos ao organismo, com diferentes graus de gorduras.
Importa ressaltar que o Estado patrocina essas medidas, impondo-as, de fato, aos cidadãos, como se pudesse arvorar-se em representante do bem, da virtude. O Estado arroga para si uma função que não deveria ser dele, pelo menos na perspectiva de cidadãos que exercem a sua liberdade de escolha, sendo, portanto, responsáveis por aquilo que fazem. O Estado termina por assumir uma função propriamente "ética", ditando aos cidadãos o que deve ou não ser feito, sendo esse dever seguido de medidas jurídicas, tornando obrigatórios tais comportamentos, sob pena de multas e punições em geral.
Nada disso, no entanto, é muito novo. Embora seja normalmente atribuída a uma moda americana com origem nos anos 50-60 do século passado, a partir de pesquisas correlacionando o hábito do fumo, do álcool, de determinados alimentos e de radiações de aparelhos a certas doenças como câncer, cardiorrespiratórias e outras, sua origem remonta à Alemanha nazista. A ciência médica durante o nazismo não se caracterizou só pelas aberrações cometidas nos campos de concentração, na eugenia, na eliminação de "doentes", do corpo e da alma, na discriminação racial, mas também por medidas que recomendavam - algumas obrigavam - aos cidadãos determinados comportamentos tidos pelos dirigentes nazistas como saudáveis para o corpo e a alma. Estava em questão aquilo mesmo que era considerado como devendo ser o bom alemão (sigo aqui o livro de Robert N. Proctor The Nazi War on Cancer, Princeton University Press, 1999).
Um slogan nazista utilizado sobretudo para os alimentos assim proclamava: "O seu corpo pertence à nação! O seu corpo pertence ao Führer! Você tem a obrigação de ser saudável! Alimento não é uma coisa privada."
Ora, dentro dessa lógica, se o corpo do indivíduo pertence à nação, ele pertence a seu dirigente máximo, o Führer, que sabe, em sua onisciência, o que é melhor para todos os cidadãos. O Führer encarna a sabedoria; os cidadãos, a ignorância. A obrigação é a primeira de suas virtudes e a única forma que lhes é reservada de escapar do vício. A saúde do corpo deixa de ser algo individual, objeto de preocupação própria de cada um, e torna-se uma política de Estado, devendo ser simplesmente seguida.
A propaganda nazista não cessava de apregoar a virtude de seus dirigentes, ressaltando que Hitler era antitabagista, enquanto seus inimigos, como Churchill, Roosevelt e Stalin, eram adeptos do fumo, o primeiro, de charutos e os outros dois, de cigarros. Mussolini e Franco eram também não-fumantes. O Führer, ademais, era vegetariano, só comia carne em raras ocasiões, e tampouco bebia. Churchill, seu grande adversário, era renomado tomador de uísque e champanhe em grandes doses. E também não era adepto do vegetarianismo.
Na perspectiva nazista, assinalada em sua propaganda, Hitler era um homem virtuoso, que se dedicava a combater o vício, enquanto os seus adversários eram capitalistas ou comunistas degenerados, frutos de uma civilização decadente. Tratava-se, portanto, para ele, de fazer um resgate da virtude, em contraposição aos que se dedicavam ao vício. Em linguagem contemporânea, diríamos que Hitler era politicamente correto, enquanto os seus inimigos eram libertinos da pior espécie, não propriamente humanos. Eram os representantes dos sub-humanos, embora costumasse reservar mais propriamente essa expressão aos judeus, ciganos, homossexuais e comunistas.
É interessante observar que o álcool e o fumo são considerados enquanto doenças, na verdade, vícios civilizatórios de uma sociedade decadente, de um capitalismo corruptor do corpo e da alma, formas de expressão a serem banidas de um "estilo de vida liberal". Ambos prejudicariam o desempenho no trabalho e a pureza do corpo, numa mistura de considerações sanitárias, trabalhistas, médicas e ideológicas. O tabaco, em particular, era tido como uma "praga", uma "epidemia", uma "bebedeira seca" e uma "masturbação do pulmão". Também era considerado um "veneno", uma forma do capitalismo (tobacco capitalism) e o "inimigo da paz mundial". O ato de fumar era associado à depravação sexual, ao comunismo, ao judaísmo, à África e aos negros degenerados.
A palavra câncer funcionava como uma espécie de metáfora daquilo que deveria ser eliminado, seja um câncer de pulmão, provocado pelo fumo, sejam os judeus, que deveriam ser exterminados. A metáfora do câncer funcionava como um substituto do mal, que exigiria medidas públicas de saneamento, tanto podendo estas se traduzir por medidas raciais, pelo eugenismo, quanto por iniciativas tidas por de saúde pública. Em todo caso, surge, nessas diferentes modalidades, a ideia da criminalização: do alcoolista, do fumante, do judeu, do cigano e do homossexual. Alguns poderiam ser tratados, outros simplesmente eliminados. Um dos mais proeminentes médicos nazistas, Hans Auler, professor em Berlim, considerava o regime nazista como anticancerígeno: "É uma sorte para os pacientes alemães de câncer que o Terceiro Reich estivesse ele mesmo fundado na conservação da saúde alemã."
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia
na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

Diferentes faces da tecnologia

Para o bem ou para o mal , a internet tornou-se ferramenta indispensável para a total inserção do ser humano no século 21. Conforme evidenciam três reportagens publicadas ontem pelo Jornal do Brasil, a rede mundial – como toda nova tecnologia – traz benefícios mas também embute os ônus de uma sociedade desigual, perversa e, por vezes, criminosa. A manchete do jornal informa: Twitter vira ferramenta de negócios e empregos. Na página A11, matéria produzida em Brasília revela o crescimento de crimes contra a honra praticados na internet. E a editoria Internacional mostra como a maior potência do planeta se prepara para a possibilidade de ataques cibernéticos, diante da constante ameaça dos hackers. Três faces de um mundo virtual que merecem análise mais profunda de governos e sociedade, a fim de que os bônus sejam partilhados e os malefícios, amenizados.

Sensação do momento entre os usuários de computador, o Twitter já deixou de ser meramente uma rede social e tornou-se uma plataforma obrigatória no ramo dos negócios. Vendedores, compradores e até candidatos a emprego perceberam que uma publicação no site cresce em progressão geométrica, podendo alcançar números gigantescos de "audiência". As empresas (desde as micro até as grandes corporações) investem pesado no novo espaço, angariando clientela cada vez maior. Os principais atrativos são a instantaneidade e a objetividade da rede, além, é claro, da gratuidade.

Nem só de boas intenções, entretanto, se constitui o mundo virtual. O furto ou perda de um celular, o fim conturbado de um relacionamento ou a simples vingança de um colega de trabalho podem gerar imensos transtornos. Fotos em situações íntimas (reais ou montadas por computador) podem ser espalhadas pela rede com extrema facilidade, da mesma forma que é fácil abrir um blog com comentários pejorativos contra um determinado indivíduo. Especialistas em direito cibernético garantem que a sensação de impunidade (na qual se escoram os criminosos) é falsa, porque a tecnologia que permite o anonimato é a mesma utilizada na investigação para chegar aos detratores quando os sigilos dos provedores de internet são quebrados.

Apesar da ausência de uma legislação específica para crimes eletrônicos, os tribunais brasileiros têm usado as leis vigentes para punir os internautas infratores. O Código Penal, o Código Civil e legislações específicas como a Lei 9.296 – que trata das interceptações de comunicação em sistemas de informática – são as mais utilizadas pelos juízes.

Tão grave quanto a ofensa à horna individual é o ataque a toda uma nação, via sistemas de computador. O mais conhecido foi o ciberataque à Geórgia (uma ex-República soviética), momentos antes da ofensiva militar real do governo russo, em novembro de 2008. A questão é discutida com extrema seriedade em Washington, que prepara, para outubro, a criação de uma nova divisão militar, ligada à Agência de Segurança Nacional. Defensores dos direitos civis, aliás, temem que a proximidade dos dois órgãos governamentais possam representar algum tipo de violação à privacidade dos usuários da internet.

Questões como o analfabetismo digital, o novo arcabouço legal para punir crimes de internet e as liberdades civis em tempos de cerco ao terror cibernético estarão em pauta doravante. É oportuno que o Brasil as discuta o quanto antes.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Crise de identidade no Iraque com saída das tropas

Thomas L. Friedman

Colunista do New York Times

Estou em um quartel general no centro da cidade de Kirkuk – distrito rico em petróleo no norte do Iraque que é o local mais disputado do país. Os líderes da província – sunitas, curdos, turcos e cristãos – vieram para se reunir com a maior autoridade militar dos EUA: o almirante Mike Mullen, presidente da Junta de Chefes de Gabinete.

Todos os 11 líderes iraquianos estão sentados de um lado da mesa de reunião e oficiais americanos locais me deram um guia, identificando cada político iraquiano, suas tendências políticas e religiosas. Cada líder iraquiano diz ao almirante, por meio de um tradutor árabe, por que a comunidade dele ou dela merece ter essa ou aquela fatia de Kirkuk, até um representante curdo anunciar em inglês: "Quero contar uma piada". É meu dia de sorte.

– Depois que Saddam foi expulso em 2003 havia um cidadão mais velho que queria escrever uma carta para o novo governo para explicar todos os seus sofrimentos na era Saddam – disse Rebwar Talabani, presidente substituto do Conselho da Província. –- Mas ele era analfabeto. Como você deve saber, do lado de fora de nossos escritórios do governo temos escritores profissionais de cartas para analfabetos. Então, o homem relatou ao escritor todos os seus problemas. "Nos anos 50, eles destruíram minha casa", disse. "Nos 60, mataram dois de meus filhos. Nos anos 70, confiscaram minhas propriedades", e por aí vai, até hoje. O escritor da carta escreveu tudo. Quando terminou, o homem perguntou se o escritor podia ler para ele antes de dar ao governador. Então, o escritor leu em voz alta. Quando terminou, o homem bateu na cabeça e disse, "Isso está tão bem feito; não tinha ideia de que tudo isso tinha acontecido comigo".

A piada de Talabani pareceu ter sido direcionada tanto para seus colegas iraquianos quanto para Mullen. Minha tradução: todos aqui temos uma história, e, na maioria das vezes, é dolorosa. Nós, iraquianos, adoramos contar nossas histórias e quanto mais o fazemos melhor fica. Mas com vocês, americanos, indo embora, precisamos decidir se continuamos contando nossas histórias ou se aprendemos a lidar com nossas diferenças.

E essa é minha conclusão acerca dessa visita: os iraquianos sabem quem foram, e nem sempre gostam, mas ainda não sabem que país querem ser. Eles estão exaustos de anos de guerra civil e não querem isso de novo. Nas grandes questões não resolvidas – como o poder será compartilhado em Kirkuk, como os sunitas serão absorvidos pelo governo, como o petróleo e o poder serão divididos entre as províncias e o governo central – as comunidades étnicas diferentes não estão dispostas a ceder muito.

Mullen disse aos líderes iraquianos ao redor da mesa:

– Os Estados Unidos não vão resolver os problemas do Iraque. Isso é trabalho para uma nação soberana. Então, é melhor que os iraquianos ponham as mãos à obra, porque as forças de coalizão não estarão aqui em 18 meses.

É uma importante mensagem - do contrário os iraquianos vão adiar indefinidamente a resolução de suas grandes disputas internas. Não podemos fazer isso para eles, mas nossos diplomatas poderiam ajudá-los a produzir esses compromissos. O vice-presidente Joe Biden fiscaliza a política do Iraque, mas ele tem mais o que fazer. O Iraque precisa de um mediador grande, forte e em tempo integral.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Os uigures e eu

Em minha primeira matéria para o Estadão, quando fui morar na China, coloquei uma frase onde dizia que os uigures eram um problema para o governo chinês. O embaixador brasileiro mandou me chamar em seu gabinete e declarou que eu ia ser expulso do país. Mas, sem nem abrir as malas direito e já estavam me despachando? Não satisfeito com o meu choque, o embaixador continuou a falar, em voz altíssima, que gostava muito da China, que adorava morar na China, mas que lugar maravilhoso. Até hoje não sei se falava só para mim, o que seria bizarro, ou se falava também para as paredes, para possíveis microfones ocultos (não estou brincando), já que ficava de costas, de lado, a cabeça erguida, olhando para cima. A cena era inusitada. Ele estava educadamente furioso porque seu nome havia saído na reportagem, justamente na parte dos uigures. Enquanto isso, muito mais calmo, fazendo uma espécie de contra-ponto, o ministro da embaixada mostrava no mapa onde moravam os malditos criadores de caso, ao mesmo tempo em que defendia o comportamento do governo chino. Depois de uns dois dias esperando para ver se iam me mandar embora, procurei o chefe da Agência Lusa, um português com vários anos de China, e apresentei a matéria. Ele me tranquilizou, disse que já havia escrito coisas muito piores e que não ia me acontecer nada. E assim foi.

Agora os uigures estão nas manchetes porque os chinos mataram 156 deles e deixaram 828 feridos, em manifestações em Urumqi, capital da província de Xinjiang, quase toda ela muçulmana e desejosa de cair fora da dominação chinesa. Por causa de fatos como esse é que o embaixador me chamou. Naquela época, era proibido dizer que Xinjiang era separatista, um problema para a China. O único termo aceito pelo governo chinês era terrorista: Os uigures não são SEPARATISTAS, mas TERRORISTAS. Com relação ao Tibet, os tibetanos são tão pacíficos, tão mundialmente conhecidos como espiritualistas, que os chinos desistiram do termo terroristas para classificá-los, mas, no geral, o problema guarda uma pequena semelhança com o de Xinjiang. Da mesma maneira que no Tibet, a província está sendo entupida de chineses da etnia han, o que é feito através da migração forçada. Os uigures estão em muito países do mundo, mas os “dificeis” são os de Xinjiang. É equivocada a maneira como a imprensa tem tocado no assunto. Tratam as manifestações de protesto como se os uigures quisessem apenas maior liberdade de expressão, de culto etc. É uma análise superficial e favoravel ao governo chinês. Isso é o que eles dizem para a polícia. Os uigures de Xinjiang querem é independência.

Em Guantânamo existiam terroristas iugures, membros da Al Qaeda, mas esses têm pouco a ver com a China. São aqueles delirantes que acham que o Islã deve dominar o mundo. Foram presos no Afeganistão. Durante o governo Bush a China já havia pedido a sua extradição, mas não foi atendida porque os Democratas não deixaram, sabendo o que iria acontecer quando pisassem em território chinês. Agora, com o problemático propósito de desativar a prisão, que resultou no apelo americano para que outros países aceitassem receber os terroristas, a China, muito contente, renovou a sua disposição de acolhê-los, mas outra vez evitou-se a condenação à morte desses pacíficos prisioneiros. Afinal, por uma quantia de apenas 100 milhões de dólares, pagos pelos contribuintes americanos, 17 uigures foram para um minúsculo país no Pacífico Sul, no arquipélago de Palau, onde só existem duas hipóteses: ou vão ser corrompidos pelas ilhas paradisíacas e esquecer Maomé, ou vão conseguir escapar, vão matar todo mundo, e regressar ao Afeganistão, para novamente enfrentar os americanos.

Existe muita gente ansiosa por ver a China ultrapassar os Estados Unidos e se transformar na primeira potência mundial. Pode não ser bem assim. No momento da democratização é possivel que comecem a pipocar movimentos separatistas, e o território chinês, com 56 etnias, vir a ser desmembrado em alguns pedaços, da mesma maneira que a parte asiática do império soviético.

terça-feira, 14 de julho de 2009

A nova geração de homens mimados



Isso aqui certamente não foi escrito para os leitores Papo de Homem. É direcionado aos “moleques de prédio”, gente que ainda não saiu do berço. O que antes era mais restrito a famílias ricas agora se espalhou pela classe média: dá para ser mimado mesmo sem dinheiro. No entanto, a nova geração de homens com fraldas não é uma categoria de seres, mas um estado de carência e fragilidade no qual qualquer um pode cair.


É por isso que minha motivação não é ridicularizar tais homens, mas apontar os problemas que surgem quando nos posicionamos desse modo na vida. Escrevo, pois, do mesmo lado dos fracotes, não me opondo, não criticando por fora. Estamos todos no mesmo time e desejamos todos uma vida livre de mimos e carências, não é mesmo?

Destaco 8 comportamentos, 8 tipos de fraldas, que podem ser encontrados na nova geração de homens mimados. Bons motivos pelos quais toda mulher deveria reclamar, xingar, gritar, trair, humilhar, abandonar seu homem. Comento cada um deles com o desejo de que todos nós possamos superar tais fixações e cultivar uma mente livre, um corpo potente, uma vida generosa.

Eles não comem mamão


Durante um almoço com a equipe de trabalho, descobri que o estagiário não gosta de suco de laranja com beterraba. Não gosta e não bebe. Em outro almoço, enquanto eu me enchia de mamão, me surpreendi com um: “Hum… Mamão eu nunca comi”. Sério, isto deveria ser diagnosticado e tratado como doença. Sou do tempo em que todos bebíamos o mesmo suco em família. Nada de “O que você quer?”, “Ah, eu quero Coca zero”, “E você?”, “Água de coco”, “E…”, “Ai, não, não quero nada”.

Não é necessário abandonar as preferências, claro, apenas não ser tão refém de “gosto” e “não gosto”. Eu não gosto muito de grão de bico na salada, por exemplo, mas como. Repito: “Toda mulher deveria desconfiar do desempenho sexual de um homem que não come de tudo”. Com exceção dos vegetarianos praticantes do tantra supremo, se você não come de tudo, meu caro, não há possibilidade alguma de você comer bem uma mulher.
Eles sentem “nojinho” no sexo

Eles sentem “nojinho” no sexo


Já vi homens contarem que brocham com cheiros estranhos na cama ou que não transam com mulheres menstruadas. Ora, as mulheres nos lambem quando estamos suados, levam por trás, chupam, engolem… e nós queremos encontrar perfume francês debaixo da calcinha?

Se você fizer sexo irrestrito, certamente vai sujar o lençol e seu próprio corpo com todo tipo de excreção. O homem cuja consciência tudo atravessa não rejeita odores considerados nojentos. Respira tudo pra dentro, sem exceção. Quando encontra sangue ou restos de fezes na camisinha, ele dá um sorriso sacana e orgulhoso. ;-)
Eles se masturbam e gozam sozinhos

Eles se masturbam e gozam sozinhos


Imagine Chuck Norris, Gandhi ou Barack Obama vendo um filme pornô e melecando a mão. Ceninha no mínimo estranha, não é mesmo? O que é bastante saudável na adolescência deveria ganhar outro enfoque quando viramos homens. Qual o sentido em ejacular sozinho um dia antes de encontrar sua namorada? Por que desperdiçar na tela do computador a potência que você poderia usar com uma mulher? O cara ejacula o tempo inteiro e depois reclama que não consegue prolongar a penetração com a namorada!

O homem que goza sozinho quase todo dia, qual mente ele está cultivando? O que você acha que ele vai desejar quando for para a cama com uma mulher? Se temos o hábito de ficar nos agradando, focando apenas em nossas sensações, é isso que vamos continuar fazendo diante de uma mulher pelada.

Se quer mimo, peça para sua mãe transar com você.


´´Vem cá, mamãe vai fazer um striptease pra você”

Eles não limpam o banheiro

Eles não limpam o banheiro


Um homem só consegue parar de fazer cagada na vida depois que aprende a limpar sua privada. Ele suja, a mãe limpa. Ele dorme, a empregada arruma a cama. Que tipo de homem é esse? Enquanto tratarmos o mundo como um hotel, seremos hóspedes.

Para além da privada, o mundo. Aquele que joga lixo no chão deixa seu mundo menor, exclui a rua, exclui o banheiro público, se distancia de tudo o que poderia incorporar à sua moradia como um cidadão do planeta. É por isso que os homens mimados só olham para o próprio umbigo: ali reside seu mundo, a única coisa digna de limpeza.

Eles não sabem o que querem da vida

Fato: se o homem não sabe o que fazer com sua vida, não saberá o que fazer com sua mulher. Além dos adolescentes que perdem tempo com distrações e jovens que patinam entre mil opções existenciais (alvos fáceis para essa crítica), há outros casos mais sutis, já que nem sempre ter dinheiro, poder, casa e família significa ter direcionamento na vida.

A nova geração de homens mimados pode ser representada pela imagem de moleques emos que não comem agrião ou por executivos dentro de uma Mercedes-Benz que nunca chega em lugar algum. Ainda que eles consigam tirar muito da vida, pouco tem a oferecer. Como afirma Alan Wallace, nossa felicidade e a sensação de ter uma vida com sentido não é proporcional ao que extraímos do mundo e das pessoas, mas àquilo que trazemos ao mundo e às pessoas. Não é por acaso que encontramos muitos homens bem sucedidos completamente infelizes e impotentes, sem saber o que mais fazer com a vida (e com a mulher na cama).

Eles fazem o que têm vontade

O homem mimado se move com a certeza de que sempre há alguém olhando por ele, pronto para protegê-lo, socorrê-lo, salvá-lo, resgatá-lo e levá-lo ao hospital. A sensação de proteção divina e a confiança em um resgate paternal tiram sua responsabilidade: ele pode fazer qualquer coisa pois tudo acabará bem. E assim surgem os casos de colegiais estupradas, índios queimados, carros batidos, grávidas abandonadas, filhos abortados… O pai paga a faculdade para que o filho possa matar aula e beber.

O homem muda de vida quando deixa de fazer o que tem vontade e começa a fazer o que tem de ser feito. Não é à toa que a maioria dos caras que conheço só viraram homem quando tiveram um filho. Para fazê-los dormir, acabamos saindo do berço! Com outro ser à vista, vamos além de nossos impulsos e desejos de satisfação imediata. Desenvolvemos generosidade, talvez a maior qualidade de um homem guerreiro.
Eles não sabem o nome dos porteiros do prédio

Eles não sabem o nome dos porteiros do prédio


Autocentrados, os meninos mimados não tem interesse por aquilo que não pertence ao seu universo imediato. Lembro de um cara que me perguntou o que eu faria no fim de semana, ao que respondi falando de meditação e TaKeTiNa, uma técnica que usa a polirritmia para transformação da mente. Se eu tivesse falado que passaria o tempo todo dormindo, teria dado mais papo. Ele simplesmente ignorou, ainda que nunca tivesse meditado nem conhecesse TaKeTiNa.

O homem mimado perdeu a curiosidade que faz nossos olhos brilhar. Em seu prédio, seis porteiros se revezam e ele não sabe o nome de nenhum. A melhor amiga de sua irmã, o tema da pós-graduação do seu colega de trabalho, a viagem importantíssima que seu primo fará… Ele esqueceu dentro de sua apatia distraída. Quando você o encontra, ele sempre tem algo a falar e dificilmente oferece um espaço de autêntica escuta.

Eles buscam conforto


Mesmo depois de começar a morar sozinho e não mais depender financeiramente de meus pais, percebi o quanto ainda eu mesmo me mimava. Comprava frutas na feira para a ex-namorada, pagava as contas, limpava o banheiro, mas ainda assim dormia até me atrasar e enrolava o máximo possível quando era preciso fazer tarefas chatas na empresa ou em casa.

Nossos ancestrais caçavam animais, passavam frio, viviam à beira da morte. Nós pedimos pizza, usamos edredons e andamos de elevador com ar condicionado. Concordo que não dá mais para sair com um porrete para caçar antílopes, mas é preciso resgatar alguns comportamentos que ativam a energia masculina do destemor. Podemos começar com pequenas coisas como dispensar luva e cachecol se não estivermos congelando. Sempre me pergunto quando vejo um homem todo encapotado em uma temperatura de 15 graus: “Por que não sentir frio? Qual o problema?”.

Eu moro em São Paulo, não tenho luva, gorro ou cachecol, ando de camiseta e tomo banho gelado no frio. Nada demais, porém isso me deixa vivo e desperto. Tenho um amigo que nunca entende como eu posso passar um feriado em retiro, madrugando para meditar o dia inteiro, sem música, sem bebida, sem cafuné, sem diversão ou conforto algum, e ainda pagar por isso!

O conforto nos entorpece. Viver embaixo do edredon nos deixa sonolentos em vez de disponíveis, anestesiados em vez de atentos. É por isso que admiro mestres de meditação que, mesmo com toda a possibilidade de viver uma vida confortável, escolhem condições desafiantes como dormir no chão numa esteira de meditação em uma casa sem energia elétrica ou ficar imóvel com água congelante batendo na cabeça durante a meditação takigyo.


Takigyo: mestre budista medita em uma cachoeira (Templo Oiwasan Nissekiji em Toyama, Japão)

Enfim, como salvar essa geração?

Basta que cada homem mimado comece a se observar para perceber traços de irritabilidade, ansiedade, impulsividade e autocentramento. Em vez de trazer o conforto e o prazer que esperamos, os mimos causam aflições mentais e corporais. Sofremos mais, adoecemos mais. Assim que percebemos o problema, começamos a mudar por puro instinto de sobrevivência.

Se você namora um homem que manifesta algum dos comportamentos acima, não ceda aos seus mimos, dificulte as coisas, peça para ele ir à feira sábado às 6h só para comprar um pedaço de gengibre – diga que o do mercado não funciona para o chá que deseja preparar (isso já aconteceu comigo!). Peça que ele limpe o banheiro um dia antes da empregada chegar. Diga que não vai transar se ele não ficar duas semanas sem ejacular.

Se você é amigo de um cara mimado, desafie-o, encha o saco, tire sarro até ele mudar. Convide-o para algo que ele não domina: mergulho, rafting, montanhismo, poker, meditação ou uma noite de salsa com várias amigas.

Se você tem dúvidas se é um homem mimado, apenas se faça 3 perguntas: “Há alguma comida que eu rejeite?”, “Quanto tempo eu passo fazendo coisas para mim mesmo e quanto tempo eu gasto com foco em outras pessoas, direta ou indiretamente?”, “Com que frequência eu reclamo ou fico irritado?”.

Você pode tentar terapia cognitivo-comportamental, mas há meios mais simples e baratos de deixar de ser moleque de prédio. Como o mimo não é uma patologia biológica ou um distúrbio psicológico por excelência, mas um comportamento negativo (sintoma ou não de um problema maior), vou propor um método simples de cura. Nada muito sério ou científico: para quem não lava a privada, compre água sanitária e coloque AC/DC. Simples assim. Contemple sua própria vida, invoque desafios e elimine os seus mimos.

No próximo almoço, encha o prato com tudo o que normalmente não escolheria e coma com gosto. Supere a aversão a cheiros ruins, evite ejacular quando não tiver uma mulher na sua frente, pergunte o nome do porteiro, olhe o caixa nos olhos quando desejar “Um bom fim de semana pra você”, beba menos, faça alguma prática que lhe prive de todo conforto por algum tempo (seja uma vision quest ou um retiro de meditação), seja curioso em relação à vida de outras pessoas, tome banho gelado e dispense o cachecol. Enfim, vire homem.

E você? Que outros comportamentos observa em seus amigos mimados?

Armas que não matam... ...mas são eficazes ao paralisarem, desorientarem e enlouquecerem de dor o inimigo

Em um planeta que vive sob a ameaça de armas nucleares, pode parecer estranho que a indústria de armamentos invista também, cada vez mais, em tecnologias não letais. Há, no entanto, um método a orientar tal desenvolvimento. Exemplo: de um atirador de elite espera-se que ele acerte o sequestrador e não o refém, mas não há país em que já não tenha ocorrido o contrário. "O momento do disparo é sempre de alta tensão", disse à ISTOÉ o coronel americano Charles Saba, instrutor oficial da Swat, tropa de elite dos EUA. "As armas não letais atingem a raiz do inimigo: o seu sistema nervoso central. E na eventualidade de erro a vida da vítima está preservada." Além de combater crimes específicos, esse tipo de arma de alta tecnologia também é útil na dispersão de tumultos envolvendo multidões. Mais além: nas próprias guerras, quando é vantagem capturar o inimigo vivo - e sem resistência. Assim, acústica, plasma, óptica e eletromagnetismo, entre outras fontes, entram em cena nas mais diversas situações em que haja oponentes - e a sensação que causam na pessoa-alvo, da dor à desorientação mental, é terrível. "Ficar estático ao sentir a própria pele ferver? Há quem preferisse morrer", diz Saba.

Um almirante na mira da polícia

Em 44 anos de carreira na Marinha, o almirante Euclides Duncan Janot de Matos ocupou vários cargos importantes, chefiou o Estado-Maior da Armada e foi apontado, em 2007, como candidato a comandante da Força. Atualmente na reserva, Matos acabou por ter seu nome e seus títulos manchados no dia 30 de junho, quando se tornou o primeiro oficial quatro estrelas das Forças Armadas brasileiras preso por crime comum.

Foi fisgado na Operação Luxo, da Polícia Federal do Ceará, junto com os donos do estaleiro Inace (Indústria Naval do Ceará) e da empresa Marimar. Todos são acusados de integrar um esquema de importação ilegal de artigos subfaturados. O ponto de partida foi uma denúncia oferecida em 2006 pelo Ministério Público Federal do Ceará. Nela, Matos é acusado de receber de presente o Bucaneiro, um trawler (espécie de superiate), por intermediar ilegalmente negócios do Inace com a Marinha.

Naquele ano, o estaleiro fechou contratos no valor de R$ 103 milhões para construir navios-patrulha. Agora, a PF acusa o almirante de ajudar a fraudar licitações da Marinha e da Petrobras. Recentemente, ele trocou o Bucaneiro por outro barco, ainda maior, registrado em nome de sua empresa: é o Safira, embarcação de 75 pés (22,86 m), também fabricada pelo Inace, avaliada em R$ 3 milhões.

No esquema descoberto pela PF, as empresas importavam peças e equipamentos destinados à construção de embarcações civis e militares. Os contêineres transportavam também artigos supérfluos de luxo. Tudo era subfaturado. "Na nota fiscal falsa, um relógio importado por quatro mil euros aparecia como se tivesse sido adquirido por cerca de US$ 100", explicou o delegado da PF Cláudio Joventino, que coordenou as apurações. Dessa forma, as empresas enganavam a alfândega brasileira, que cobrava impostos com base em valores equivalentes a 5% do custo real, lançados nos documentos falsificados.

O Inace teria criado uma empresa em Miami para viabilizar a fraude. "É como se os produtos tivessem sido comprados lá, mas, na verdade, a empresa só emitiu a nota", explica Joventino. A principal peça no esquema era justamente o estaleiro Inace, cujos donos - Elisa Maria Gradvohl, Gil Bezerra e Robert Gil Bezerra - foram presos. Foi preso também o dono da Marimar, José Antônio do Carmo. O único acusado fora do Ceará foi o almirante Matos, que ganha de soldo cerca de R$ 15 mil e é dono da Internave Engenharia. "Minha casa foi invadida por policiais federais com mandado de busca e apreensão", disse à ISTOÉ o militar da reserva, atualmente em liberdade, depois de cumprir prisão temporária. O almirante não quis comentar os motivos de sua detenção. "Ainda não tive acesso aos autos, não sei do que me acusam", disse. Assim como ele, todos os outros presos já foram libertados.

"Ainda não tive acesso aos autos, não sei do que me acusam"
Euclides Duncan Janot de Matos, almirante

Há oito anos, Matos foi acusado de malversação de recursos públicos quando, ainda como vice-almirante, comandava a Diretoria de Portos e Costas da Marinha. O Tribunal de Contas da União constatou irregularidades no convênio firmado com a Fundação de Estudos do Mar (Femar), no valor de R$ 4 milhões. O acordo serviu na verdade para contratar serviços e funcionários de forma irregular. Foram beneficiados vários oficiais reformados da Marinha, um deles dono de um escritório de advocacia - a diretoria possui assessoria jurídica própria -, e outros que emitiam recibos de autônomo, embora fossem funcionários efetivos do órgão. O TCU apurou que as falhas existiram, mas "não por má-fé".

Na denúncia de 2006, o procurador da República Merton Vieira Filho concluiu que o almirante tinha ajudado ilegalmente o Inace a conseguir contratos com a Marinha, e tinha sido recompensado por isso com o barco Bucaneiro. Em sua defesa, Matos alegou que o valor do barco era de cerca de R$ 720 mil e tinha sido comprado por uma de suas empresas, a JM Empreendimentos Náuticos e Imobiliários Ltda. O capital social da JM era de R$ 552 mil - inferior, portanto, ao valor da embarcação. Diante da ação do MP, o almirante passou o barco à frente.

Matos recorreu ao STJ e o processo foi transferido da 12ª para a 11ª Vara Federal do Ceará, onde provavelmente deverá ser encerrado. Sua nova dor de cabeça, no entanto, deve ser o sofisticado barco Safira, dotado de uma suíte, três dormitórios, sala de jantar, salão de jogos e dois banheiros. "Essa embarcação está em nome da Internave", diz Matos. O superiate foi fabricado pelo mesmo estaleiro Inace que a PF aponta como cabeça do esquema criminoso.

A mina de ouro do crime organizado

Segundo relatório da ONU, região tornou-se rota de produtos ilícitos

Joana Duarte

O tráfico ilegal de pessoas, drogas, petróleo, cigarros, medicamentos falsos, resíduos eletrônicos e diamantes está convertendo os países da África Ocidental – uma das regiões mais pobres do mundo – em uma verdadeira "mina de ouro" para o crime organizado internacional, alertou o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) em seu recente informe: Contrabando internacional e as leis na África Ocidental: uma avaliação das ameaças.

O relatório conclui que o crime organizado internacional está saqueando a região, corrompendo governos, agredindo o meio ambiente, desrespeitando direitos humanos e pondo em risco a saúde de seus habitantes, no que considera uma séria ameaça à segurança e ao desenvolvimento da região.

– Criminosos descobriram uma maneira de traficar com menos risco até chegar a Europa. Há um ano, as alfândegas da maioria dos países europeus não tinham a menor suspeita de que podia haver cocaína na mercadoria vinda da Africa Ocidental – afirmou Bo Mathiasen, representante do UNODC no Brasil.

Entre os dados mais alarmantes, o relatório revela que algo em torno de 50% a 60% de todos os medicamentos consumidos na África Ocidental são falsificados, e que até 80% dos cigarros consumidos são derivados de contrabando.

– A região tem tudo o que a delinquência necessita: recursos, localização estratégica, governos fracos e um incalculável número de policiais que não enxergam alternativas viáveis de vida fora do crime – alertou Antonio Maria Costa, diretor-executivo do UNODC.

Em alguns casos, Costa indica que a quantidade de dinheiro que se arrecada com a atividade criminal supera o Produto Interno Bruto dos países da região.

Os US$ 438 milhões obtidos pelo contrabando de 45 milhões de comprimidos falsos para combater a malária, por exemplo, é superior ao PIB da Guiné-Bissau. Sem falar nos milhões que derivam do tráfico de cocaína produzida na América Latina e que passa pela África Ocidental, equivalente ao PIB de Serra Leoa.

O informe indica ainda que cerca de 6 mil africanos são enviados anualmente à Europa – em sua maioria mulheres nigerianas para serem exploradas sexualmente – o que rende por ano às organizações criminosas cerca de US$ 300 milhões. A ONU calcula que, no ano passado, outras 20 mil pessoas da África Ocidental entraram de forma clandestina na Europa através do crime organizado, que teria embolsado mais que US$ 75 milhões pela prestação do serviço.

O poder de Washington

RUBENS BARBOSA



Nos últimos 50 anos, os EUA foram vistos como a "nação líder do mundo livre", por muitos dos que aceitavam essa liderança, ou como "imperialista" - impondo sua vontade, escorada no poderio econômico, financeiro ou militar - segundo os que contestavam a hegemonia de Washington.

O arrogante unilateralismo americano, respaldado pela mais poderosa máquina de guerra jamais construída e pelas vantagens da globalização financeira econômica e comercial, fez com que os EUA perdessem a credibilidade no concerto das nações, ao longo dos últimos dez anos.

Continuando, apesar de tudo, no epicentro dos acontecimentos, foi nos EUA que nasceu a crise econômica que hoje tanto abala os mercados no mundo inteiro. Enfraquecidos econômico-financeira e politicamente, os EUA encontram dificuldades para controlar a recessão cada vez mais forte.

É curioso notar o teste por que passa a teoria, comum nos meios políticos e acadêmicos americanos, segundo a qual o mundo, para manter-se estável e avançar economicamente, necessitaria sempre da liderança do país mais importante e poderoso da época, como foi a Inglaterra, e agora, os EUA. Contestada pela recusa de muitos a aceitar a hegemonia de Washington, a comunidade internacional enfrenta o desafio de demonstrar que a teoria é equivocada e que grandes decisões podem e devem ser tomadas como resultado de um esforço coletivo, e não da vontade da mais poderosa das nações.

A ironia em tudo o que estamos vendo acontecer é que nunca, nos últimos 50 anos, a potência dominante viu-se tão vulnerável e enfraquecida, enquanto a maioria dos países tanto dela depende para recuperar a vitalidade da economia e organizar soluções negociadas para os principais problemas políticos, financeiros e comerciais globais.

A volta do crescimento econômico, a restauração do crédito internacional, a revitalização do comércio global, a questão do nacionalismo econômico e o protecionismo comercial na área econômica, a reestruturação do processo decisório global, político e econômico, ou financeiro e comercial, a forma de evitar novos conflitos externos e o equacionamento dos atuais, tudo depende da ação dos EUA. Seja ela positiva ou negativa.

Apesar de tudo e de todas as restrições políticas em relação aos EUA, o mundo inteiro está ajudando os EUA a buscar soluções para a crise de sua economia. Os recursos estimados em U$2 trilhões, necessários para financiar o déficit orçamentário americano no corrente ano, estão sendo fornecidos por países como a China e Brasil, não exatamente seguidores incondicionais de Washington.

Nenhum país está equipado para assumir o papel de liderança desempenhado até aqui pelos EUA. Nem a China, a União Européia, ou os países emergentes.

Estamos em um período de transição e de paralisia no cenário internacional - um mundo sem liderança - à espera que a principal potência demonstre estar caminhando para a sua recuperação econômica e restauração de sua credibilidade política externa. Temo que esse impasse internacional ainda perdure pelos próximos dois ou três anos.

Teremos que encarar o papel dos EUA no mundo a partir de como emergirão da crise e da reação de Washington às novas realidades políticas e econômicas.

Pode parecer uma afirmação difícil de aceitar por muitos, sobretudo os que carregam preconceitos ideológicos antiamericanos e se recusam a examinar a realidade objetivamente, mas o fato é que, em certo sentido, jamais tivemos um mundo mais unipolar de que agora.

Sabendo como os EUA colocam o interesse nacional acima de tudo, no momento em que a situação econômica se tiver normalizado, a probabilidade é a de que o poderio de Washington, com estilo e tom diferente, volte a ser exercido. Resta saber como "o resto do mundo" vai reagir quando, recuperados mais rapidamente do que os demais países, os EUA ressurjam relativamente mais fortes ainda.

Tendo só duas mãos e o sentimento do mundo, esperemos que, diferente de Drummond, ao amanhecer de uma nova era pós-crise, "esse amanhecer não seja mais noite que a noite".

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Amazônia e o resto do mundo

Léo de Almeida Neves

MEMBRO DA ACADEMIA PARANAENSE DE LETRAS, EX-DEPUTADO FEDERAL E EX-DIRETOR DO BANCO DO BRASIL

O ex-presidente Bill Clinton em recente conferência pronunciada em São Paulo disse que o "Brasil por causa da Amazônia respira o ar mais limpo do mundo e pode resistir melhor aos processos de mudanças climáticas".

Vinte e três detentores de prêmio Nobel, químicos, físicos e outros cientistas, e mais 600 pesquisadores reunidos em fim de junho/09 na Alemanha, assinaram documento afirmando que é preocupante o aquecimento global, ocasionando decréscimo das geleiras de 7% ao ano, duplicação dos desertos de areia, enchentes, secas e incêndios florestais. A ausência dos Estados Unidos fragilizou o Protocolo de Kyoto, Japão, e a esperança é que haja resultados concretos na Conferência de Copenhagen, em dezembro próximo, alentada nos compromissos públicos revelados pelo presidente Barack Obama em favor das causas ambientais.

A Amazônia legal brasileira, com seus cinco milhões de quilômetros quadrados (quase 60% do território brasileiro), tem sido cobiçada pelas grandes potências. Patrimônio comum, pulmão do universo, espantosas riquezas minerais, proteção aos índios, biodiversidade inigualável foram motivações para que, já em 1919, o presidente Wilson dos Estados Unidos preconizasse a internacionalização da região. "Soberania limitada" sobre a Amazônia defenderam François Mitterrand, presidente da França, Gorbachev, da Rússia, e o vice-presidente norte-americano Al Gore. Na década de 60, o Hudson Institute dos EUA lançou a absurda idéia de formar o Grande Lago Amazônico.

A ONU decidiu com o voto favorável do Brasil que os "povos indígenas têm direito à autodeterminação, podendo escolher sua condição política". Enquanto os índios norte-americanos remanescentes transformaram-se em donos de cassinos e assumiram a feição capitalista, o Brasil mantém 520 reservas indígenas. Inquietante é os ianomâmis, que habitam pedaço contíguo da Venezuela, serem apenas 10.000 para 9,4 milhões de hectares, e a nova reserva Raposa Serra do Sol medir 1,7 milhão de hectares para 15 mil índios. Por isso, o país não pode descurar de vigilância sobre ONGs estrangeiras atuando dentro das reservas e impõe-se a presença de batalhões militares nas faixas de fronteira.

Só 4% das terras amazônicas são legitimamente tituladas, motivação do governo editar a Medida Provisória nº 458, aprovada com emendas pelo Congresso Nacional, possibilitando regularizar 67,4 milhões de hectares, igual a Alemanha e Itália juntas, ocupados na maioria por pequenos e médios agricultores. O presidente Lula corretamente vetou o artigo que permitia a transferência de terras para empresas jurídicas e a prepostos. Os adquirentes terão de preservar a mata ou replantar 80% das terras no prazo de 10 anos. Com a titulação das glebas, identificando os proprietários, ficará mais fácil fiscalizar o desmatamento.

Durante o regime militar, a construção da rodovia transamazônica e os incentivos fiscais e financeiros através da Sudam e dos bancos oficiais, e assentamentos de sem-terra, aceleraram a expansão da fronteira agrícola na Amazônia, sob o princípio de "integrar para não entregar".

A criação e simultâneo fortalecimento industrial da Zona Franca de Manaus constituiu procedimento positivo que fez arrefecer as teses alienígenas de internacionalização da Amazônia. As ações estrangeiras tomaram outro rumo, voltando-se para aspectos econômicos: não importar madeira, carne e soja provenientes de regiões descumpridoras da legislação florestal.

Aqui, o BNDES e o Banco do Brasil não mais financiam desmatadores e ocupantes ilegais de terra. A propósito, o Pará teria quatro andares de território, devido escrituras falsificadas, formando as chamadas "terras de papel".

A verdade é que a consciência ambiental propagou-se universalmente, a qualidade sanitária dos produtos agro-pecuários tornou-se exigência da população, e o rastreamento de animais, a salvaguarda da biodiversidade e o respeito às leis sociais e trabalhistas passaram a ser exigidos irrecusavelmente.

O texto original da Medida Provisória 458 exigia mínimo de 10 anos para poder transferir a propriedade; lamentável que o Congresso tenha reduzido o prazo para três anos, o que facilitará a formação de latifúndios, uma vez que serão regularizadas áreas de até 1.500 hectares.

O Brasil precisa adotar atitudes firmes contra o desmatamento ilegal na Amazônia, e os Estados Unidos e a Europa que devastaram suas florestas tem a obrigação moral de contribuir financeiramente para o Fundo da Amazônia administrado pelo governo brasileiro, seguindo o exemplo pioneiro da Noruega.

terça-feira, 7 de julho de 2009

A modernização congelada

José Flávio Sombra Saraiva

Ph.D. pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), é professor titular em relações internacionais da UnB, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri) e Pesquisador 1 do CNPq



Caminhei pelas ruas da Teerã de Mahmud Ahmadinejad. Era inverno de neve sobre as calçadas brancas de trânsito difícil da imensa metrópole. Era o início de 2007. Não vi mesquitas em cada esquina, em contraste com outras capitais de Estados teocráticos naquela região. Parecia um país em franco progresso, até mesmo florescente, povoado por gente hospitaleira e inteligente.

Moças sorridentes e surpresas, nos quatro bancos em que entrei na tentativa de trocar uns dólares por moeda local, olhavam-se sem muita discrição. Notei que elas não eram muito distintas das minhas alunas na Universidade de Brasília. Dirigiam seus carros, lenços pela metade na cabeça (essa uma pequena transgressão aceita pelo regime), animadas com os estudos nas universidades da capital do Irã. Movi-me em táxi de norte ao sul na capital iraniana, ainda que gesto não muito comum para um visitante estrangeiro.

Parecia um país em franca modernização, mas que fora congelando no próprio movimento para frente. Por um lado, chamava atenção riqueza e imponência. Suas classes altas e médias bem estabelecidas e laicas, na parte norte de Teerã, em conciliação interessada com as elites clericais, controlavam a economia nacional. De outro, classes menos remediadas nas partes outras da imensa capital, movendo-se em carros rápidos ou transportes públicos na maior metrópole do Oriente Médio, compunham a massa de manobra do regime. Burburinhos, mistura de cores, gente de todas as partes. Esse contraste ficou como uma imagem indelével da capital da velha Pérsia, de história de mais de 3 mil anos de formação.

Teerã anda em transe nesses dias. Será muito difícil avaliar plenamente as consequências dos fatos no calor das chamas. Imprevisível a repercussão futura dos protestos pós-eleitorais. Dizer que o regime vai cair é precipitado. Afirmar que as formas democráticas ocidentais tomarão conta do Irã é previsão sem lastro. É adequado supor, no entanto, que algo muito relevante está ocorrendo naquele país: o Irã não será o mesmo que emergiu da revolução dos aiatolás 30 anos atrás. Por quê?

Em primeiro lugar, porque há séria fissura interna no regime de Teerã. Seria impossível pensar que o Mir Hossein Moussavi, líder da oposição, agisse apenas por si. Há apoio compreensível de setores do Conselho dos Guardiões ao processo de modernização estancado pela forças conservadoras lideradas pelo aiatolá Ali Khmanei. E desde a velha Pérsia, passando pelo regime do xá Reza Pahlevi, as contendas iranianas jamais foram resolvidas sem violência política dos atores em competição. Embora a história não se repita, algumas regularidades sugerem algo para o Irã moderno.

Em segundo lugar, porque há forças sociais e políticas novas no Irã. Tais forças são filhas, contraditoriamente, da modernização que testemunhei. São aquelas forças que emergiram dos olhos que brilhavam nos jovens ante a chegada do professor brasileiro nos ambientes universitários. Eles querem mais que estabilidade política e modernização conservadora. Eles pretendem influir no poder, abrir o regime e o acesso aos meios clássicos da sociedade burguesa ocidental. É uma força profunda, imaterial, que marcará certamente, na linguagem da internet e das câmaras digitais, parte do destino do Irã. Será impossível calar essa gente depois do sangue derramado pela primeira mártir de Teerã.

Em terceiro lugar, porque o Irã não está solto no mundo complexo que vivemos. Já foi criticado por governantes europeus pelos excessos persecutórios do regime e pelos atentados aos direitos humanos. O país foi considerado, pelos ianques, ponta afiada do eixo do mal. Embora o regime de Teerã venha buscando ampliar o leque de aliados, até mesmo na América do Sul, a confiança dos interlocutores depois dos fatos recentes pode diminuir. A permanecer a reeleição do presidente Ahmadinejad sob suspeita, suspeita estará cooperação internacional com um país que já está na berlinda em tema crucial como o da disseminação nuclear.

País de diplomacia sofisticada, história três vezes milenar, ruas alegres no verão, de filmes de esperança, espera-se com apreensão no mundo que o Irã saiba conduzir sua transição. Sem interferências do lado de cá, mas com respeito aos direitos e visões dos jovens que vi e com quem conversei, necessitamos de um Irã em paz e reconciliado com a sociedade internacional.

domingo, 5 de julho de 2009

Guerra Fria iminente pelo controle do Oceano Ártico

Atividades militares na região petrolífera se intensificam

Alister Doyle

REUTERS

Os países do Ártico estão prometendo evitar uma nova Guerra Fria por causa das mudanças climáticas, mas atividades militares se intensificam numa região polar onde um degelo pode permitir exploração de petróleo e gás ou novas rotas marítimas.

Os seis países ao redor do Oceano Ártico prometem cooperar em questões como fiscalizar novos possíveis locais para pesca ou rotas marítimas numa área muito remota, fria e sombria para despertar interesse durante toda a História.

O aquecimento global está gerando, contudo, divergências há muito tempo irrelevantes, como a disputa entre Rússia e Dinamarca em relação a quem detém o fundo do mar sob o Pólo Norte ou até aonde o Canadá controla a Passagem Noroeste que os EUA chamam de um canal internacional.

– Será um novo oceano numa área estratégica crítica – diz Lee Willett, diretor do Programa de Estudos Marinhos Instituto Real de Serviços Unidos para Estudos de Defesa e Segurança em Londres, prevendo ampla competição na área ártica. – A principal forma de projetar influência e salvaguardar interesses lá será por meio do uso de forças navais.

Forças por terra teriam pouco a defender ao redor de linhas costeiras remotas embaixo de centenas de quilômetros de tundra. Muitos especialistas em clima agora dizem que o Oceano Ártico poderia ficar livre do gelo até 2050 no verão, talvez até antes, depois de o gelo chegar a um nível baixo recorde em setembro de 2007 devido ao aquecimento que, segundo o Painel do Clima da ONU, é culpa da queima de combustíveis fósseis pelos humanos.

Nanook

Previsões anteriores diziam que a região ficaria livre de gelo nos verões até o fim do século. Um documento do Kremlin sobre segurança no meio de maio disse que a Rússia deve enfrentar guerras em suas fronteiras num futuro próximo por causa de controle dos recursos energéticos – do Oriente Médio até o Ártico.

A Rússia, que está se reafirmando depois do colapso da União Soviética, enviou um submarino nuclear em 2008 pelo Ártico sob o gelo para o Pacífico. A nova classe de submarinos russos é chamada de Borei – "Vento Ártico".

O Canadá promove um exercício militar, Nanook, todo ano para reforçar a soberania sobre seus territórios do norte. A Rússia enfrenta cinco membros da Otan – EUA, Canadá, Noruega, Islândia e Dinamarca via Groenlândia - no Ártico.

Atalho

Em fevereiro, o primeiro ministro canadense Stephen Harper criticou as ações "cada vez mais agressivas" da Rússia depois de uma avião de bombardeiro ter voado perto do Canadá antes de uma visita do presidente Barack Obama.

E no ano passado o governo da Noruega decidiu comprar 48 jatos Lockheed Martin F-35 a um custo de 18 bilhões de coroas (US$ 2,81 bilhões). Muito deve estar em jogo. A pesquisa geológica americana estimou, ano passado, que o Ártico tem petróleo, ainda não descoberto, suficiente para gerar 90 bilhões de barris – o que atenderia a demanda mundial por três anos.

E as rotas marítimas do Ártico poderiam ser atalhos entre o Pacífico e o Atlântico no verão mesmo que incertezas em relação a fatores como icebergs, custos de seguro ou uma necessidade de navios mais resistentes pudessem afastar muitas empresas. Outros especialistas dizem que os países podem facilmente ter um bom relacionamento no Norte.

– O Ártico atrairia interesse em 50 ou 100 anos, não agora – explica Lars Kullerud, presidente da Universidade do Ártico. – É um exagero falar em Guerra Fria.

Ele diz que uma área disputada pela Rússia e a Dinamarca no Pólo Norte não é maior do que a área cinzenta no Mar de Barents.

Governos negam tensões mas submarinos devem ser feitos



Apesar dos indícios de maior militarização da área, os governos dizem que o degelo não é um prenúncio de tensões.

- Vamos buscar estratégias cooperativas - disse à Reuters o secretário de Estado substituto americano Jim Steinberg durante uma reunião de ministros estrangeiros do Conselho do Ártico em Tromsoe, Noruega.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov disse que o país não planeja aumentar as forças armadas do país no Ártico e destacou a cooperação.

- Qualquer um pode fazer previsões dizendo que quando há recursos e a necessidade por recursos haverá conflito e disputas - disse o ministro de Relações Exteriores norueguês Jonas Stoere. - Não precisa ser dessa forma.

Niklas Granholm da Agência de Pesquisa de Defesa sueca concorda que falar em Guerra Fria é um exagero, mas disse que tudo leva a crer que a militarização do Ártico vai aumentar.

Isso vai gerar medidas voltadas para a segurança. Muitas medidas devem ser inofensivas - garantir a segurança das embarcações, ou o emprego de engrenagem em caso de derramamento de óleo como o acidente com o petroleiro Exxon Valdez em 1989 no Alasca.



Submarinos

Possibilidades mais amplas incluem uma possível corrida entre a Rússia e os Estados Unidos pela produção de submarinos nucleares mais silenciosos.

Os submarinos, que podem lançar mísseis nucleares de longo alcance, por muito tempo tiveram refúgio sob o gelo do Ártico onde ondas constantes e quebras de gelos mascaravam o barulho do motor.

- Isso deve levar a uma nova geração de submarinos ultra-silenciosos ou outras novas tecnologias - diz Granholm.

A Passagem Noroeste passando pelo Canadá reduz a distância entre a Europa e extremo oriente de 12.600 milhas náuticas para 7.900 via Canal do Panamá. Economias semelhantes podem ser feitas numa rota ao norte da Rússia.

Um prazo da ONU para estados costeiros submeterem reivindicações sobre a região passou no dia 13 de maio e em 2007 a Rússia fincou uma bandeira no fundo do mar a quatro mil metros sob o Pólo para apoiar sua reivindicação.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A separação de Poderes e a crise em Honduras

A crise de poder em Honduras volta a colocar na berlinda os conceitos democráticos de separação e de interdependência que devem caracterizar os Três Poderes em cada país. Se ao Executivo cabe governar, ao Legislativo compete elaborar as leis a ao Judiciário controlar sua constitucionalidade. Tudo dá errado quando um dos Poderes resolve anular os demais para impor suas regras e vontades.

Honduras tem uma longa história de ditaduras e corrupção, mas desde 1982 - após 144 anos de independência, 128 governos e 14 Constituições -, com a posse do liberal Roberto Suazo, os governos passaram a suceder-se com regularidade a cada quatro anos. Depois da Costa Rica, é a mais democrática nação da América Central. Contudo, de que lhe serviu tal honraria? Na transição para o século XX definiram-se os dois partidos que dominam até hoje o cenário político hondurenho: o Liberal, predominante nas cidades maiores, de centro-direita, e o Conservador, forte no campo, de direita.

Honduras chegou a ser o principal exportador mundial de banana, sua maior riqueza junto com o café, mas sob o domínio da United Fruit e da Standard Fruit Company, que enriqueceram às suas custas, tornou-se a 122ª. economia mundial com um PIB per capita que, na região, só supera Bolívia, Guiana, Nicarágua e Haiti. Oito de cada dez hondurenhos vivem em estado de pobreza.

Manuel (Mel) Zelaya, um fazendeiro e aristocrata eleito em 2005 pelo Partido Liberal com 49,9% de apoio num pleito com abstenção recorde de 45%, prometia a um povo quase sem esperanças "transparência e participação popular", e perdeu sustentação ao fazer uma administração desastrosa na qual se mostrou incapaz de lidar com a crise econômica, a insegurança e as gangues juvenis que se multiplicaram.

Resolveu dar uma guinada ideológica juntando-se ao bolivarianismo de Hugo Chávez. Na verdade, não tinha opções. Os Estados Unidos nunca ajudarem o país a sair da miséria e Obama, temeroso de repetir os erros de Bush, não cogita queimar-se por uma Honduras qualquer da vida. A China, que está mudando a face econômica de muitos países africanos, não tem interesse pela pequena Honduras, que sempre fez parte do quintal norte-americano. O único com dinheiro vivo e ávido por ajudá-lo apenas em troca de apoio político era Chávez, que de quebra lhe oferecia uma fórmula mágica para não mais sair do governo.

Nem tudo está perdido: dois duros golpes acabam de ser assestados na epidemia do continuísmo que grassa na América Latina. Na Argentina, o casal Kirchner viu seu projeto de permanecer pelo menos 20 anos na Casa Rosada ruir nas eleições legislativas de domingo ao ser derrotado até mesmo na Região Metropolitana de Buenos Aires.

E, em Honduras, a tentativa de Zelaya de fazer uma consulta popular que lhe permitiria concorrer à reeleição em novembro, expressamente declarada ilegal pela Suprema Corte de Justiça, pelo Congresso e pelo Procurador Geral, terminou com sua destituição e substituição legal pelo presidente do Parlamento, Roberto Micheletti Baín, que, em sua primeira fala à nação, assegurou a realização das eleições em 27 de novembro próximo, não esquecendo de dizer que "Honduras estava se livrando da ameaça do chavismo". A Constituição do país reza que o mandato presidencial é de quatro anos, proíbe a reeleição e estipula que "quem quebrar esta disposição terminará de imediato o desempenho no cargo, ficando inabilitado por 10 anos para exercer qualquer função pública".

Zelaya imaginou que os 27 anos de tradição democrática de Honduras seriam logo esquecidos, como o foram nos países bolivarianos, e quando a consulta popular que propôs foi julgada ilegal, ignorou o veredicto judicial, demitiu o comandante em chefe das Forças Armadas (a quem cabia viabilizar a votação) e ordenou a invasão do quartel onde estavam guardadas as cédulas eleitorais enviadas por avião desde Caracas, passando a distribuí-las entre seus partidários.

Com isso, desafiou abertamente os dois outros Poderes, solapando inclusive suas bases de sustentação entre os hondurenhos que aceitam tudo, menos a volta aos negros tempos de exceção das primeiras sete décadas do século XX e a revogação da Carta Magna de 1981. No entanto, ao invés de convencer o presidente a desistir de seus projetos de continuísmo (com o que Zelaya, no exílio, agora concorda), a Corte Suprema preferiu depô-lo com o uso da força militar e isso se tornou inaceitável para a comunidade internacional, que passou a denunciar os fatos como um golpe, exigindo a volta de Zelaya à Presidência.

Em Tegucigalpa e em San Pedro Sula, as duas maiores cidades, milhares de pessoas saíram às ruas vestidas de branco para defender a democracia hondurenha e o Comissionado Nacional de Direitos Humanos, Ramon Custodio López, declarou que "a comunidade internacional não viu a intransigência com que Mel Zelaya pretendia seguir governando Honduras". Os Três Poderes funcionam, o país parece tranquilo e, se tiver calma, Micheletti poderá conduzi-lo até a eleição do novo presidente em novembro.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Honduras e a América

Pela primeira vez, desde que foi proclamada a Doutrina Monroe, em 1823, um presidente norte-americano condena golpe militar na América Latina. A pequena e economicamente inexpressiva Honduras passa à História como o recuado peão que faz mover o tabuleiro estratégico do continente. Como em velho programa humorístico do rádio brasileiro, vale a pena recorrer ao bordão: há sinceridade nisso? Provavelmente, sim. A Casa Branca se encontra ameaçada pela extrema direita norte-americana, ao mesmo tempo em que busca limpar sua imagem no mundo, e necessita do apoio dos liberais de seu país e do mundo. Nem mesmo durante o governo de Franklin Roosevelt, considerado de esquerda pelos conservadores, os Estados Unidos deixaram de financiar e apoiar – mesmo com soldados e armas – golpes militares em nossos países.

Uma das piores tiranias na América Central – a da Nicarágua – foi concebida em Washington, com o assassinato do grande revolucionário Augusto César Sandino, em 1934. Sandino, depois de vitorioso, caiu em emboscada, preparada por Anastásio Somoza, chefe da Guarda Nacional nicaraguense, e assassinado, quando ia discutir acordo para a desmobilização de seus guerrilheiros. Roosevelt, ao mesmo tempo em que proclamava a famosa doutrina da boa vizinhança, prestigiou a ditadura de Somoza enquanto viveu, e o mesmo apoio cúmplice e criminoso de Washington com a família de usurpadores continuou até 1979, quando Anastásio Tachito Somoza, filho do primeiro, foi derrubado pela Frente Sandinista e executado em Assunção, no Paraguai, meses depois, por guerrilheiros argentinos. Roosevelt se referia ao primeiro Somoza como um “son of bitch, but our son of bitch”.

Nenhum governo norte-americano, desde McKinley e Theodore Roosevelt – isso sem falar no que ocorrera antes – deixou de prestigiar a direita, sobretudo a militar, do México ao Chile, em nome da “boa ordem”. Nas últimas décadas soubemos bem o que foi isso, no Chile, na Argentina, na Venezuela, na Colômbia, no Peru, no Equador, em El Salvador, na Guatemala, na República Dominicana, em Cuba – e no Brasil. Não importava se estivessem no poder os republicanos de Nixon ou os democratas de Kennedy e Lindon Johnson. Agora, no entanto, um presidente norte-americano exige que se respeite a vontade popular em país ibero-americano, e sua posição é seguida no mundo. Até mesmo o rei da Espanha se manifestou contra o golpe de Honduras. Afinal, ele entende do assunto, e deve recordar-se da cançoneta infantil dos republicanos espanhóis ("Si tu padre quiere un rey, la baraja tiene cuatro, rey de oros, rey de copas, rey de espadas, rey de bastos"). Na verdade, a monarquia espanhola é uma concessão da razão republicana, no pacto político construído depois da morte de Franco.

Qualquer que seja a posição política da chamada comunidade internacional – além da firme decisão de ontem da Assembleia Geral da ONU – uma coisa deve ser respeitada: a incolumidade do território hondurenho. Isolar diplomaticamente os golpistas para que devolvam o poder a Zelaya é uma coisa. Enviar tropas é outra. Não será difícil obrigar o governo usurpador a deixar o governo de que se apropriou pelo golpe.

Uma saída pacífica, no entanto, não pode impedir o governo legítimo de punir os liberticidas. Mais do que um direito, o presidente deposto, se retornar ao poder, tem o dever de convocar assembleia constituinte, a fim de que o povo coloque rédeas jurídicas nas Forças Armadas e subordine os outros poderes ao estado de direito.