MARCO VICENZINO
À medida que o Brasil amplia a sua presença no palco global, divergências com os EUA em diversas questões só vão aumentar
A recente tentativa do Brasil e da Turquia a fim de resolver a debacle nuclear iraniana cria um precedente para o que está por vir. Ela marca um momento de definição nos assuntos internacionais.
Não é a primeira vez em que potências regionais afirmam posição contra os Estados principais. Mas representa a tentativa mais ousada nesse sentido feita até hoje, especialmente pelo fato de dizer respeito a uma questão crítica, com implicações globais. A situação difícil do Irã vai determinar o rumo da proliferação nuclear e moldar a nova ordem mundial, que sempre evolui.
Se a iniciativa tem êxito ou não, não vem ao caso. O que conta é o simbolismo de dois membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU contestando os atores globais principais, ao oferecerem independentemente uma alternativa às propostas destes.
No dilema atual, são os Estados Unidos e seus aliados europeus que têm mais a perder. Ao lado do Afeganistão, o Irã vem sendo a prioridade mais urgente da política externa transatlântica. Ter seus esforços desviados do rumo após meses de diplomacia intensiva assinalaria um retrocesso desastroso.
Embora a Turquia ainda seja a parceira sênior nessa questão específica, a capacidade do Brasil de projetar seu alcance global vai superar a da maioria das outras potências regionais no século 21.
Para muitos responsáveis pelas diretrizes políticas dos EUA, e em todo o mundo, a imagem do Brasil não vai além do futebol, da praia e do samba. O papel proativo assumido pelo Brasil no caso nuclear iraniano frustrou as autoridades dos EUA e as deixou perplexas.
Muitos em Washington ainda não se deram conta das novas realidades globais, em particular a de que o Brasil está determinado a traduzir seu peso econômico crescente em influência diplomática maior, como liderança do mundo em desenvolvimento.
À medida que o Brasil amplia a sua presença no palco global, as divergências futuras com os Estados Unidos em diversos fóruns e questões só vão aumentar.
Nos últimos anos, Lula vem conseguindo encantar o mundo. Será difícil encontrar alguém que possa reproduzir o que ele faz no palco internacional. Ao todo, Lula construiu um legado próprio enorme.
Embora sua atuação global tenha criado altas expectativas para seu sucessor e para o papel crescente do Brasil nos assuntos internacionais, o país continua a ser um enigma diplomático para os responsáveis pelas diretrizes políticas em todo o mundo.
Estes se esforçam para compreender a política externa brasileira e a dinâmica que a move. Uma política externa não pode ser baseada na força de uma única personalidade forte.
Embora essa ambiguidade traga benefícios de curto prazo, na medida em que outros países irão cortejar o Brasil ansiosamente, ela também gera o risco de um deficit de confiança no longo prazo.
Para que sejam criados relacionamentos duradouros, é preciso maior clareza sobre o que o Brasil representa. A decisão do Brasil de se unir à Turquia para apresentar um plano para o Irã pode fornecer algum "insight" significativo.
Contudo, uma única decisão de destaque não substitui a necessidade de apresentar uma agenda internacional coerente, promovida com mais perseverança e continuidade.
Sobretudo, tal agenda precisa ser comunicada de modo eficaz.
O crescimento do país será acompanhado por responsabilidades globais crescentes. Há decisões difíceis pela frente. O sucessor de Lula precisa estar à altura do desafio.
Tradução de CLARA ALLAIN
MARCO VICENZINO , analista político, diplomado pela Universidade Oxford e pela Escola de Direito de Georgetown, é diretor do Global Strategy Project, em Washington.
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