´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado


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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Os uigures e eu

Em minha primeira matéria para o Estadão, quando fui morar na China, coloquei uma frase onde dizia que os uigures eram um problema para o governo chinês. O embaixador brasileiro mandou me chamar em seu gabinete e declarou que eu ia ser expulso do país. Mas, sem nem abrir as malas direito e já estavam me despachando? Não satisfeito com o meu choque, o embaixador continuou a falar, em voz altíssima, que gostava muito da China, que adorava morar na China, mas que lugar maravilhoso. Até hoje não sei se falava só para mim, o que seria bizarro, ou se falava também para as paredes, para possíveis microfones ocultos (não estou brincando), já que ficava de costas, de lado, a cabeça erguida, olhando para cima. A cena era inusitada. Ele estava educadamente furioso porque seu nome havia saído na reportagem, justamente na parte dos uigures. Enquanto isso, muito mais calmo, fazendo uma espécie de contra-ponto, o ministro da embaixada mostrava no mapa onde moravam os malditos criadores de caso, ao mesmo tempo em que defendia o comportamento do governo chino. Depois de uns dois dias esperando para ver se iam me mandar embora, procurei o chefe da Agência Lusa, um português com vários anos de China, e apresentei a matéria. Ele me tranquilizou, disse que já havia escrito coisas muito piores e que não ia me acontecer nada. E assim foi.

Agora os uigures estão nas manchetes porque os chinos mataram 156 deles e deixaram 828 feridos, em manifestações em Urumqi, capital da província de Xinjiang, quase toda ela muçulmana e desejosa de cair fora da dominação chinesa. Por causa de fatos como esse é que o embaixador me chamou. Naquela época, era proibido dizer que Xinjiang era separatista, um problema para a China. O único termo aceito pelo governo chinês era terrorista: Os uigures não são SEPARATISTAS, mas TERRORISTAS. Com relação ao Tibet, os tibetanos são tão pacíficos, tão mundialmente conhecidos como espiritualistas, que os chinos desistiram do termo terroristas para classificá-los, mas, no geral, o problema guarda uma pequena semelhança com o de Xinjiang. Da mesma maneira que no Tibet, a província está sendo entupida de chineses da etnia han, o que é feito através da migração forçada. Os uigures estão em muito países do mundo, mas os “dificeis” são os de Xinjiang. É equivocada a maneira como a imprensa tem tocado no assunto. Tratam as manifestações de protesto como se os uigures quisessem apenas maior liberdade de expressão, de culto etc. É uma análise superficial e favoravel ao governo chinês. Isso é o que eles dizem para a polícia. Os uigures de Xinjiang querem é independência.

Em Guantânamo existiam terroristas iugures, membros da Al Qaeda, mas esses têm pouco a ver com a China. São aqueles delirantes que acham que o Islã deve dominar o mundo. Foram presos no Afeganistão. Durante o governo Bush a China já havia pedido a sua extradição, mas não foi atendida porque os Democratas não deixaram, sabendo o que iria acontecer quando pisassem em território chinês. Agora, com o problemático propósito de desativar a prisão, que resultou no apelo americano para que outros países aceitassem receber os terroristas, a China, muito contente, renovou a sua disposição de acolhê-los, mas outra vez evitou-se a condenação à morte desses pacíficos prisioneiros. Afinal, por uma quantia de apenas 100 milhões de dólares, pagos pelos contribuintes americanos, 17 uigures foram para um minúsculo país no Pacífico Sul, no arquipélago de Palau, onde só existem duas hipóteses: ou vão ser corrompidos pelas ilhas paradisíacas e esquecer Maomé, ou vão conseguir escapar, vão matar todo mundo, e regressar ao Afeganistão, para novamente enfrentar os americanos.

Existe muita gente ansiosa por ver a China ultrapassar os Estados Unidos e se transformar na primeira potência mundial. Pode não ser bem assim. No momento da democratização é possivel que comecem a pipocar movimentos separatistas, e o território chinês, com 56 etnias, vir a ser desmembrado em alguns pedaços, da mesma maneira que a parte asiática do império soviético.

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