´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado


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quarta-feira, 30 de junho de 2010

A indústria nuclear hoje

Leonam dos Santos Guimarães é assistente da presidência da Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor-Geral da AIEA

Destino do combustível usado após sua remoção ainda dificulta aceitação. Estão em construção no mundo todo 53 usinas nucleares; encomendadas, 135; e planejadas, mais 295 até 2030



A indústria mundial de geração elétrica nuclear já acumulou mais de 14 mil reatores por ano de experiência operacional do final da década de 50 até hoje. São 436 usinas nucleares distribuídas por 34 países, concentradas naqueles mais desenvolvidos, que respondem atualmente por 16% de toda geração elétrica mundial.

Dezesseis países dependem da energia nuclear para produzir mais de um quarto de suas necessidades de eletricidade. França e Lituânia obtêm cerca de três quartos de sua energia elétrica da fonte nuclear; enquanto Bélgica, Bulgária, Hungria, Eslováquia, Coreia do Sul, Suécia, Suíça, Eslovênia e Ucrânia mais de um terço. Japão, Alemanha e Finlândia geram mais de um quarto; e os EUA, cerca de um terço.

Apesar de poucas unidades terem sido construídas nos últimos 15 anos, as usinas nucleares existentes estão produzindo mais eletricidade. O aumento na geração nos últimos sete anos equivale a 30 novas usinas e foi obtido pela repotencialização e melhoria do desempenho das unidades existentes.

Existem hoje renovadas perspectivas para novas usinas em países com um parque nuclear estabelecido e outras tantas alguns novos países. Os países reunidos no grupo dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) são particularmente importantes nesse contexto. Em todo o mundo, 53 usinas encontram-se em construção - Angra 3 é uma delas - e a elas se somam encomendas firmes para outras 135. Além dessas, mais 295 consideradas até 2030 pelo planejamento energético de diversos países (dentre os quais o Brasil, que planeja de 4 a 8 usinas adicionais nesse horizonte de tempo).

Cumpre reconhecer, entretanto, que ainda persistem forças antinucleares importantes em alguns países, em especial na Alemanha. Seu poder político, porém, vem declinando

Apesar da crescente atenção que a geração nuclear tem recebido por razões ligadas ao ambiente e segurança de suprimento, é claro que as novas usinas devem provar sua competitividade econômica nos mercados de energia de hoje.

Se puder ser provado que novas usinas são a mais barata forma de geração elétrica de base a longo prazo, esse será um argumento muito poderoso em favor de sua escolha. A Agência Internacional de Energia (IEA) prova isso na sua edição 2010 do relatório "Custos projetados de geração de eletricidade", recentemente lançado. Várias restrições potenciais têm sido levantadas, especialmente a disponibilidade de financiamento e restrições de capacidade na cadeia de suprimentos, mas podem ser superadas como foram no passado.

As raízes da oposição a qualquer coisa relacionada com a energia nuclear são muito profundas e constituem elemento essencial do movimento ambientalista, que encontrou na indústria de geração elétrica nuclear um alvo relativamente fácil.

A experiência tem mostrado que ganhar aceitação pública é mais fácil ao nível local, permitindo que as pessoas visitem as instalações e esclareçam suas dúvidas. Para a indústria, a melhor abordagem é operar bem suas instalações, tanto do ponto vista da segurança como do econômico.

O baixo custo do urânio e sua estabilidade ao longo do tempo constituem vantagem econômica primordial da geração elétrica nuclear. O ciclo do combustível, isto é, a mineração e beneficiamento, conversão, enriquecimento e fabricação são processos muito complexos, tanto do ponto de vista técnico como comercial, com mercados individuais para etapa.

O salto que os preços mundiais do urânio deram desde 2003 e a subsequente queda brusca, geraram muito interesse, particularmente do setor financeiro. Isso estimulou uma visão renovada sobre as alternativas tradicionais de comprar e vender urânio e encorajou os compradores a pressionar pelo maior número possível de fontes de suprimento.

As significativas restrições à transferência de tecnologia e comércio de bens e serviços são críticas para a indústria nuclear, assim como o gerenciamento do combustível usado e o retorno dos sítios nucleares fechados a usos alternativos. As restrições estão ligadas ao Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares e sua implementação por meio de salvaguardas pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) e pelo Grupo de Fornecedores Nucleares (NSG).

A proliferação nuclear ainda permanece como um tema muito vívido e tem o potencial de ameaçar o renascimento da indústria nuclear.

O que fazer com o combustível usado após sua remoção do reator tem sido a mais importante questão e gerado os maiores problemas de aceitação pública. O debate sobre sua reciclagem é vital para o futuro da indústria nuclear.

A geração elétrica nuclear deve ser colocada no contexto mais amplo do desenvolvimento energético mundial. Esse tema retornou ao debate público após ter ficado muitos anos à margem depois das crises do petróleo dos anos 70.

Isso se deve a preocupações renovadas sobre a segurança do fornecimento de óleo de gás a longo prazo, indicada pela significativa escalada de preços, mas também pelas preocupações com as consequências ambientais da contínua exploração em massa dos recursos em combustíveis fósseis.

Baseado nos princípios do desenvolvimento sustentável, as mais recentes análises de ciclo de vida das várias opções de geração elétrica não conseguem elaborar um cenário para os próximos 50 anos no qual não haja uma significativa participação da fonte nuclear para atender às demandas de geração de energia concentrada, juntamente com as renováveis, para atender às necessidades dispersas.

A alternativa seria exaurir os combustíveis fósseis, aumentando brutalmente a emissão de gases de efeito estufa, ou negar a aspiração de melhoria de qualidade de vida para bilhões de pessoas da geração de nossos netos.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Estudo propõe indústria nacional de energia nuclear

Cadeia da energia nuclear

O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) se uniram para identificar as condições necessárias para implantar no país uma cadeia de suprimento qualificada para a produção de energia nuclear.

Essa cadeia deve ser capaz de atender às necessidades postas pelo Programa Nuclear Brasileiro (PNB), em sua expansão prevista para até 2030.

A parceria resultou em um estudo - encomendado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ao CGEE - que posteriormente possibilitará encontros entre especialistas, representantes governamentais e do setor empresarial com vistas ao levantamento de propostas e recomendações que embasem a formulação de uma política industrial e tecnológica para o setor.

A cadeia de suprimento para geração de eletricidade a partir de usinas nucleares tem prioridade no estudo conduzido pelo CGEE. No entanto, também são abordadas as áreas de saúde, de produção industrial e do agronegócio.

Radiofármacos

Na área de saúde os radiofármacos e congêneres têm importantes aplicações em diagnósticos e terapias por parte das clínicas e hospitais do Brasil. Ampliar sua utilização deverá contribuir para a melhoria da qualidade destes serviços.

Já no agronegócio e na indústria, a questão é competitividade.

O emprego das tecnologias de irradiação em alimentos melhora suas condições de conservação e qualidade, fator determinante para o acesso dos produtos brasileiros a alguns mercados externos.

Aceitação da energia nuclear

A energia nuclear é cada vez mais aceita pela opinião pública e por grupos ambientalistas. No Brasil, pesquisas de opinião pública revelam uma aceitação que varia, em média, de 60% a 80% da população brasileira.

Entre os motivos que levaram a uma percepção positiva do setor nos últimos anos se incluem o aumento da segurança nos procedimentos de produção e os fatores ambientais, já que a geração de eletricidade com base em energia nuclear não emite gases causadores de efeito estufa.

A opção por um modelo que não polui a atmosfera é uma das vantagens competitivas da energia nuclear. "Mas a principal vantagem mesmo é econômica", afirma o presidente da CNEN, Odair Gonçalves. "A energia nuclear é mais barata que o óleo, e o valor se equipara ao do carvão e do gás natural. Além disso, exige pouco espaço de armazenamento de combustível, já que 10 g de urânio enriquecido produzem a mesma eletricidade que 1.200 kg de carvão ou 700 kg de óleo", diz.

"Num momento de intensas discussões sobre mudanças climáticas e aquecimento global, as alternativas tecnológicas de produção de energia vêm sendo repensadas pelas sociedades, e os avanços na tecnologia nuclear permitiram um olhar diferente sobre este modelo de geração de energia elétrica", afirma a assessora do CGEE, Liliane Rank, líder do estudo.

No começo da década, pesquisas mostravam que menos de 30% dos brasileiros apoiavam ou confiavam na produção de energia nuclear. Além das vantagens competitivas de apelo ambiental e econômico, a virada na opinião ocorreu a partir de 2003. "Neste ano, passamos a priorizar a transparência das informações sobre o setor", explica Gonçalves, da CNEN.

Em referência à questão ambiental, é positivo o fato de que as usinas nucleares ocupam terrenos relativamente pequenos quando comparados às extensas áreas inundadas para a instalação de usinas hidrelétricas.

Expansão Nuclear

A primeira etapa do estudo liderado por Liliane Rank, concluída em novembro de 2009, deu origem a um relatório final, "Estudo da Cadeia de Suprimento do Programa Nuclear Brasileiro: contextualização e perspectivas do setor de produção de energia nuclear no Brasil".

De acordo com Liliane, a segunda fase, iniciada no primeiro semestre de 2010, deve especificar e dimensionar a demanda de suprimentos, fundamentada na expansão prevista para o setor, além de estabelecer um diálogo entre oferta e demanda para identificar oportunidades de investimentos que fortaleçam a base industrial do país.

O Plano Nacional de Energia do governo brasileiro trabalha com cinco cenários de potência instalada no país até 2030. A energia nuclear, segundo o plano, passaria dos atuais 2,1% de participação para 3% no cenário mais modesto para a produção de origem nuclear. Ou, no cenário mais favorável, para uma fatia de até 5% em 2030.

Novas usinas nucleares no Brasil

Para alcançar esses objetivos, o Brasil construirá entre quatro e oito novas usinas nucleares em seu território nos próximos 20 anos. As obras da usina de Angra 3 começam em 2010, de acordo com a CNEN. O governo definirá, ainda este ano, a localização da quarta planta, que deverá ser instalada na região Nordeste, provavelmente no estado de Pernambuco.

"Por isso o estudo é primordial", afirma Odair Gonçalves. "Precisamos dominar a produção de algumas ligas metálicas. O estudo é fundamental principalmente para as áreas de insumos e infraestrutura", diz. Segundo Gonçalves, a expectativa é que a indústria nacional domine toda a cadeia de suprimento até 2015.

O Brasil ostenta uma situação confortável no setor, já que é um dos três países que ao mesmo tempo detêm reservas de urânio e dominam o processo de enriquecimento, ao lado de Estados Unidos e Rússia. Além disso, a tecnologia de enriquecimento de urânio é conhecida e aplicada comercialmente por apenas sete países: Brasil, EUA, França, Rússia, Reino Unido, Alemanha, Japão e Holanda.

Diferentemente de outros países, como Estados Unidos, França, Rússia e Reino Unido, o Brasil enriquece urânio com finalidade estritamente pacífica, como prevê a Constituição do país. Essa posição histórica credenciou o governo brasileiro a participar, nos últimos meses, da busca de uma solução para o impasse entre o Irã e a comunidade internacional sobre o enriquecimento de urânio pelos iranianos.

Recomendações para o setor nuclear

O resultado das ações propostas no estudo conduzido pelo CGEE contribuirá para promover a mobilização do complexo industrial nuclear brasileiro, para que ele esteja preparado para fornecer serviços, materiais e equipamentos em grau crescente de nacionalização.

Assim, de acordo com o estudo, o parque industrial do país terá condições de atender ao Programa Nuclear Brasileiro (PNB) e de contribuir para o aprimoramento da gestão de longo prazo da implantação de novas usinas, bem como o delineamento futuro de políticas públicas de incentivo a este setor.

O documento lista uma série de sugestões que devem ser adotadas pelo setor produtivo, pelo governo e por instituições brasileiras a partir de 2010: fazer um levantamento da matriz de demanda versus oferta do setor nuclear; promover uma busca na produção nacional de enxofre; verificar os montantes dos déficits projetados no tempo, em uma comparação entre a capacidade de produção agregada ao sistema e a expansão das usinas em operação, para verificar as ordens de serviços externas necessárias até 2030.

Outras recomendações incluem identificar e promover a capacitação de empresas de consultoria na seleção de locais adequados para implantação de centrais nucleares, na preparação de relatórios de segurança para o licenciamento e na elaboração de estudos de impacto ambiental para instalações nucleares.

Uma nova etapa do estudo terá por objetivo se aprofundar em temas como a produção de radiofármacos, visando o incremento nas suas aplicações na área de saúde, e na fabricação de irradiadores nacionais, mapeando a demanda para a purificação e conservação de alimentos como frutas, já que alguns países, entre eles Estados Unidos e Japão, exigem biossegurança para os produtos que importam de outras nações.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Irã vai ser líder em tecnologia

Cada vez mais os dados disponíveis mostram claramente a existência de forte correlação positiva entre a capacidade científica e tecnológica de um país e o seu desenvolvimento econômico.
A existência de uma forte base científica e tecnológica assegura maiores possibilidades de desenvolvimento. A conscientização crescente dos diferentes governos tem propiciado um crescimento no investimento em Ciência e Tecnologia pela grande maioria das nações, levando a um crescimento contínuo na contribuição científica oferecida pelos diferentes países e que pode ser mensurado pelo número de artigos científicos publicados em revistas especializadas.
Em 1981, os 50 maiores produtores de conhecimento científico foram responsáveis pela publicação de 468.707 artigos, enquanto que em 2007 este número foi de 1.184.426, o que representa um aumento de cerca de duas vezes e meia em 26 anos. Alguns países crescem a cada ano— veja-se o que vem acontecendo com a China.
Nos últimos meses o Irã tem sido o foco da atenção mundial em parte devido ao seu programa nuclear que, a julgar pelo que tem sido descrito na imprensa, vem obtendo avanços significativos no enriquecimento de urânio.
Qual a base científica atual do Irã e como tem evoluído a atividade científica em países da região como Israel, Egito e Turquia? Em 1981, o Irã ocupava a quadragésima sétima posição, enquanto Israel, Egito e Turquia ocupavam a décima sétima, a trigésima terceira e a trigésima posição, respectivamente.
Em 2008, o Irã chegou à vigésima sexta posição enquanto os demais ocupavam a vigésima, a quadragésima e a décima quinta posição, respectivamente.
Esses dados apontam para um crescimento significativo da atividade científica na Turquia e no Irã. Eles são abrangentes e consideram todos os campos da atividade científica.
Os dados em duas áreas estratégicas, a área biomédica e a nanotecnologia, são indicadores do estágio atual. Estudo publicado em dezembro último no “Clinical Trial Magnifier” aponta o Irã como o país onde ocorrem as taxas mais elevadas de crescimento da produção biomédica mundial, tendo crescido cerca de 25 vezes apenas nos últimos dez anos.
Na área biomédica tem publicado mais artigos que Hong Kong, Nova Zelândia, Cingapura e a Rússia. Neste mesmo período o número de instituições de pesquisa iranianas na área biomédica aumentou de quatro para sessenta e quatro, o que explica o vigor do crescimento das ciências biomédicas no país. Cabe lembrar que esta é uma área que incorpora a moderna biotecnologia e suas aplicações em vários campos.
Na estratégica área da nanotecnologia, que vem produzindo uma revolução em vários setores industriais, a presença do Irã também é marcante. Em 2003, o Irã ocupava a qüinquagésima primeira posição na produção de conhecimentos nesta área. Neste mesmo ano Brasil, Israel e Turquia ocupavam a décima nona, a vigésima primeira e a trigésima quarta posições. Em 2009, o Irã já atingiu a décima quinta posição, enquanto os demais países ocuparam a décima nona, a vigésima terceira e a vigésima quarta posições, respectivamente.
Os dados acima deixam claro que, além da questão nuclear, sempre polêmica, e das considerações de caráter religioso, uma intensa transformação mais discreta vem ocorrendo na Ciência e Tecnologia da velha Pérsia. Seguindo as taxas de crescimento alcançadas nos últimos anos, muito em breve o Irã assumirá uma posição de liderança no desenvolvimento científico e tecnológico regional.
WANDERLEY DE SOUZA é professor da UFRJ e e diretor de Programas do Inmetro.
Foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e da Tecnologia e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio.

domingo, 27 de junho de 2010

A indústria naval renasce das cinzas

A indústria naval renasce das cinzas

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente da República Federativa do Brasil
A indústria naval brasileira chegou a ser a segunda maior do mundo, empregando, em 1979, 39 mil trabalhadores.
Na época, apenas o Japão nos superava.

Nas décadas seguintes, quando os navios e plataformas de exploração passaram a ser importados, o setor começou a definhar até quase virar pó, com o número de empregados caindo para 1.900 no ano de 2000. Hoje, no entanto, a indústria naval está renascendo das cinzas. O setor já superou em muito o número de empregados da época áurea, empregando atualmente 46.500 trabalhadores e podendo chegar, segundo cálculos do Sindicato da Indústria Naval, a 50 mil até o fim deste ano.
A reviravolta fantástica está sendo proporcionada sobretudo pelo Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), um dos principais projetos do PAC. As encomendas do Promef somam 49 navios de grande porte, dos quais 46 já foram licitados e 38 já estão com os contratos assinados. As premissas do Promef, que resultaram num grande impulso à nossa indústria, são de que os navios devem ser construídos no Brasil e com índice de nacionalização de 65% na primeira fase e de 70% na segunda, além da exigência de que sejam competitivos internacionalmente.

Houve várias críticas a essa nossa determinação.
Diziam que na era da globalização seria mais barato fazer as encomendas à China ou à Coreia. Nós dizíamos que o Brasil tinha um parque ocioso enorme e que não poderíamos deixar todo o know how adquirido se perder no tempo. O que os críticos não consideravam também é que as compras feitas internamente retiram um peso negativo da balança comercial, mobilizam um sem-número de outras empresas, geram dezenas de milhares de empregos diretos e indiretos para brasileiros, que se tornam consumidores e passam a demandar todo tipo de produto para a sua vida diária, girando e estimulando toda a economia.
No mês passado, nós participamos do lançamento ao mar do primeiro navio concluído: o João Cândido, construído pelo Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco. As dimensões do navio são gigantescas – o comprimento é de 274 metros, duas vezes e meia a distância de uma trave à outra do campo do Maracanã. Foi o primeiro navio construído no Brasil para o sistema Petrobras desde 1997 e pode ser apontado como marco da recuperação da nossa indústria naval. Na última quinta-feira, foi lançado ao mar o segundo navio, o Celso Furtado, no Estaleiro Mauá, em Niterói, no Rio de Janeiro.

Há todo um simbolismo nesse empreendimento.
Nós estamos resgatando uma tradição, uma vez que esse estaleiro foi fundado em 1846 pelo Barão de Mauá, pioneiro da indústria naval e do desenvolvimento industrial do nosso país.
Quero ressaltar um aspecto muito importante: a qualificação dos trabalhadores. A grande maioria dos operários do Estaleiro Atlântico Sul ganhava a vida como pescador, cortador de cana ou doméstica. Todos eles, cuja atividade anterior não era valorizada, receberam formação em três fases. Na primeira, houve reforço do ensino básico, com a duração de três meses. O segundo estágio foi no Senai, onde os trabalhadores receberam base teórica e treinamento prático. A terceira fase, oferecida pelo próprio estaleiro, foi de qualificação final para as atividades de soldador, caldeireiro, mecânico, montador e pintor. Não há nada que pague ver a expressão de felicidade estampada no rosto dos trabalhadores, pessoas que jamais imaginaram que um dia seriam capazes de construir um verdadeiro monumento, como é o navio João Cândido.

A retomada da indústria naval é irreversível.
Além das encomendas atuais, não é difícil imaginar quantas encomendas serão geradas com o início da exploração do présal.
Além da revitalização dos antigos estaleiros e da construção do Atlântico Sul, o Estaleiro Aliança está expandindo sua unidade de Niterói (RJ) e vai construir nova unidade em São Gonçalo (RJ). O Estaleiro Rio Grande, em Rio Grande (RS), construirá oito cascos de navios plataforma para a Petrobras.
O grupo Wilson Sons anunciou na semana passada a construção de novo estaleiro, também na cidade de Rio Grande.
Outros quatro serão instalados no país para atender à demanda crescente: Paraguaçu, na Bahia, Eisa, em Alagoas, Promar, no Ceará ou Pernambuco, e Corema, em Manaus.
Estou convencido de que o Brasil vai voltar em breve a figurar entre os líderes mundiais na construção de navios. Os reflexos dessa verdadeira explosão da indústria naval estão se espraiando pela economia e beneficiando, direta ou indiretamente, todos os brasileiros.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Saída de McChrystal não altera estratégia dos EUA, diz analista

Moreno Osório
A saída do general Stanley McChrystal não deve alterar a condução da guerra no Afeganistão, pelo menos a curto prazo. Com David Petraeus assumindo as tropas da Otan, os Estados Unidos seguirão com sua estratégia de estabilização e reconstrução do país asiático. A grande questão será quanto tempo o novo comandante precisará para se adaptar a uma realidade diferente da do Iraque, front que também está em suas mãos. A opinião é de Salvador Raza, diretor do Centro de Tecnologia, Relações Internacionais e Segurança (Cetris), com sede em Campinas. Segundo ele, o caso McChrystal foi além das polêmicas declarações do general dirigidas à alta cúpula do governo Obama e atingiu a política adotada pelos Estados Unidos para o Afeganistão.

"O general se tornou um vetor da discussão, que é política, diplomática. São normas de alto nível que instruem as alternativas estratégicas. É uma questão de política, e não de estratégia", diz Raza. Ou seja, para o analista, não havia discordância em relação à estratégia adotada no Afeganistão, mas sim às políticas usadas para torná-las efetivas. McChrystal errou ao querer se meter em assuntos diplomáticos, que ultrapassavam sua área de atuação. "Isso fez com que ele (McChrystal) entrasse em choque com outras personalidades fortes que eram a sustentação de uma lógica política", explica. Atitude que pode ser explicada em parte pela personalidade forte e "birrenta" do general.

O que McChrystal queria, segundo Raza, era mais tempo para aplicar uma estratégia chamada de "contrainsurgência". Historicamente reconhecida como uma das mais efetivas, a COIN, como também é conhecida, prega, entre outras ações, envio de uma grande quantidade de combatentes não apenas para destruir o inimigo, mas também para viver entre a população civil, ajudando a construir um novo governo - um processo que pode levar anos, até décadas. Washington, no entanto, quer resolver a questão afegã mais rapidamente. Esse era o ponto de divergência. "A discussão está no tempo de resposta. McChrystal queria conduzir em um período mais longo, e para isso ele precisava de maior capilaridade das ações", explica o especialista, que atualmente é professor da National Defense University, em Washington.

Obama não só discorda dessa "infiltração" maior das ações da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf, na sigla em inglês) como discordava também do envolvimento de McChrystal nesse tipo de decisão, sustenta Raza. A sua opinião, que culminou no que foi expressado na reportagem publicada na edição americana da revista Rolling Stone (a edição ira às bancas apenas na sexta, mas sua versão online já disponibiliza o texto), foi apenas a gota d'água. "Suas declarações à revista só fragilizaram ainda mais sua posição política. Então Obama teve de tirá-lo para assegurar a sustentação e o prestígio interno do seu governo. Se ele não o tirasse, o presidente iria parecer sem o controle da situação", explica professor, que também é consultor internacional na área de simulações e planejamento estratégico para diversos países.

Evolução no conflito
Salvador Raza acredita que nada vai mudar no conflito afegão em curto prazo. "O embaixador (americano no Afeganistão, Karl Eikenberry) continua. Então a dimensão política (reconstrução do Estado, governabilidade, capacitação do governo e dos mecanismos de defesa e a neutralização da estrutura do Talibã e da Al-Qaeda) continuará a mesma. Nesse momento, a estratégia americana não deve mudar", afirma. Para ele, o único possível problema nessa transição é que o general Petraeus vai ter de se acostumar a dar conta de dois conflitos muito diferentes (Iraque e Afeganistão). "Isso pode superar a capacidade de processamento, e o ciclo de decisão pode ficar mais lento, mais burocrático", sustenta.

Raza também não acredita em um acréscimo nos níveis de violência em função da transição de comando. "Uma das estratégias de McChrystal, ações para assumir o controle de áreas, deve continuar sendo feita na gestão Petraeus, então não se deve esperar modificações nas taxas de morte, pelo menos em um primeiro momento". O analista aposta é que seja necessário um certo tempo para que sejam estabelecidas novas ações, período em que o novo comandante precisará para se acostumar com a nova função. Destaca também que esse processo pode ser facilitado pelo relacionamento que o novo comandante tem com Obama. "O presidente manifesta preferência por Petraeus. Ele fez a opção pela pessoa que gosta, e isso pode facilitar a atuação do general. Ele vai ter um guarda-chuva político maior para atuar", completa Raza.

Cenário promissor

Delfim Netto
A FAO e a OCDE apontam: até 2019, os EUA continuarão a ser os maiores produtores agrícolas do mundo, mas o Brasil terá a maior alta nas exportações de carnes e oleaginosas

Certamente, todos nós já ouvimos previsões otimistas sobre o crescimento da agropecuária brasileira, as mais entusiastas repetindo o bordão que num futuro próximo o Brasil se afirmará como o “celeiro do mundo”. Poucas vezes temos visto, no entanto, um cenário tão cor-de-rosa como o que foi apresentado à imprensa mundial no relatório da FAO/OCDE sobre as perspectivas do aumento da produção e do comércio agrícolas para os próximos dez anos. As vedetes nesse cenário extremamente promissor são os países emergentes e entre eles o grande protagonista é o Brasil.

O interessante é que as projeções vêm datadas para o período 2010/2019 e mostram estimativas não só de produção e consumo, mas também da expansão do comércio e de evolução dos preços. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico -(OCDE) partem, obviamente, da expectativa de uma nova década de crescimento, acreditando na recuperação da economia global turbinada pelo aumento da renda e consequente expansão do consumo das populações dos países emergentes (China e Brasil em destaque, mais Rússia, Ucrânia e Argentina).

No que se refere ao Brasil, basicamente o estudo aponta para um crescimento da produção agropecuária de 40% a 60% entre 2010 e 2019, com os preços sustentados para os principais grãos e carnes. No mesmo período, para Estados Unidos e Canadá, a projeção de crescimento é da ordem de 10% a 15%, enquanto para a Comunidade Europeia a previsão é de um crescimento de apenas 4%, ou menos. As estimativas em relação à produção de alimentos na China, Rússia e Ucrânia são de crescimento da ordem de 26% a 30%; para a Índia, 20%, e de apenas 7% na Austrália, outro grande país produtor.

Os Estados Unidos continuarão a ser os maiores produtores mundiais de grãos e de proteína animal, mas o Brasil terá a maior taxa de crescimento das exportações de carnes e oleaginosas. Os maiores produtores de soja continuarão a ser, nessa ordem, os norte-americanos, brasileiros e argentinos. O Brasil poderá elevar sua fatia de 26% para 35% no comércio do grão até 2019.

Outra projeção do estudo é que o comércio mundial do etanol crescerá três vezes até o final da década e que o Brasil será o maior fornecedor internacional do produto, assim como permanecerá o maior exportador de açúcar no mercado global.

É evidente que todas essas estimativas são interessantes, projetam o Brasil numa posição destacada, eventualmente tornam mais atrativos os investimentos, mas é sempre bom ir pensando nos obstáculos que são bem visíveis para quem quiser enxergar. Dois, apenas, são mais do que suficientes para desmontar qualquer cenário otimista.

O primeiro deles é o estado precário de nossas vias de transporte e de escoamento da produção, seja para o consumo interno, seja de acesso aos mercados externos. No Centro-Oeste brasileiro e na nova fronteira agrícola do nordeste baiano e do Mapito (Maranhão-Piauí-Tocantins), por exemplo, estamos comemorando uma excelente colheita de grãos na atual safra 2009/2010, mas os produtores estão tendo os lucros engolidos pelos custos do transporte, com estradas semidestruídas pelas chuvas e elevação de custos insuportável, devido ao desgaste dos equipamentos e material rodante.

A consequência será a redução das áreas de plantio e dos investimentos que afetarão o volume das próximas safras. É preciso eliminar os gargalos na infraestrutura para garantir a expansão agrícola.

O segundo problema é que precisamos aumentar a capacidade de dar emprego de boa qualidade aos brasileiros. Isso não será feito apenas com as atividades agropecuária e mineradora que estão ganhando em produtividade e são poupadoras de mão de obra. Precisamos expandir celeremente a produção industrial e de serviços e complementar o crescimento do mercado interno com o aumento das exportações. Esse, seguramente, é o problema que não vamos resolver se continuarmos mantendo, ao mesmo tempo, o maior juro do mundo e o câmbio mais valorizado do planeta.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Perder logo ou perder mais tarde?

O desprezo do general Stanley McChrystal por seus colegas civis não foi profissional e lhe custou o cargo, um triste fim para uma boa carreira. Mas nenhum general é indispensável. O que é indispensável ao aumentar a participação americana na guerra é que o presidente Obama seja capaz de responder às mais simples questões: nossos interesses merecem tal escalada e temos aliados para alcançar a vitória?
Obama nunca teve boas respostas para essas perguntas, mas foi em frente. A verdade é que ninguém na Casa Branca desejava o aumento do número de tropas. A única razão para ir adiante foi porque ninguém sabia como sair de lá - ou tinha a coragem para puxar a tomada. Não é razão para mergulhar o país mais ainda numa guerra no terreno mais inóspito do planeta. Você sabe que está em apuros quando está numa guerra em que o único lado cujos objetivos são claros, cuja retórica é consistente e cujo desejo de lutar nunca parece diminuir é o do seu inimigo: o Talibã.
Obama não é um especialista em Afeganistão. Poucos são. Mas isso poderia ter sido a sua força. As três perguntas que ele precisava fazer são quase infantis em sua simplicidade. Ainda assim, Obama fracassou entre fazê-las ou seguir adiante, temeroso de que fosse chamado de fraco pelos republicanos se não o fizesse.
A primeira pergunta estava debaixo de seu nariz: por que temos que recrutar e treinar nossos aliados, o Exército afegão? É como se chegasse aqui alguém com um plano para recrutar e treinar jovens brasileiros para jogar futebol.
Se tem uma coisa que os afegãos não precisam é serem treinados. Isso deve ser a única coisa que todos devem saber fazer após 30 anos de guerra civil e séculos de resistência a potências estrangeiras. Afinal de contas, quem treina o Talibã?
O Oriente Médio só apresenta resultados positivos quando a iniciativa é deles. O acordo de paz de Camp David começou com israelenses e egípcios se reunindo em segredo - sem nós. Os acordos de Oslo começaram com israelenses e palestinos se reunindo em segredo - sem nós. Quando começa com eles, nosso apoio militar e diplomático pode ser um multiplicador. As pessoas vão lutar com paus e pedras e sem treinamento por um governo que sintam que lhes pertence. Mas quando nós queremos mais do que eles, nada se sustenta sozinho. Eu simplesmente não vejo "despertar" algum nas áreas sob controle talibã.
Isso leva à segunda pergunta: se a nossa estratégia é usar as tropas americanas para varrer o Talibã e ajudar os afegãos a instalarem um governo decente, como isso pode ser feito quando o presidente Hamid Karzai, nosso aliado, fraudou a eleição e nós fingimos não ter visto? A secretária de Estado, Hillary Clinton, e outros dizem para não nos preocuparmos: Karzai teria vencido de qualquer forma; é o melhor que temos; e ela sabe lidar com ele. Espero que sim, mas meu instinto me diz que quando não chamamos as coisas pelo seu nome, arrumamos problemas. Vamos construir um bom governo sobre a máfia de Cabul.
O que traz a terceira pergunta: o que ganhamos se vencermos? Pelo menos no Iraque, se no fim das contas produzirmos um governo decente e democrático, teremos mudado a política numa grande capital árabe no coração do mundo muçulmano. Isso pode ter ampla ressonância. Mude o Afeganistão a um custo enorme e você terá mudado o Afeganistão - ponto. O Afeganistão não ressoa.
Além disso, a al-Qaeda hoje está no Paquistão - ou pior, na alma de milhares de jovens muçulmanos de Bridgeport, Connecticut, a Londres, conectados pelo "Afeganistão Virtual": a internet.
O presidente pode trazer Ulysses S. Grant (general da Guerra de Secessão) dos mortos para comandar a guerra no Afeganistão. Mas quando não se pode responder a mais simples das questões, é sinal de que se está numa posição não desejada e que suas únicas opções reais são perder logo, perder mais tarde, perder muito ou perder pouco.
THOMAS L. FRIEDMAN é colunista do "New York Times"

terça-feira, 22 de junho de 2010

Conselho de Defesa Sul-Americano: Alguns pensamentos

Novas compras de armas foram anunciadas recentemente por parte da República Bolivariana da Venezuela, dentro de um programa já anunciado de cooperação entre esse país e a Rússia, um ente extra-regional, que busca expandir sua influência na região, tentando contrabalançar os avanços dos EUA, Europa e China em suas cercanias. Investindo numa região que tem tido a liderança dos EUA ameaçada com a sede constante de matérias-primas e novos mercados da China e o fluxo de Investimentos Estrangeiros Diretos – IED, principalmente espanhóis que seguiram a liberalização na região, em especial na área de serviços bancários, telecomunicações e infra-estrutura.

O organismo de segurança coletiva regional surgiu no esteio dos conflitos lindeiros entre Colômbia e Equador-Venezuela, por conta do bombardeio ao acampamento guerrilheiro em solo equatoriano, que consta era tolerado pelo governo local e os guerrilheiros lá mantinham contatos com simpatizantes e apoiadores em países vizinhos o que foi embaraçoso para governos da região, incluso o brasileiro, mas principalmente o venezuelano. Inclusive a Espanha denunciou formalmente o apoio do regime de Caracas ao grupo terrorista basco ETA.

Esse episódio elevou as tensões na região e exigiu muita diplomacia para desarmar o conflito iminente, mas o estopim que levou a campanha do Ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, pela criação desse organismo de concertação, foi o acordo militar entre a Colômbia e os EUA que junto a reativação da IV frota da Marinha dos EUA, acendeu os sinais de alerta nos círculos de defesa e entre os líderes de esquerda, classificados como progressistas, que são maioria na região.

Esses países instaram a Colômbia a dar explicações sobre um acordo feito soberanamente, sob o manto de que a segurança regional suplanta a soberania dos Estados. Chegaram ao ponto de exigir garantias. De fato uma postura dura de quem mais tarde se diria negociador nato. Contudo, uma postura do Brasil que condiz com quem se quer líder natural na região, o que causa estranheza em analistas, principalmente na mídia é que a mesma dureza não existe em exigir, e o termo que usam é esse mesmo, explicações sob a natureza da compra de armas pela Venezuela, que tem sistematicamente adquirido materiais de ponta para suas forças.

Especialistas em defesa não vêem com bons olhos esse tipo de melhorias bruscas em capacidades militares de uma força, por que seu desenvolvimento técnico e de sua indústria nacional não acompanha essa inovações deixando as FFAA, de certo modo reféns de uma força externa. É emblemático o caso dos mísseis franceses ‘exocet’ que foram adquiridos pela Argentina que não tiveram a devida assistência técnica quando da confrontação nas ilhas Falklands/Malvinas, seu uso efetivo exigiu muito esforço dos engenheiros da Armada Argentina e ainda assim tiveram muitos problemas operacionais.

Outro ponto é que as compras Venezuelanas alteram o equilíbrio de forças na região que pode provocar uma corrida armamentista, Chávez argumenta que suas comparas são para responder as ameaças do Império (EUA) e de seus lacaios (Colômbia).

A retórica agressiva de Chávez, claramente voltada para o consumo interno é por vezes minimizada na analises, contudo ela cria desconfianças e gera armadilhas de honra, ou seja, colocam o Chávez em uma posição que em caso de escalada se ele não partir para a confrontação ele corre risco de ter um enfraquecimento moral.

O Brasil, e ai é uma questão que terá que ser lidada pelo próximo presidente, tem que tomar posições que evitem qualquer tipo de confronto em suas fronteiras que são extremamente porosas, o que pode provocar um fluxo repentino de refugiados e não estamos preparados para lidar com isso, como provam os desastres naturais no Brasil. Vemos todos os anos em todas as regiões legiões de pessoas desabrigadas sem o devido apoio do governo, aliás, fato pouco divulgado é a ausência do Presidente dos locais de desastre que nunca visita. Outro perigo é um eventual conflito se espalhar até o território nacional deteriorando ainda mais nossos índices de violência.

Portanto, coordenação regional em temas de defesa serve diretamente aos interesses nacionais, afinal a segurança é vital para que os estados possam atingir suas metas de desenvolvimento econômico e social. Mas, para isso é preciso que o organismo não seja um lócus de retórica antiamericana, disfarçada de retórica antiimperialista. Por que além desses desafios postos acima há o mais corrosivo de todos que é o problema do tráfico de drogas que pede respostas coordenadas uma vez que os grupos de tráfico agem transnacionalmente e de maneira muito refinada em mecanismos de lavagem de dinheiro, além de possuírem meios para corromper autoridades e impor embaraços e dificuldades aos estados da região mesmo os mais organizados como o Brasil.

Assim seria saudável que a compra de materiais por um vizinho como a Venezuela, que tem gradativamente militarizado sua sociedade, isso sem contar a desconfiança que paira sobre essa compra mais recente que pode ser parte de uma operação para burlar os embargos de armas ao Irã, já que o lote que os russos estão a vender para Venezuela é o mesmo que seria vendido a República Islâmica.

Cabe-nos observar se e como o tema será abordado pelo governo nesse final de mandato e pelos candidatos ao Planalto (temporariamente CCBB, já que o Palácio está em reforma).

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Nascidos em 80 e 90 querem crescer rápido na carreira, diz pesquisa

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (Ibmec), iniciada em 2007, que mapeou grupo de estudantes de administração de várias instituições de ensino superior, revela que os jovens nascidos nos anos 80 e 90, conhecidos como geração Y, são inquietos e querem crescer rápido na carreira. As informações foram publicadas no site da Agência Brasil.
De acordo com a pesquisa, os entrevistados são especialistas em lidar com tecnologia, usam mídias sociais com facilidade, sabem trabalhar em rede e estão sempre conectados. No entanto, se preocupam com o mercado de trabalho altamente competitivo e buscam cada vez mais formação superior e ingresso na carreira pública como passaporte para a estabilidade profissional.
A geração Y sucede a chamada geração X, das pessoas que hoje estão na casa dos 40 anos de idade, e que sucederam a geração dos baby boomers, nascidos depois da 2ª Guerra Mundial, hoje com mais de 60 anos.
“Esses jovens, por serem altamente tecnológicos, têm uma relação com a comunicação diferente da geração anterior. Um jovem hoje consegue ver televisão, trabalhar no computador, conversar no MSN e ainda ouvir uma musiquinha. Essa característica, as gerações anteriores não têm”, comparou a economista Lúcia Oliveira, professora da graduação em administração do Ibmec e coordenadora da pesquisa.
A pesquisa mostra que os jovens da geração Y podem ser divididos em quatro perfis distintos, conforme a visão sobre a vida e o trabalho: engajados, preocupados, céticos e desapegados. “Todos esses jovens veem o mercado de trabalho brasileiro como altamente competitivo. Para eles, encontrar emprego não é fácil, nem simples”, ressaltou a economista, que ouviu 31 estudantes em pesquisa qualitativa, com entrevistas individuais de até uma hora e meia.
Os engajados aceitam as condições do mercado de trabalho sem questionamentos e centralizam a vida na carreira profissional. Os preocupados também dão excessiva importância à carreira, mas têm ambições mais modestas. Os céticos são críticos do mercado privado, por considerar que há uma competição exagerada e nociva, e preferem as carreiras públicas ou acadêmicas. Os desapegados dão menos importância ao trabalho do que às atividades ligadas à família e ao lazer, e visam as empresas públicas.
“Eles estão acostumados a trabalharem em conjunto. Quando se tornarem líderes, vão priorizar a flexibilidade de horários e as novas formas de trabalhar. Um exemplo de empresa jovem é a Google, onde as pessoas não têm que bater ponto e está sendo muito bem sucedida, com um modelo de gestão diferente. Os mais velhos vieram de uma época em que as relações se davam no nível pessoal e não no virtual. A geração Y está habituada a se comunicar, a se integrar e a colaborar virtualmente”.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Brasil aplica US$ 164 bi nos EUA

País é o quinto maior financiador da dívida norte-americana. Total de títulos representa mais de 65% das reservas internacionais
Gabriel Caprioli

Mesmo com a queda de US$ 5 bilhões (2,95%) na aplicação em papéis da dívida dos Estados Unidos nos quatro primeiros meses do ano, o Brasil se manteve, com US$ 164,3 bilhões, na quinta colocação entre os países com maior estoque de títulos norte-americanos, conforme ranking divulgado ontem pelo Tesouro dos EUA. Essa posição foi conquistada graças ao aumento consistente das reservas internacionais brasileiras, política conduzida pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O título de maior credor dos EUA está com a China, que, no mesmo período, incrementou o seu estoque de papéis em 0,6%, para US$ 900,2 bilhões, o maior valor desde novembro de 2009.
Segundo técnicos do governo, o recuo das aplicações brasileiras decorreu, basicamente, de fatores de mercado. Com a crise europeia e a onda de incertezas, muitos investidores correram em busca de proteção dos títulos do Tesouro norte-americano, o que derrubou os preços dos papéis. “Foi mais uma questão contábil. O interesse do Brasil de financiar os Estados Unidos continua firme”, disse um dos técnicos. Atualmente, mais de 65% do total das reservas internacionais do país estão aplicados em títulos dos EUA.
Para Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor da Área Externa do BC, a diminuição do estoque brasileiro de títulos norte-americanos não deve ser vista apenas como uma questão contábil. A seu ver, muito provavelmente, houve uma diversificação maior das reservas internacionais em função das turbulências globais. “O cenário de incerteza pode ser uma boa hora para diminuir a concentração de recursos em uma só aplicação. É um bom momento para recorrer a outras moedas e até mesmo a títulos soberanos de outros países”, disse.

Opção pelo ouro
Apesar de serem considerados ativos mais seguros, os papéis norte-americanos carregam hoje, segundo Freitas, um risco que não existia até 2008. “O dólar passou a ser uma incerteza e virou um grande ponto de interrogação”, destacou o economista, que estima desvalorização da moeda dos EUA em relação a outras. Ele acrescentou que uma opção para abrir o leque de investimentos das reservas é a compra de ouro. O metal costuma ser considerado uma boa forma de proteção em tempos de crise e registrou valorização de 16% nos primeiros cinco meses do ano.
Entre os dez países que encabeçam a lista dos maiores credores norte-americanos, apenas o Brasil e a Rússia reduziram suas posições durante o ano. O estoque de títulos em poder da Rússia encolheu US$ 11 bilhões entre janeiro e abril. O Reino Unido e o Canadá, em contrapartida, foram os que mais reforçaram suas carteiras no período: US$ 30 bilhões e US$ 27 bilhões, respectivamente.

BOLSA SOBE 1,43% E DÓLAR CAI 0,83%
Em dia de estreia do Brasil na Copa do Mundo da África do Sul, o volume de negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) minguou. A maior parte das operações foi fechada antes das 15 horas, a tempo de os investidores assistirem ao jogo contra a Coreia do Norte. O Ibovespa, que mede as ações mais negociadas, pouco se mexeu depois do fim da vitória brasileira e encerrou a terça-feira nos 64.442 pontos, com alta de 1,43%. Foi o nível mais alto desde 13 de maio passado. O movimento financeiro somou R$ 3,7 bilhões, o menor do mês. Em junho, a Bolsa acumula ganho de 2,21%. Já o dólar fechou abaixo de R$ 1,80 pela primeira vez em um mês, cotado a R$ 1,793 (-0,83%).

Alimentos mais caros
Roma — O Brasil, ao lado de China, Rússia, Índia e Ucrânia, vai liderar a produção de alimentos na próxima década, segundo um informe conjunto da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) divulgado ontem. De acordo com o estudo Perspectivas Agrícolas, o Brasil será o produtor agrícola de mais rápido crescimento entre 2010 e 2019, com uma expansão superior a 40%. Ucrânia (29%) e Rússia (26%) também terão um aumento elevado da produção.
O documento aponta para um crescimento da produção agrícola mundial mais lento durante a próxima década em comparação com os últimos dez anos e calcula que os preços médios dos alimentos subirão entre 2010 e 2019, reforçando a preocupação com o aumento do número de pessoas com fome no mundo. Os países emergentes também terão uma fatia maior do consumo e comércio em commodities agrícolas, mesmo que enfrentando entraves à exportação de produtos lácteos e grãos, exceto o arroz.
Os biocombustíveis devem ter influência sobre a demanda e os preços nos próximos anos. A FAO e a OCDE estimam que a produção de etanol alcançará 159 bilhões de litros em 2019, alta de 110% em relação à média de 2007-2009. Até 2019, quase 35% da produção de cana e 13% da de grãos para ração em todo o mundo serão destinadas ao etanol, contra 20% e 9% em 2007-2009.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O “novo” mercado de defesa mundial

Anastácio Katsanos

Um estudo da New American Foundation estima que a economia da China ultrapassará a dos EUA em valor ao redor de 2020. O estudo ressalta o crescente poderio militar e da indústria de defesa chinesa e alerta para o fim da supremacia dos EUA. A China anunciou um aumento de 14,9% no seu orçamento de compras de defesa para 2010 chegando a incríveis US$ 70,3 bilhões. Analistas do Pentágono dizem que os valores dos investimentos em defesa são muito superiores aos anunciados. A China possui o maior efetivo mundial nas suas forças armadas, o Exército de Libertação do Povo (PLA – People’s Libertation Army) com 2,3 milhões de militares. O PLA embarcou em um ambicioso programa de modernização que envolve não só armamentos, mas uma reorganização estrutural e de doutrina de operação. O PLA tem áreas de excelência (mísseis balísticos e de cruzeiro), mas também tem deficiências sérias (contínuas dificuldades com modernos sistemas de comando, controle e comunicações).
Algumas tendências do processo de modernização podem ser observadas. A primeira é a profissionalização dos efetivos. Um processo de promoção por mérito foi instituído e casos de corrupção vêm sendo expostos. O treinamento das tropas vem crescendo em qualidade e o PLA já realiza manobras militares de extrema complexidade. A segunda é o crescente avanço da capacidade da indústria de defesa. Depois de décadas de desenvolvimento de produtos por engenharia reversa, a indústria começa a mostrar uma capacidade de desenvolvimento sustentável e independente. A terceira é a estratégia de compras do PLA. A ênfase está na compra de sistemas que possam fazer frente ao poderio dos EUA. Assim, estão sendo desenvolvidos mísseis antibalísticos, armas antisatélite, porta aviões, submarinos nucleares e aviões “stealth”. A quarta está na evolução das táticas, estratégias e doutrinas de operação. A China está investindo pesadamente em uma nova geração de capacidades assimétricas. A mais evidente destas é a capacidade de guerra cibernética. Nos últimos anos as redes de computadores do Pentágono, da NASA e de diversos institutos de pesquisa dos EUA foram alvo de ataques e espionagem cibernética provenientes da China. Uma última tendência identificada é relativa à política externa chinesa e à projeção de poder. Através da exportação de diversos sistemas de defesa e da crescente presença de efetivos no exterior, a China busca em um primeiro momento garantir as suas fontes e rotas de suprimento e matérias estratégicas, sendo o petróleo a principal. A China ainda não tem uma Marinha de águas azuis, mas vem construindo base navais em Mianmar, Bangladesh, Sri Lanka e Paquistão. Navios da Marinha já participam de patrulhas nas costas da Somália para proteção dos petroleiros chineses. A exportação de produtos de defesa vem sendo incrementada com a ajuda de uma agressiva política de financiamento que exige garantias mínimas dos clientes e, em muitas vezes, ocorre à doação de equipamentos em troca de direitos de pesca, acesso às bases militares e até apoio dos clientes a posições da China em organizações internacionais. Isso tudo amparado pelas reservas internacionais chinesas que atingiram US$ 1,45 trilhão em novembro último.
Voltando à indústria de defesa, ela surgiu na China após a 2ª Guerra Mundial e cresceu baseada em obtenção ilegal ou quase legal de tecnologias através de um grande esforço de engenharia reversa. Quase todos os projetos militares chineses são cópias de sistemas russos dos quais são grandes clientes, mas existem também vários programas baseados em produtos e tecnologias israelenses, européias e até norte americanas. Além da cópia de produtos de defesa ocidentais, a China obteve grandes vantagens ao acessar os sistemas abertos do Ocidente com o acesso a patentes, universidades e outras instituições. As centenas de empresas chinesas envolvidas em produção de material de defesa estão em processo de consolidação. Na aviação civil e militar, as indústrias foram aglomeradas sob o controle da AVIC – Aviation Industries of China. A AVIC já passou por diversas reestruturações internas e agora conta com um setor dedicado à defesa e outros para a aviação comercial e para a aviação geral, além de uma divisão especializada em exportação, a AVIC International. AVIC Defense está promovendo aviões de treinamento K-8 (já adotado por 12 países) e o L 15 inspirado no YAK-130 russo. Após iniciar as exportações de modernos caças JF-17 (desenvolvido a partir de conhecimento adquirido do caça israelense Lavi), a China desenvolve em sigilo um novo caça denominado J-XX e que deve estar pronto em cerca de 10 anos. Esse caça deverá ter características “stealth”. Analistas consideram que ele não atinja os níveis de assinatura de radar baixas comparáveis aos caças F-22 e F-35, mas a capacidade industrial e a vontade chinesas podem levar à produção de grandes quantidades em pouco tempo o que neutralizaria a superioridade americana.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Relatório vê elo da Inteligência do Paquistão e Taleban

DA REUTERS - O serviço paquistanês de inteligência faz parte do conselho de líderes talebans no Afeganistão e também financia o grupo, aponta relatório da London School of Economics, faculdade britânica que entrevistou diversos comandantes do Taleban.
O texto afirma que o apoio ao Taleban é uma política oficial do Serviço Paquistanês de Inteligência.
O relatório também aponta suspeitas de que o presidente paquistanês Asif Ali Zardari visitou prisioneiros do Taleban no Paquistão e ofereceu apoio à liberação de alguns deles.
As suspeitas e afirmações do relatório aumentam as incertezas em relação ao papel do Paquistão na guerra que os EUA travam no Afeganistão.
Em Islamabad, uma porta-voz de Zardari afirmou que o relatório é "absolutamente espúrio" e que "parecia haver um esforço concentrado para danificar o novo diálogo estratégico" com os EUA.
Segundo ela, os militantes do Taleban estão sentindo a pressão. "Nós vamos derrotá-los em cada área do Paquistão onde estiverem", disse.
O jogo duplo paquistanês tem implicações geopolíticas "gigantescas", disse o autor do relatório, Matt Waldman.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O Brasil e o Tratado de Não-Proliferação

Rubens Barbosa - O Estado de S.Paulo

Mesmo antes do fim da guerra fria, o desarmamento nuclear, a não-proliferação de armas atômicas e o uso pacífico da energia nuclear já eram preocupações da comunidade internacional. Em 1968 havia sido negociado o Tratado de Não-Proliferação (TNP), abrangendo essas três vertentes. Nos 40 anos seguintes, em vez de avançarmos no sentido de livrar o mundo da ameaça nuclear, tivemos recuos importantes no processo negociador.
Contrariamente ao disposto no TNP, Israel, Índia e Paquistão tornaram-se potências nucleares sem aderir ao tratado. A Coreia do Norte e o Irã, por sua vez, querem dominar a tecnologia para a construção de artefatos nucleares.
A situação agravou-se mais recentemente, com o temor de que grupos terroristas tenham acesso a produtos ou materiais nucleares. Essa questão passou a dominar quase obsessivamente a agenda doméstica nos EUA depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
A eleição do presidente Barack Obama e o fim do radicalismo "bushiano" abriram espaço para o governo de Washington propor iniciativas adicionais em relação à questão do desarmamento e também quanto à não-proliferação. O discurso de Praga sobre a eliminação total das armas atômicas, mais o acordo assinado em março com a Rússia para a redução dos arsenais de ogivas nucleares foram gestos táticos dos EUA para reduzir as críticas de inação na área do desarmamento, enquanto aumentavam as pressões sobre os países não-nucleares para conter os riscos da proliferação.
A Conferência de Segurança Nuclear, convocada pelos EUA em abril, e a quinta revisão do TNP, realizada em maio, no âmbito da Organização das Nações Unidas, foram instâncias utilizadas com esse objetivo, pelos países nucleares, para a aprovação de medidas e resoluções restritivas. Os temas do desarmamento e, sobretudo, o da não-proliferação nuclear, pela ameaça que representam para a paz e a segurança mundiais, em especial a partir da entrada em cena das redes terroristas, passaram a ser incluídos com alta prioridade na agenda internacional.
Para o Brasil, que desenvolve um programa nuclear importante e domina o ciclo completo do combustível, trata-se de matéria de grande interesse. A planta de enriquecimento de urânio em Resende (RJ) coloca o Brasil num seleto clube de fornecedores desse produto para centrais nucleares espalhadas pelo mundo.
O documento final do TNP contém uma avaliação dos últimos dez anos e um plano de ação que refletem, em larga medida, as posições defendidas pelo Brasil. O equilíbrio de ações em matéria de desarmamento e da não-proliferação confirmou a tese, sempre defendida pelo nosso país, de que ambos os processos se reforçam mutuamente, não sendo, portanto, necessário avançar simultânea e paralelamente com medidas concretas e verificáveis nos dois campos.
Sob o ângulo político, talvez o resultado mais importante tenha sido a decisão de discutir a criação, no Oriente Médio, de uma zona livre de armas nucleares e de outras armas de destruição em massa, em cumprimento da resolução sobre o assunto adotada no bojo do pacote que estendeu o tratado indefinidamente, em 1995, e até aqui paralisada.
No tocante ao desarmamento, apesar de menos ambicioso do que esperavam os países não armados nuclearmente, o plano de ação contém pontos positivos e, até certo ponto, inovadores, como a ideia de que a redução de arsenais deve abranger não só as armas empregadas, mas também as armazenadas, e que o processo de redução poderá envolver ainda as armas nucleares que os EUA mantêm em território europeu. Por outro lado, embora tenha ficado muito aquém do que era exigido pelos países não-nucleares, prevaleceu a ideia de se iniciarem consultas com vista à negociação de um quadro jurídico mais preciso do desarmamento nuclear.
Quanto à não-proliferação, a questão mais importante para o Brasil diz respeito ao tratamento dispensado à aplicação do Protocolo Adicional do TNP, com exigências adicionais para inspeções pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em plantas de enriquecimento de urânio e outras dependências ligadas ao programa nuclear.
A redação ambígua do documento final permitiu que tanto o Brasil como os EUA reivindiquem que suas preocupações foram plenamente atendidas. Em vez de linguagem aceitando a obrigatoriedade do Protocolo Adicional (como pretendiam as potencias nucleares), ficou estabelecido, segundo o Brasil, que se trata de documento voluntário e que concluí-lo ou não é um direito soberano de cada Estado. A conferência reconhece que se trata de um padrão de verificação apenas para os países que assinaram e aplicam o Protocolo Adicional. O protocolo, portanto, não pode ser considerado como um padrão de verificação geral das salvaguardas da AIEA.
Nossa interpretação não coincide com a dos países nucleares, em especial a dos EUA, que afirmam que, pela primeira vez, um documento oficial do TNP reconhece o Protocolo Adicional, juntamente com o Acordo de Salvaguardas da AIEA, como sendo o padrão avançado de verificação do TNP.
No tocante aos usos pacíficos da energia nuclear, as posições brasileiras também foram atendidas. Entre elas, o reconhecimento de que as opções em matéria de energia e de usos pacíficos da energia nuclear são soberanas e, portanto, devem ser respeitadas, inclusive as relacionadas com o desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear.
Os resultados da reunião de revisão do TNP são um passo positivo, embora limitado.
A questão das inspeções mais intrusivas da AIEA, de interesse do Brasil, e a decisão de tornar o Oriente Médio uma zona desnuclearizada continuarão, contudo, por muito tempo, sem consenso na agenda global.
FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON (1999-2004)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Tigre renovado é o principal caça da Fab

Embraer completa a modernização de 46 jatos F-5E na unidade de Gavião Peixoto, a fábrica de aviões de combate
Roberto Godoy

Os dias andam agitados na linha de produção de máquinas de guerra, a 300 quilômetros de São Paulo. A fábrica da Embraer, em Gavião Peixoto, está abrigando uma frota de combate: oito supersônicos F-5E, três caças bombardeiros AMX, e três A-4 Skyhawk, da Marinha, todos passando por um amplo programa de modernização tecnológica.
Novos, há dez turboélices de ataque leve, Super Tucanos. Um deles, do lote de 12 unidades vendido para o Chile, foi entregue na quinta-feira. Outro, com a camuflagem em padrão digital da Força Aérea do Equador, outro país cliente, aguardava liberação da equipe técnica para o dia seguinte.
Ao lado desse hangar, onde câmeras fotográficas não são bem recebidas e é conveniente que as pessoas vestindo farda não tenham nome nem rosto, o clima é outro. Dali saem os sofisticados jatos Phenom executivos. O preço começa em US$ 3 milhões. Quem tiver todo esse dinheiro e puder pagar agora, só vai conseguir com isso garantir um lugar na fila para receber o avião apenas em 2013.
Há voos o dia todo, decolando e pousando na pista de cinco quilômetros de extensão, repleta de sensores e recursos de teste. Nesse ambiente, pouca coisa é capaz de atrair a atenção dos 2,2 mil técnicos que trabalham na área. Uma delas, talvez a única, rugia as cinco toneladas de força das turbinas duplas às 10 horas de sexta-feira o caça F-5EM, a versão modernizada do modelo II/E da Northrop americana, comprado em sucessivos lotes desde 1974 pela aviação militar, tira o pessoal de dentro dos pavilhões.
"Há torcedores aqui como em clubes de futebol", conta o engenheiro Juliano Castilho. Em sua equipe há um funcionário que guarda anotados detalhes de todos os voos, desde o primeiro, em 2003, dos 38 supersônicos que já passaram por Gavião Peixoto. O caça renovado pela Embraer, associado à israelense Elbit, superou expectativas e vai voar até 2021, afirma um ex-gestor do programa, avaliado em US$ 420 milhões.
Para o atual vice-presidente de Mercado de Defesa, Orlando Ferreira Neto, "o principal benefício para a empresa foi, sem dúvida, desenvolver a capacitação no aperfeiçoamento eletrônico das aeronaves e a integração de sistemas".
Não, esse não será um novo ramo de negócios para a Embraer, "a menos que surja um cliente com necessidade bem específica". Na mesma linha, a companhia cuida da revitalização de 53 AMX, da FAB, e de 12 A-4 Skyhawk, da ala aérea do porta-aviões São Paulo. Significa um faturamento anual da ordem de US$ 100 milhões até 2016, afirma o vice-presidente.
Em consequência do bom desempenho, o Comando da Aeronáutica mantém o F-5EM, senão em sigilo, ao menos sob intensa discrição. O principal avião de combate da Força é uma evolução do tipo original do qual, desde 1964, foram fabricadas 3.806 unidades. Recebeu um novo painel com telas digitais coloridas de cristal líquido, comando unificado, computadores de última geração, capacidade para uso de capacete com visualização de sistemas e de lançamento de bombas guiadas por laser, de mísseis de alcance além do horizonte, armas antirradar e recursos para elevar o índice de acerto no emprego de bombas "burras".
O principal diferencial incorporado, entretanto, é o novo radar Grifo, multimodo, com alcance de 80 quilômetros. Pode detectar até quatro diferentes alvos ao mesmo tempo, priorizando cada um deles pelo grau de ameaça.
Na sexta-feira, o piloto de ensaios Carlos Moreira Chester, um ex-caçador militar de 41 anos, levou o 4827 para os 13 mil metros. O voo, o terceiro antes da entrega para a FAB, só revelou problemas de rotina. Uma diferença de empuxo entre as duas turbinas e a dificuldade de leitura dos cartões de dados de navegação. O lado direito do canopy, cobertura transparente da cabine, está embaçado.
"Em combate é que se avalia como isso pode ser importante", comenta Chester. Raro profissional, seu treinamento, no Comando de Tecnologia Aeroespacial, o CTA, de São José dos Campos, durou 45 semanas e custou US$ 1 milhão. A avaliação do piloto é a ponta do longo processo de recebimento pela FAB. Dele participam 15 técnicos da Força e 30 da Embraer.
O caça perdeu um de seus dois canhões de 20 mm originais, abrindo espaço para o radar. As outras medidas continuam iguais. O F-5EM Tigre, o nome completo, é esguio e mede 14,5 metros. Asas curtas, de 4 metros. Velocidade máxima de 1.900 km/hora ? a operacional não passa de 1.770 km/h. O alcance fica em 2,5 mil km, mas o caça pode ser reabastecido no ar. O armamento, além do canhão, é composto por dois mísseis ar-ar. Leva 3,2 toneladas de cargas de ataque.


Bastidores...e assim, naquela manhã de junho, o F-5 interceptou o Vulcan
Roberto Godoy - O Estado de S.Paulo

Tem história o caça mais importante da FAB. Abateu Mirages franceses e ameaçou os F-16 americanos em jogos de guerra. Quando ainda era o F-5E Tiger II, foi protagonista de uma história emocionante, durante a guerra entre Argentina e Grã-Bretanha pelas Ilhas Falklands/Malvinas. No dia 3 de junho de 1982, dois caças do 1.º Grupo de Aviação da base aérea de Santa Cruz, no Rio, foram acionados para interceptar um bombardeiro Vulcan, britânico (foto menor, à esquerda).
O enorme jato, projetado para lançar mísseis nucleares, voltava de um longo ataque contra radares da defesa aérea argentina. Com autonomia de apenas 2,7 mil km, o percurso de 18 mil km, com margem de segurança, ida e volta à ilha de Ascensão, na linha superior do Atlântico, exigia vários reabastecimentos no ar por meio de uma frota de aviões-tanque Victor.
O Vulcan teve dois problemas: um de seus mísseis Shrike, antirradar, não se soltou do cabide no momento do disparo e a sonda de transferência de combustível quebrou. Temendo a ação dos caças inimigos, o comandante inglês decidiu tomar a direção do Rio em silêncio de rádio. O que ele não sabia é que os serviços de inteligência relatavam a possibilidade de um ataque de advertência contra o Brasil, que apoiava claramente a posição da Argentina.
Sob esse foco, os F-5E decolaram às 10h50. Romperam a barreira do som quando ultrapassaram a velocidade de 34o metros por segundo. O estrondo foi ouvido em vários pontos da cidade. Vidraças quebraram. Prontos para o fogo de abate, os caças se aproximaram do grande bombardeiro, que reagiu rápido, às 11h04, declarando emergência e pedindo socorro.
Guiado pelos brasileiros até a base aérea do Galeão, o impressionante Vulcan, com sua asa delta que mede 368 m² de área, pousou às 11h17. O míssil que trazia foi removido e minuciosamente examinado por especialistas do CTA. Ninguém confirma, mas a versão corrente é de que a arma nunca foi devolvida e teria servido de base para o desenvolvimento da versão nacional do mesmo tipo de equipamento.
26 anos depois. Em novembro de 2008, aconteceu de novo. O caça já era o F-5EM do 1.º Grupo de Aviação de Caça, da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio. Interceptou um DC-8 comercial ao largo do litoral, na altura de Cabo Frio. A aeronave, um cargueiro com 20 toneladas a bordo, era fretada pelo governo britânico. O jato estava armado com mísseis e um canhão de 30 milímetros e, mais uma vez, seguia do arquipélago das Falklands/Malvinas rumo à Ascensão.
O piloto do cargueiro pretendia pousar em Cabo Frio para reabastecer. Por uma falha na documentação, ou erro na comunicação, o jato foi classificado como invasor. Passava das 15 horas. O DC-8 foi interceptado em sete minutos. A tripulação não resistiu à ordem de acompanhar o caça. O DC-8 foi comboiado para o terminal militar do Aeroporto do Galeão.

Itália põe mercado nacional de defesa na alça de mira

Principal conglomerado industrial italiano desembarca no Brasil, mas terá de enfrentar predominância francesa no segmento
Marcelo Cabral, de Roma

Uma guerra fria promete esquentar a disputa pela segurança das terras, mares e céus do Brasil. Tradicional cliente dos Estados Unidos quando o assunto é a compra de materiais militares, o país assistiu nos últimos anos à gradativa substituição da influência americana pela francesa na área. Mas agora um novo competidor está chegando à batalha. Trata-se da Itália. O grupo Finmeccanica – maior conglomerado industrial italiano, que concentra a parte de leão do segmento de Defesa do país europeu – está se preparando para investir pesado por aqui, com a abertura de uma unidade em Brasília. O foco é o crescente mercado militar nacional, que vem se reerguendo após décadas de estagnação e falta de investimento. “O Brasil tema necessidade e a Itália tem a tecnologia”, resume Pier Francesco Guarguaglini,CEO do grupo.
“O Brasil representa uma grande oportunidade. É um país que está crescendo muito, tem ganhado projeção política internacional e ainda não possui uma indústria de Defesa muito grande. Isso é tanto uma chance para nós fazermos negócios quanto para o país desenvolver esse segmento”, analisa Paolo Pozzessere, vice-presidente de vendas. “Além disso, é claro, é um dos mercados de onde a concorrência americana se afastou, o que para nós é fantástico”, brinca.

Oportunidade
A brecha para o interesse italiano surgiu em abril, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi assinaram, em Washington, um acordo de cooperação entre os países, que prevê a possibilidade de diversos negócios na área de Defesa. Um dos campos considerados mais promissores é o naval, pois o Brasil deverá comprar cerca de 20 navios de grande emédio porte para reforçar o patrulhamento dos campos petrolíferos do pré-sal e criar uma nova esquadra sediada no norte do país. Ao longo dos anos, o negócio deve superar os US$ 5 bilhões. “Temos muita experiência emsuprirmaterial para as marinhas da região”, diz o vice-presidente. Através de sua subsidiária Telespazio, o grupo também está oferecendo sua constelação de satélites Cosmo- SkyMed para uso no patrulhamento da Amazônia Azul, nome dado pela Marinha para as 200 milhas navais da zona econômica exclusiva do Brasil. No setor aéreo, os negócios estão ainda mais adiantados para a venda de 24 a 36 jatos de treinamento M-346 para a ForçaAérea Brasileira (FAB) por cerca deUS$1 bilhão.
No entanto, os italianos terão que enfrentar uma barreira formidável, chamada França, para ter possibilidades reais nomercado nacional. Segundo Fernando Arbache, presidente da Arbache Consultoria, a Marinha foi a primeira força a se aproximar mais dos franceses, a partir da venda do porta-aviões São Paulo, seguida, no ano passado, de contratos para o fornecimento de submarinos e helicópteros franceses, além do desenvolvimento de um vaso movido a energia nuclear.Afrancesa Dassault também é favorita para a venda de seus caças Rafale para a FAB, um negócio que deve ultrapassar a barreira de US$ 10 bilhões jáno primeiro contrato.

Peso Político
A questão política também deverá ter um peso fundamental na relação entre o Brasil e os países europeus. “O jogo depende muito de saber quem será eleito no Brasil para o próximo governo e quem será o novo ministro da Defesa. Dependendo do resultado, toda a configuração política pode mudar”, alerta Expedito Carlos Stephani Bastos, pesquisador militar da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mas a mesma máxima vale para os mandatários dos países europeus. Hoje, Lula é mais próximo do francês Nicolas Sarkozy que de Berlusconi.
A grande variável é que essas peças podem ser rapidamente substituídas por outras. “Não podemos ficar com uma única aliança. Se aparece nesses países um governo opositor, como lficamos?”, questiona Bastos, defendendo a diversificação das apostas políticas. A própria situação volátil da economia europeia, com a crise grega ameaçando desembarcar definitivamente em outros países, põe ainda mais pimenta no tempero diplomático.
Por outro lado, uma diversificação excessiva de fornecedores prejudica a cadeia logística das forças armadas brasileiras. “Atualmente temos uma miscelânea absolutamente sempropósito de equipamentos: blindados alemães, fragatas inglesas, caças americanos e mísseis russos, só para citar alguns”, argumenta Arbache. Ou seja, o importante é buscar um equilíbrio entre a variedade de aliados e de fornecedores, até que seja possível desenvolver tecnologia suficiente para fabricar os equipamentos militares por aqui. O que será bem mais fácil com pelo menos dois países disputando o protagonismo. ■
O repórter viajou a convite do grupo Finmeccanica

Grupo aposta emtecnologia e cooperação

Disputar o mercado brasileiro de Defesa com os franceses não será nada fácil. Mas a Finmeccanica - oitavo maior conglomerado mundial de defesa por faturamento, atrás apenas dos gigantes americanos e do consórcio multinacional europeu EADS - aposta na alta tecnologia como um fator decisivo para sair vitoriosa da luta. Hoje, cerca de 11% de todo o faturamento do grupo é revertido para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), um dosmaiores percentuais entre todas as companhias do setor, segundo a pesquisa International R&D Scoreboard. “Manter a liderança tecnológica é a única chance de competir no mercado de Defesa, principal mente em relação aos americanos. E reforça nossa estratégia de transferir tecnologia para nossos parceiros”, afirma o vice-presidente Paolo Pozzessere.
Atualmente, o grupo é formado por 20 empresas próprias e outras seis joint ventures, que atuam em sete grandes segmentos (veja quadro acima). Uma reestruturação iniciada nos anos 2000 mudou o foco dos negócios mais diretamente para o setor de Defesa, que passou de 43% para 81% no peso total das operações corporativas. O faturamento teve aumento similar, saindo da casa dos € 10 bilhões em 2005 para cerca de € 18 bilhões no ano passado, ou o equivalente a US$ 25 bilhões. Frente a 2008, a elevação foi de 21%. Ao mesmo tempo, o grupo se internacionalizou: a fatia do mercado externo passou de 20% para 43% do resultado da companhia. A maior parte dos empregados (56%) ainda está na Itália, que é seguida pelos EUA, ReinoUnido e Polônia.

Tradição conjunta
Diversas empresas do grupo já têm tradição em parceria com o Brasil. O avião de ataque leve AMX foi desenvolvido no começo dos anos 1980 pela Embraer em conjunto com a Aeritalia e a Aermacchi, (hoje Alenia Aermacchi) e está em serviço em ambas as Forças Aéreas. O know-how desenvolvido pela fabricante brasileira em componentes, nessa ocasião, deu oportunidade para a origem das linhas de E-jets e dos modelos Phenome Legacy, que hoje formam o coração da fabricante de jatos regionais. Mais ou menos na mesma época, a Selex Sistemi Integrati, na ocasião conhecida como Selenia, forneceu radares para navios da Marinha e, mais tarde, ajudou no complexo programa de modernização das fragatas da classe Niterói. Em terra, o Exército usa canhões leves da Oto Melara. Na área civil, a Telespazio fornece serviços de telecomunicações para operadoras de telefonia, e no ano passado a Ansaldo Breda assinou um contrato de US$ 117 milhões para fornecer trens elétricos para o sistema de transporte de Fortaleza.
O problema foi que a proximidade com os EUA e a crise econômica brasileira - que afetou profundamente o desenvolvimento de novos projetos de Defesa - afastaram a Itália do papel de protagonista do cenário militar do Brasil. Já nos últimos anos, a introdução de uma política nacional de Defesa, que pede a transferência de tecnologia, distanciou o Brasil dos EUA e abriu caminho para a chegada dos franceses. Como retomar o cenário positivo? “Se os italianos quiserementrar aqui, vão ter que atuar em sistemas como joint ventures, associação ou transferências de tecnologia. A direção das Forças Armadas está convencida de que só comprar os equipamentos não é mais suficiente”, diz o especialista Fernando Arbache. Segundo o CEO Guarguaglini, essa é exatamente a intenção do grupo. Para os países emergentes, como Brasil e Índia, a estratégia da Finmeccanica é partir para acordos de cooperação comempresas da região, diferente de outros mercados que já possuem indústrias militares estabelecidas, como a Rússia e a China. ■ M.

Compra de navios esquenta batalha naval entre países
França e Itália disputam contrato de pelo menos US$ 5 bilhões para fornecer fragatas e navios de patrulha para a Marinha
Marcelo Cabral

O mar deverá ser o palco da mais acirradas batalha entre Itália e França pelo mercado brasileiro de defesa. A peleja será travada em torno dos planos da Marinha de comprar de três a cinco grandes fragatas, com custo ao redor de US$ 500 milhões por unidade. Também devem fazer parte da encomenda outros 14 navios de patrulha demédio porte, ao preço médio de US$ 100 milhões cada. Somando-se todos os custos com fabricação, sistemas, armas,munição, treinamento e manutenção, o custo total deve superar US$ 5 bilhões ao longo dos anos. Segundo umafontemilitar, a tendência é de que a força naval faça uma escolha internamente ao invés de abrir uma concorrência externa. A operação deve ser anunciada até o final do ano.
Tanto franceses quanto italianos planejam oferecer à Marinha umnovoeavançadotipodenavio conhecido como Fremm, sigla para Fregata Europea Multi-Missione. Trata-se de um projeto conjunto entre os dois países para uma embarcação que consiga executar ao mesmo tempo missões contra aviões, submarinos e outros navios. Com armamentos avançados, sonares de última geração e um design que oferece baixa visibilidade ao radar, a Fremm é considerada um dos conceitos navais militares mais importantes dos últimos anos.
A diferença entre as duas ofertas estará no preço e na origem dos equipamentos. Se a França levar a melhor, os navios serão feitos pela fabricante Armaris, com sensores locais. Caso os italianos vençama encomenda, as fragatas serão inicialmente construídas pelos estaleiros Fincantieri — e posteriormente em instalações nacionais—e equipados comsistemas eletrônicos e de armas da Selex Sistemi Integrati, que pertence ao grupo Finmeccanica. “O Fremm é um excelente projeto. É simples e pode ser facialmente adaptado às necessidades de cada país devido à sua construçãomodular. Achamos que nossa proposta serámais atraente”, garante Pier FrancescoGuarguaglini,CEO do grupo italiano de defesa.
Os novos navios são parte fundamental do projeto da Marinha de proteger as plataformas que irão extrair o petróleo da camada pré-sal e patrulhar a região de entrada do rio Amazonas, que deverá receber uma nova esquadra – cujo base está sendo disputada por diversos estados da região, especialmente o Maranhão e o Pará. A expectativa dos militares é que o próprio combustível vindo do fundo do mar ajude a financiar as compras navais. Com as aquisições, “o Brasil se consolida como o país mais quente do setor naval no momento”, segundo o gerente regional da fabricante de peças de artilharia e blindados Oto Melara, Gianfranco Pazienza.

Domínio francês
Nos últimos anos, a Marinha se tornou a grande porta de entrada para equipamentos franceses nas forças armadas brasileiras, principalmente após a aquisição do porta-aviões São Paulo — que servia na marinha francesa —, em2000. De lá para cá o país dominou as vendas de equipamentos, que culminaram no ano passado com o anúncio da encomenda de quatro submarinos avançados da classe Scorpène, além do desenvolvimento conjunto de um submarinomovido a propulsão nuclear.
Para reverter esse quadro,Marina Grossi, CEO da Selex Sistema Integrati, investe na experiência. A empresa atua junto ao Brasil desde a década de 1970, quando forneceu radares para aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Mais recentemente, na área naval, atuou na modernização de fragatas da classe Niterói e de corvetas da classe Barroso. Agora está abrindo uma unidade no Rio de Janeiro. “O novo centro carioca não é atrelado ao resultado da venda das fragatas. Existem muitas outras oportunidades no Brasil”, avisa. “Mas, em qualquer caso, faremos a transferência integral da tecnologia”, completa.

Protegendo os mares
Outra grande ambição dos italianos é a participação no programa de proteção naval do país. A Marinha pretende implantar um sistema para vigiar toda amovimentação que ocorre na faixa naval que vai da costa até a 200 milhas navais—podendo chegar a 350 milhas, dependendo de uma resolução estudada pela Organização das Nações Unidas (ONU)—da chamada zona econômica exclusiva, uma região que concentra o pré-sal e a maior parte das riquezasmarítimas do país.
O sistema que protegerá a região conhecida como Amazônia Azul será complexo: vai processar em um centro, em tempo real, as informações vindas de radares instalados ao longo da costa, a bordo de navios, aviões, helicópteros e plataformas de petróleo, e talvez até mesmo de satélites. O objetivo da Selex Sistemi Integrati é criarumainfraestrutura onde os dados vindos de todas essas diferentes plataformas – comequipamentosde vários países diferentes – conversementre si e sejam oferecidos aos operadores de modo unificado. “Podemos fazer os radares propriamente ditos em conjunto comoutras empresas da Finmeccanica, ou então fazer a integração de informações. A opção fica a cargo dos clientes”, finaliza Marina.

“Ferrari dos torpedos” é a arma secreta dos italianos no oceano
Mísseis antinavio também fazem parte do pacote oferecido para as novas fragatas brasileiras

A área de torpedos é considerada estratégica pelos italianos para tentar afundar a predominância francesa na marinha brasileira. A ideia é que, com a compra dos novos submarinos franceses Scorpène, o Brasil terá que modernizar seu estoque de armas, atualmente baseado em modelos americanos já obsoletos. A grande aposta da Whitehead Alenia Sistemi Subacquei (WASS) é o torpedo pesado Black Shark, definido como “a Ferrari dos torpedos” pelo diretor Renzo Lunardi. “É uma arma que usa sistemas de sonar passivo até a poucos quilômetros do alvo, então não pode ser detectada até que seja tarde demais”, afirma.
O potencial financeiro do negócio é elevado: o preço por unidade está em torno de € 2 milhões. Multiplicando as cerca de 20 unidades que serão necessárias para uma frota de oito submarinos, chega-se ao total mínimo de 160 torpedos para o Brasil, semcontar os que serão utilizados nos navios e os que ficarão em estoque. Uma eventual encomenda não sairia pormenos de € 500 milhões.
Armamentos navais também são o foco da oferta que outra empresa do grupo, a MBDA, pretende fazer ao Brasil. Uma das três grandes companhias globais na área de mísseis, a MBDA vê na expansão da frota brasileira uma oportunidade de ampliar sua presença no mercado sulamericano, onde já está presente na Argentina, no Peru, na Venezuela e no Equador. O próprio Brasil usa atualmente os mísseis antiaéreos Aspide, fabricados pela até então Selenia. “Mas agora queremos entrar no mercado dos mísseis antinavio”, especifica o consultor Giuliano Cottini. O objetivo é vender os modelos Otomat, de longo alcance, lançado por navios, e as unidades leves do tipo Marte, disparados a partir de helicópteros. Mais uma vez, porém, os italianos terão que superar a concorrência francesa, que já opera na marinha brasileira com os modelo Exocet.

Após caças, Brasil vai investir US$ 1 bi em jatos de treinamento
Modelos serão usados para treinar pilotos dos aviões de combate; compra ficará entre 24 e 36 aparelhos
Marcelo Cabral

Na proteção dos céus brasileiros, os italianos tentam entrar de carona na grande concorrência de pelomenos US$ 10 bilhões para a compra de jatos de combate para equipar os esquadrões da Força Aérea Brasileira (FAB), o chamado projeto FX-2. A Itália não está entre as finalistas do processo – o favorito é justamente o francês Rafale, fabricado pela Dassault -, mas está tentando aproveitar a chegada da sofisticada aeronave para vender novos jatos de treinamento para o país.
Segundo informações obtidas pelo , existe hoje na FAB a convicção de que o novo caça, seja qual for o escolhido, vai exigir a adoção de um avião de treinamento a jato. Isso acontece porque omodelo atualmente usado para treinar os pilotos – o turboélice Tucano – não consegue simular todas as situações que acontecememum aparelho a jato, muito mais rápido, potente e complexo. “O gap (lacuna) entre o Tucano e o Rafale ou Gripen é grande demais. Já existe na cúpula da FAB a convicção de que vai ser praticamente obrigatório comprar um novo aparelho de treino”, afirmou umafonte ligada aosmilitares.
De acordo com essa fonte após a conclusão das arrastadas negociações do FX-2, deverá ser lançada uma nova operação para comprar entre 24 e 36 jatos de treinamento. E o favorito para ocupar o postoéoM-346, fabricado pela Alenia Aermacchi. A um custo mínimo de US$ 20milhões por aparelho, mais o fornecimento de peças, manutenção e treinamento, o preço total da compra deve ficar na casa de US$ 1 bilhão. Valor nada desprezível, chegando a cerca de 10% do que deve ser gasto nos lotes iniciais dos caças. Mas, na visão de Sergio Coniglio, diretor- engenheiro da Alenia Aermacchi, o caro vai sair barato a longo prazo. “O M-346 permite reduzir o emprego dos caças como avião de treinamento. É mais econômico para essa função tanto emtermos de custo de operação quanto de gasto de combustível”, diz. “Então, os gastos menores com treinamento acabam pagando a aquisição a longo prazo”, raciocina.
Aliás, o M-346 é a grandemenina dos olhos da Finmeccanica para o setor aeronáutico. A empresa enxerga ummercado de até 2 mil unidades para aparelhos de treinamento e ataque leve ao redor do mundo nos próximos anos, demodo que está ampliando suas linhas de produção situadas no norte da Itália. “O avião é muito avançado.Hoje emdia,um piloto não é só uma pessoa que manobra a aeronave, mas que gerencia os sistemas de bordo. E o nosso aparelho é o único nomundo que permite treinar essa característica, que está presente em todos os aviões de combate de nova geração”, garante o diretor regional de vendas Luigi Taddia.
Os italianos estão emsituação favorável devido à sua tradicional parceria já estabelecida com a FAB. Durante décadas, a Força Aérea operou cerca de 160 treinadores leves MB-326, que inclusive chegaram a ser fabricados sob licença no Brasil com o nome de Xavante. Mais tarde, foi em conjunto com as italianas Aeritalia e Aermacchi (que hoje formama Alenia Aermacchi) que a Embraer desenvolveu o jato tático AMX, que hoje é omaior pilar da aviação de ataque brasileira. “Os aviônicos, componentes estruturais e tecnologias desenvolvidas na ocasião permitiram que a Embraer ganhasse knowhow para criar suas novas linhas de jatos executivos regionais”, explica Fernando Arbache, presidente da Arbache Consultoria.

Surpresa sueca
Caso o Rafale seja surpreendentemente derrotado pelo caça sueco Gripen, fabricado pela Saab, a situação do grupo melhora. Isso porque a Selex Galileo fornece uma boa parte dos sistemas eletrônicos da aeronave, inclusive o radar Raven, além dos modelos Grifo que já são usados pelos atuais jatos F-5F da FAB. “Nós ainda não perdemos a fé no Gripen”, avisa Fabrizio Giulianini, CEO da companhia. “Mas mesmo se o Rafale for escolhido, podemos fornecer radares para outras aeronaves”, garante Giulianini. Aliás, os italianos se propõe a compartilhar a tecnologia dos sistemas de rastreamento, uma das mais sensíveis no meio militar. “Poderíamos criar um centro de excelência no Brasil”, diz o executivo.

Em terra, Itália mantém supremacia
Iveco venceu contrato para a venda de 2 mil blindados ao Exército por R$ 6 bilhões



Se no mar e no ar a concorrência entre franceses e italianos para fornecer equipamento e tecnologia para as forças armadas brasileiras promete ser pesada, em terra a situação é diferente. No início do ano, a Itália dominou o setor com a confirmação de um contrato de R$ 6 bilhões, ao longo de 20 anos, para o fornecimento de cerca de 2 mil blindados de um tipo conhecido como Veículos Blindados para o Transporte de Pessoal Médio Sobre Rodas (VBTP-MR). A vencedora do contrato foi a Iveco, subsidiária para veículos pesados da montadora Fiat, que irá produzir os blindados em Sete Lagoas (MG). A fabricação dos blindados, que receberam o nome de Guarani, deve começar em dois anos. A produção envolverá 110 fornecedores diretos e até 600 indiretos no Brasil.
O projeto do Guarani é um exemplo de troca de experiência entre os países. Segundo o presidente da Iveco Latin America, Marco Mazzu, cerca de 60% do projeto é brasileiro, enquanto as demais tecnologias vieram da Itália. Omodelo é um veículo de 18 toneladas equipado com motor diesel, seis rodas e capacidade anfíbia, capaz de transportar 11 soldados. O Guarani, que substituirá os tradicionais Urucu e Cascavel, terá mais proteção blindada e mais mobilidade do que seus antecessores.
Apesar de o grupo vencedor do contrato ter sido a Fiat, a Finmeccanica também vê possibilidades de cooperação através da Oto Malara, empresa que produz tanques, blindados e peças de artilharia naval e terrestre. “A Iveco vai produzir o veículo, mas a Oto Melara pode ajudar na customização do modelo, fabricando as torres dos carros”, anuncia Gianfranco Pazienza, gerente regional da companhia. Isso porque a compra dos blindados faz parte de um programa de modernização do Exército chamado Combatente Brasileiro (Cobra), que prevê outras 16 variantes. E a maior parte dessas variantes terá torres de diferentes tipos. Para as funções mais leves, a Oto Melara oferece o modelo equipado com canhões de 30 milímetros. Já os usos mais intensivos, como reconhecimento, poderiam ser equipados com canhões de até 90 milímetros.
M.C. com colaboração de Ana Paula Machado

O crescente papel internacional do Brasil

MARCO VICENZINO
À medida que o Brasil amplia a sua presença no palco global, divergências com os EUA em diversas questões só vão aumentar


A recente tentativa do Brasil e da Turquia a fim de resolver a debacle nuclear iraniana cria um precedente para o que está por vir. Ela marca um momento de definição nos assuntos internacionais.
Não é a primeira vez em que potências regionais afirmam posição contra os Estados principais. Mas representa a tentativa mais ousada nesse sentido feita até hoje, especialmente pelo fato de dizer respeito a uma questão crítica, com implicações globais. A situação difícil do Irã vai determinar o rumo da proliferação nuclear e moldar a nova ordem mundial, que sempre evolui.
Se a iniciativa tem êxito ou não, não vem ao caso. O que conta é o simbolismo de dois membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU contestando os atores globais principais, ao oferecerem independentemente uma alternativa às propostas destes.
No dilema atual, são os Estados Unidos e seus aliados europeus que têm mais a perder. Ao lado do Afeganistão, o Irã vem sendo a prioridade mais urgente da política externa transatlântica. Ter seus esforços desviados do rumo após meses de diplomacia intensiva assinalaria um retrocesso desastroso.
Embora a Turquia ainda seja a parceira sênior nessa questão específica, a capacidade do Brasil de projetar seu alcance global vai superar a da maioria das outras potências regionais no século 21.
Para muitos responsáveis pelas diretrizes políticas dos EUA, e em todo o mundo, a imagem do Brasil não vai além do futebol, da praia e do samba. O papel proativo assumido pelo Brasil no caso nuclear iraniano frustrou as autoridades dos EUA e as deixou perplexas.
Muitos em Washington ainda não se deram conta das novas realidades globais, em particular a de que o Brasil está determinado a traduzir seu peso econômico crescente em influência diplomática maior, como liderança do mundo em desenvolvimento.
À medida que o Brasil amplia a sua presença no palco global, as divergências futuras com os Estados Unidos em diversos fóruns e questões só vão aumentar.
Nos últimos anos, Lula vem conseguindo encantar o mundo. Será difícil encontrar alguém que possa reproduzir o que ele faz no palco internacional. Ao todo, Lula construiu um legado próprio enorme.
Embora sua atuação global tenha criado altas expectativas para seu sucessor e para o papel crescente do Brasil nos assuntos internacionais, o país continua a ser um enigma diplomático para os responsáveis pelas diretrizes políticas em todo o mundo.
Estes se esforçam para compreender a política externa brasileira e a dinâmica que a move. Uma política externa não pode ser baseada na força de uma única personalidade forte.
Embora essa ambiguidade traga benefícios de curto prazo, na medida em que outros países irão cortejar o Brasil ansiosamente, ela também gera o risco de um deficit de confiança no longo prazo.
Para que sejam criados relacionamentos duradouros, é preciso maior clareza sobre o que o Brasil representa. A decisão do Brasil de se unir à Turquia para apresentar um plano para o Irã pode fornecer algum "insight" significativo.
Contudo, uma única decisão de destaque não substitui a necessidade de apresentar uma agenda internacional coerente, promovida com mais perseverança e continuidade.
Sobretudo, tal agenda precisa ser comunicada de modo eficaz.
O crescimento do país será acompanhado por responsabilidades globais crescentes. Há decisões difíceis pela frente. O sucessor de Lula precisa estar à altura do desafio.
Tradução de CLARA ALLAIN
MARCO VICENZINO , analista político, diplomado pela Universidade Oxford e pela Escola de Direito de Georgetown, é diretor do Global Strategy Project, em Washington.

domingo, 6 de junho de 2010

Hobbes e a justificação do estado soberano (pt. 1)

Apesar da variação nas definições, a soberania sempre se relaciona à autoridade suprema. Propor uma soberania que permita competição de poder, jurisdição ou domínio é cair em contradição. No entanto, parece intuitivo que a ideia de monopólios baseados na força precisa ser justificada. Assim como com qualquer outro monopólio, não é do interesse dos consumidores a existência de um único provedor de um serviço. A não ser que os membros de uma sociedade se enxerguem como pessoas essencialmente desiguais perante a lei e a moral, a primeira questão que se levanta é: por que uma pessoa ou um grupo deve ter tamanho privilégio? Bem se sabe que monopólios abrem a possibilidade de abuso de poder pelos seus detentores. Em segundo lugar, um bem ou serviço oferecido por um monopólio provavelmente terá um preço e um custo maiores e uma qualidade inferior aos daquele oferecido sob um sistema de competição.

O propósito de O Leviatã é construir uma justificativa para a soberania tanto em alicerces morais quanto consequencialistas. O argumento de Hobbes em favor da soberania deve ser um dos mais intuitivos e, por consequência, um dos mais poderosos e duradouros. Seu impacto atravessou os séculos como círculos concêntricos através da fábrica da história. Mesmo que a formulação do argumento tenha mudado desde o século XVII, sua lógica continua a mesma.

Atualmente, economistas e cientistas políticos subjugaram o texto de Hobbes aos números da teoria de jogos, para adaptá-lo à moda atual. A essência do argumento, no entanto, continua a ser facilmente detectável nas palavras originais do livro que John Rawls considerava “a maior obra de filosofia política da língua inglesa”:

Se um pacto for feito no qual nenhuma das partes aja presentemente, mas confiem uma na outra; na condição de mera Natureza, (…) é Vazio; mas ser houver um Poder comum estabelecido sobre ambas, com direito e força suficientes para obrigar à ação; não é Vazio. Pois aquele que age antes não tem segurança de que o outro agirá depois; porque os laços das palavras são fracos demais (…) sem o temor de algum Poder coercitivo. (…) E portanto aquele que age primeiro não faz senão se trair diante do inimigo (Hobbes 1909, p. 105).

Tirando os excessos e adicionando alguma sobriedade contemporânea, encontra-se o mesmo argumento na base da obra mais popular de filosofia política do século passado . Em Uma Teoria de Justiça, John Rawls escreve que “a ideia mais fundamental nessa concepção de justiça é a ideia de uma sociedade como um sistema justo de cooperação social no tempo de uma geração para a outra.”

Esse sistema de cooperação social, tão central à filosofia política de Ralws se assenta, em última instância, na presunção que fundamenta do conceito de soberania hobbesiano. O “medo de algum poder coercitivo” ainda é condição necessária para a “confiança mútua”:

É razoável presumir que mesmo em uma sociedade bem-ordenada os poderes coercitivos do governo são de algum modo necessários para a estabilidade da cooperação social. Pois embora os homens saibam que compartilham de um senso comum de justiça e que cada um quer aderir as arranjos existentes, eles podem apesar disso não ter total confiança uns nos outros. Eles podem suspeitar que alguns não estão fazendo sua parte, e então podem ser tentados a não fazer a sua. A consciência geral dessas tentações pode eventualmente fazer com que o esquema todo desmorone. (Rawls, 1999, p. 240)

O fato de que a contenção de Rawls se dirige à cooperação enquanto que a de Hobbes tenta escapar do medo não passa de um detalhe menos – revela visões de mundo distintas unidas pelo mesmo raciocínio. As sociedades que cada autor imagina apenas podem ser concebidas sob a ameaça de coerção, o que faz que seja do interesse de cada membro da sociedade alienar aos governantes o poder necessário para governar. Tão logo se aceita esse elemento vital ao plano mestre de Hobbes, uma premissa menos pode ser alocada dentro do silogismo que permeia o Leviatã:


1) O que quer que se faça a um homem, que se conforme à sua Vontade transmitida àquele que o faz não é Agressão a ele;

2) [T]odo o Poder Soberano é originalmente dado pelo consentimento de cada um dos Súditos;

3) [S]egue-se que o quer quer que [o Soberano Instituído] faz não pode ser Agressão contra nenhum de seus Súditos; nem pode ele ser por estes acusado de qualquer Injustiça.

Platão já insinuava que os cidadãos firmavam um contrato com o estado. Sócrates entendia que, porque ele não havia deixado Atenas antes de seu julgamento, ele havia “entrado em um contrato implícito de que fará como [as Leis] ordenarem”.

Na época de Hobbes, no entanto, era a explicação orgânica do estado soberano que prevalecia, e não a justificativa contratual.

Quando O Leviatã foi escrito, as concepções aristotélicas clássicas da natureza das entidades, revitalizadas com a escolástica, estavam em declínio. A obediência à autoridade política não conseguiria se sustentar como algo tão natural quando os comandos da mente para o resto do corpo. A obrigação moral dos indivíduos para com o estado, a instituição social por excelência, não era algo tão intuitivo para a Europa do século XVII.

Em geral, o espírito do contratualismo estava alinhado com a ética da reforma. Se a autoridade dos homens que constituíam a santa igreja podia ser contestada pelos seus membros, por que a autoridade dos homens que constituíam o estado deveria estar fora de controvérsias? Não era mais o grupo, mas as partes individuais e seu poder de escolha o valor final da teoria moral protestante. A insurgência religiosa era evidência de que as pessoas se viam como indivíduos racionais e livres. Tal sociedade precisava de fundamentos modernos para uma teoria de soberania. Era isso que o contrato social prometia oferecer: a obediência emanada da liberdade.

(Publicado em “OrdemLivre.org”)