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domingo, 6 de junho de 2010

Hobbes e a justificação do estado soberano (pt. 1)

Apesar da variação nas definições, a soberania sempre se relaciona à autoridade suprema. Propor uma soberania que permita competição de poder, jurisdição ou domínio é cair em contradição. No entanto, parece intuitivo que a ideia de monopólios baseados na força precisa ser justificada. Assim como com qualquer outro monopólio, não é do interesse dos consumidores a existência de um único provedor de um serviço. A não ser que os membros de uma sociedade se enxerguem como pessoas essencialmente desiguais perante a lei e a moral, a primeira questão que se levanta é: por que uma pessoa ou um grupo deve ter tamanho privilégio? Bem se sabe que monopólios abrem a possibilidade de abuso de poder pelos seus detentores. Em segundo lugar, um bem ou serviço oferecido por um monopólio provavelmente terá um preço e um custo maiores e uma qualidade inferior aos daquele oferecido sob um sistema de competição.

O propósito de O Leviatã é construir uma justificativa para a soberania tanto em alicerces morais quanto consequencialistas. O argumento de Hobbes em favor da soberania deve ser um dos mais intuitivos e, por consequência, um dos mais poderosos e duradouros. Seu impacto atravessou os séculos como círculos concêntricos através da fábrica da história. Mesmo que a formulação do argumento tenha mudado desde o século XVII, sua lógica continua a mesma.

Atualmente, economistas e cientistas políticos subjugaram o texto de Hobbes aos números da teoria de jogos, para adaptá-lo à moda atual. A essência do argumento, no entanto, continua a ser facilmente detectável nas palavras originais do livro que John Rawls considerava “a maior obra de filosofia política da língua inglesa”:

Se um pacto for feito no qual nenhuma das partes aja presentemente, mas confiem uma na outra; na condição de mera Natureza, (…) é Vazio; mas ser houver um Poder comum estabelecido sobre ambas, com direito e força suficientes para obrigar à ação; não é Vazio. Pois aquele que age antes não tem segurança de que o outro agirá depois; porque os laços das palavras são fracos demais (…) sem o temor de algum Poder coercitivo. (…) E portanto aquele que age primeiro não faz senão se trair diante do inimigo (Hobbes 1909, p. 105).

Tirando os excessos e adicionando alguma sobriedade contemporânea, encontra-se o mesmo argumento na base da obra mais popular de filosofia política do século passado . Em Uma Teoria de Justiça, John Rawls escreve que “a ideia mais fundamental nessa concepção de justiça é a ideia de uma sociedade como um sistema justo de cooperação social no tempo de uma geração para a outra.”

Esse sistema de cooperação social, tão central à filosofia política de Ralws se assenta, em última instância, na presunção que fundamenta do conceito de soberania hobbesiano. O “medo de algum poder coercitivo” ainda é condição necessária para a “confiança mútua”:

É razoável presumir que mesmo em uma sociedade bem-ordenada os poderes coercitivos do governo são de algum modo necessários para a estabilidade da cooperação social. Pois embora os homens saibam que compartilham de um senso comum de justiça e que cada um quer aderir as arranjos existentes, eles podem apesar disso não ter total confiança uns nos outros. Eles podem suspeitar que alguns não estão fazendo sua parte, e então podem ser tentados a não fazer a sua. A consciência geral dessas tentações pode eventualmente fazer com que o esquema todo desmorone. (Rawls, 1999, p. 240)

O fato de que a contenção de Rawls se dirige à cooperação enquanto que a de Hobbes tenta escapar do medo não passa de um detalhe menos – revela visões de mundo distintas unidas pelo mesmo raciocínio. As sociedades que cada autor imagina apenas podem ser concebidas sob a ameaça de coerção, o que faz que seja do interesse de cada membro da sociedade alienar aos governantes o poder necessário para governar. Tão logo se aceita esse elemento vital ao plano mestre de Hobbes, uma premissa menos pode ser alocada dentro do silogismo que permeia o Leviatã:


1) O que quer que se faça a um homem, que se conforme à sua Vontade transmitida àquele que o faz não é Agressão a ele;

2) [T]odo o Poder Soberano é originalmente dado pelo consentimento de cada um dos Súditos;

3) [S]egue-se que o quer quer que [o Soberano Instituído] faz não pode ser Agressão contra nenhum de seus Súditos; nem pode ele ser por estes acusado de qualquer Injustiça.

Platão já insinuava que os cidadãos firmavam um contrato com o estado. Sócrates entendia que, porque ele não havia deixado Atenas antes de seu julgamento, ele havia “entrado em um contrato implícito de que fará como [as Leis] ordenarem”.

Na época de Hobbes, no entanto, era a explicação orgânica do estado soberano que prevalecia, e não a justificativa contratual.

Quando O Leviatã foi escrito, as concepções aristotélicas clássicas da natureza das entidades, revitalizadas com a escolástica, estavam em declínio. A obediência à autoridade política não conseguiria se sustentar como algo tão natural quando os comandos da mente para o resto do corpo. A obrigação moral dos indivíduos para com o estado, a instituição social por excelência, não era algo tão intuitivo para a Europa do século XVII.

Em geral, o espírito do contratualismo estava alinhado com a ética da reforma. Se a autoridade dos homens que constituíam a santa igreja podia ser contestada pelos seus membros, por que a autoridade dos homens que constituíam o estado deveria estar fora de controvérsias? Não era mais o grupo, mas as partes individuais e seu poder de escolha o valor final da teoria moral protestante. A insurgência religiosa era evidência de que as pessoas se viam como indivíduos racionais e livres. Tal sociedade precisava de fundamentos modernos para uma teoria de soberania. Era isso que o contrato social prometia oferecer: a obediência emanada da liberdade.

(Publicado em “OrdemLivre.org”)

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