´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado


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quinta-feira, 25 de junho de 2009

Revolução na revolução

“Ouvi disparos repetidamente enquanto as pessoas entoavam Allahu Akbar (Deus é grande) na região de Niavaran”, testemunhou um habitante de Teerã no sábado, enquanto helicópteros da polícia sobrevoavam a capital, milicianos alvejavam manifestantes e jornalistas enganavam a censura transmitindo fotos via Twitter. No Irã, insiste o candidato oposicionista Hossein Mousavi, ocorreu uma fraude eleitoral de proporções quase inconcebíveis.

Uma fraude “normal” não poderia inverter a direção de 15% dos votos. Mousavi acusa o regime de promover uma “mágica”: no lugar da totalização dos votos, a comissão central eleitoral simplesmente teria lançado resultados finais arbitrários. A hipótese é sustentada por diversos indícios inconclusivos. Entretanto, a revolta popular adquiriu dinâmica própria, escapando ao controle das lideranças políticas e ameaçando a ordem autoritária dos clérigos.

O Irã almejou ser Ocidente durante os 55 anos da dinastia Pahlevi. Desde o complô, tramado nos EUA, que derrubou o primeiro-ministro nacionalista Mohammed Mossadegh, em 1953, o xá Reza Pahlevi alinhou-se com Washington e consolidou um regime autocrático apoiado no serviço secreto. A Revolução Iraniana de 1979 não foi unicamente, como assevera a lenda, um movimento de reação contra o cosmopolitismo moderno. O levante popular que destruiu a monarquia teve um componente desse tipo, personificado pela liderança carismática do aiatolá Ruhollah Khomeini. Mas teve outro componente, nacionalista e democrático, que reivindicava a restauração da Constituição de 1906, expressão do projeto histórico de conciliação entre o Islã e as liberdades políticas numa Pérsia em busca do seu lugar na modernidade.

O equilíbrio entre os dois componentes durou pouco mais de um ano, até a deposição parlamentar de Bani Sadr, o primeiro presidente da República Islâmica. As instituições políticas iranianas, contudo, continuam a refletir, de modo enviesado, a aliança revolucionária original. O poder de Estado, derivado da vontade divina, concentra-se no líder supremo, posição ocupada pelo aiatolá Ali Khamenei, que é assessorado pelo Conselho de Guardiães. O líder supremo é escolhido pela Assembleia de Especialistas, constituída por juristas islâmicos eleitos a partir de uma lista elaborada pelo Conselho de Guardiães. O poder de governo, derivado da vontade popular, concentra-se no presidente e no Parlamento, mas a soberania do povo é limitada pela prerrogativa do Conselho de Guardiães de vetar candidaturas. República Islâmica: entre os dois termos conflitivos que nomeiam o Irã, o segundo subordina o primeiro.

Num artigo de 1988, o orientalista Bernard Lewis sugeriu que, no lugar da clássica rivalidade entre radicais e moderados, o Irã conheceria um embate entre ideólogos e pragmáticos. Após uma etapa inicial de turbulência, sob o predomínio dos primeiros, a revolução islâmica se aquietaria debaixo da hegemonia dos segundos. Não é pequena a tentação de interpretar desse modo a trajetória oscilante de um país que, depois dos anos loucos de Khomeini, acomodou-se no governo burocrático de Akbar Rafsanjani, tateou o caminho das reformas na presidência de Mohammad Khatami, desviou-se para o “choque de civilizações” de Mahmoud Ahmadinejad e agora volta suas esperanças para o pragmático Mousavi.

Mas Lewis estava errado, pois não quis ver que o Islã não é uma árvore isolada numa clareira da História, mas uma garrafa aberta no oceano do mundo. Desde a Revolução Constitucionalista de 1905, a nação iraniana busca se conectar com a ideia “ocidental” de que as pessoas têm direitos irrevogáveis. Mousavi é realmente um pragmático e no passado, quando primeiro-ministro, fechou uma universidade e assinou ordens cumpridas pela polícia de costumes. Contudo, como Khatami, que hoje o apoia, cruzou uma fronteira proibida e, exprimindo aspirações de milhões de jovens e mulheres, delineou um programa inaceitável para o núcleo teocrático do poder. No seu ano 30, longe de aquietar-se, o movimento revolucionário lança-se contra a censura, a repressão cultural e uma política externa articulada em torno do antissemitismo.

“A doutrina ocidental do direito de resistir a um mau governo é estranha ao pensamento islâmico.” A fórmula de Lewis, que está na sua obra mais importante, tolda a visão sobre o que acontece no Irã. O pensador, fonte intelectual da política do governo Bush para o mundo muçulmano, não pode conceber que muçulmanos arrisquem sua vida em nome da liberdade.

Um eco surdo do pensamento de Lewis emanou de ninguém menos que Lula. Logo depois de Ahmadinejad comparar as manifestações a conflitos entre torcidas de futebol, o presidente brasileiro investiu-se da função de boneco de ventríloquo do iraniano e descreveu os eventos de Teerã como “uma coisa entre flamenguistas e vascaínos”. De uma estupidez só superada pela sua imoralidade, o comentário veiculava um apoio incondicional ao poder que reprimia os protestos, prendia opositores e censurava meios de comunicação. Mas, inadvertidamente, ele sintetizou uma visão de mundo. De acordo com ela, o “direito de resistir a um mau governo” equivale à baderna, incômoda, mas infantil, de pessoas tomadas por uma paixão cega.

Também na versão oficial do Irã os cidadãos não têm vontade própria - e as manifestações seriam incitadas pelo Ocidente e pela “mídia estrangeira”. Lewis registrou que a Revolução Iraniana foi o primeiro movimento revolucionário “midiático” da História, pois Khomeini lançou suas proclamações pela TV, desde o exílio. A revolução na revolução que está em curso não é uma invenção da “mídia estrangeira”, mas depende, igualmente, da difusão instantânea e global das notícias. E cada uma das imagens e palavras captadas nas ruas em revolta evidencia uma verdade simples: esses muçulmanos persas não são, afinal, muito diferentes de nós.

Estilo de potência

Exército brasileiro vence competição militar com 20 países das Américas, em Goiânia, e se firma como realidade para atuar em conflitos regionais

Isabel Fleck



Por seis dias, os sete militares mais bem preparados das forças especiais de 21 países das Américas deram, em Goiânia, uma pequena demonstração do que cada Exército é capaz. Com diferentes táticas, armas e equipamentos, eles passaram pelas mesmas provas e enfrentaram os mesmos obstáculos. A equipe brasileira foi a que melhor combinou capacidade física com habilidades militares, e conquistou o primeiro lugar. Mais do que a vitória, no entanto, o Brasil comemora a projeção do seu Exército, depois dos bons resultados na competição, realizada pela primeira vez no país.

Para o governo brasileiro, vencer Exércitos como os dos Estados Unidos e da própria Colômbia (1)— campeã invicta nas últimas três competições e que tem sido patrocinada nos últimos nove anos por Washington — representa muito mais do que ter uma equipe bem preparada. Mostra à grande potência militar do continente que o Brasil tem propriedade não só para atuar, mas também para liderar esforços conjuntos em situações de conflito na região.

Do lado norte-americano, o interesse foi confirmado pela grande presença militar do país, representado pelo Comandante de Operações Especiais dos EUA, Eric Olson, e por uma delegação de quase 60 pessoas. “Esse tipo de encontro nos permite dividir ideias de como melhor trabalhar juntos, em um nível estratégico. E nós queremos trabalhar com outros países, queremos dialogar e aprender com cada um”, confirmou o porta-voz do Comando Sul do Exército norte-americano, Armando Hernandez.

Mas se o encontro militar serviu como “vitrine” para as forças especiais brasileiras, também foi útil para ajudar a integrar os exércitos de países da região que fazem parte do Conselho de Defesa Sul-Americano, idealizado pelo Brasil. Das 12 nações que compõem a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), oito participaram da competição — com exceção de Venezuela, Bolívia, Guiana e Suriname. “Essa troca de experiências que ocorre aqui é muito importante, pois favorece o aumento da confiança entre os exércitos. No caso de uma operação conjugada (no futuro), as equipes já se conhecem, o que facilita muito o trabalho”, observou o porta-voz da Brigada de Operações Especiais, Luís Gustavo Stumpf.

O capitão da equipe chilena, tenente Raul Saez, concorda que o encontro ajuda a criar um clima de confiança na “base”. “O melhor de tudo é a interação com outras equipes, outras culturas. E dessa interação acaba surgindo um grupo de amigos que, ano a ano, se encontra nessa competição”, disse Saez. Já o líder do time da Nicarágua, capitão Rodolfo González, destaca a possibilidade de reavaliar técnicas militares como um dos pontos positivos do encontro. “Do ponto de vista tático, a competição é muito importante, porque se aprendem técnicas de outro Exército que podem ser aplicadas ao nosso”, revelou.



TÁTICAS

Enquanto os 147 militares que formavam as 21 equipes suavam a farda nas provas de resistência e de habilidades técnicas, comandantes das forças especiais de cada país participavam de um seminário sobre táticas antiterror e metodologias usadas em ambientes de conflito, como o Iraque e o Haiti. Para os participantes, a oportunidade é de aprender com os acertos dos outros países, que são revelados a portas fechadas. “Aqui, tiramos muitos ensinamentos que vão nos ajudar a melhorar nossa doutrina e a preparar nosso soldado”, admite o general Ricardo de Matos Cunha, 1º subchefe do Comando de Operações Terrestres.

O militar afirma que a experiência brasileira no Haiti também vem sendo acompanhada com atenção pelos outros países. “Não é de hoje que o Brasil tem se projetado internacionalmente, principalmente na parte militar. As nossas atuações em operações de paz, desde a década de 1950, quando fomos para o Canal de Suez, e depois na América Central, na África e, principalmente, no Haiti, nos garantem uma posição de destaque no concerto dos exércitos internacionais”, destacou.



(1) PLANO COLÔMBIA

Desde 2000, os EUA ajudam o combater o narcotráfico e os grupos armados por meio do Plano Colômbia. Nesse período, Washington já investiu US$ 5 bilhões no Exército do país sul-americano, se tornando o maior destino de ajuda militar dos EUA fora do Oriente Médio. O Plano Colômbia foi decisivo para capacitar as Forças Armadas colombianas: os efetivos aumentaram 50%, o setor de inteligência se refinou e a aquisição de modernos helicópteros e aviões, inclusive Supertucanos brasileiros, deu mobilidade às tropas. Os EUA tiveram papel decisivo nos recentes resgates de reféns das Forças Armadas Revolucionárias da

Colômbia (Farc).





Sem moleza

Como são algumas das provas realizadas pelas forças especiais



Assalto combinado

A equipe é dividida em dois grupos. Logo após o primeiro “varrer o local” com um tiro, o outro simula a entrada em uma casa dominada por sequestradores ou terroristas. São avaliadas a agilidade e a pontaria dos militares, que devem ter atenção com os reféns.



Pista de obstáculos

O tempo é o principal adversário nessa pista onde os militares precisam escalar paredões, rastejar sobre a areia, sair de um fosso de mais de 2m de profundidade e atravessar trechos com cordas.



Natação

De farda, os militares caem na água para nadar 300m com obstáculos.



Marcha orientada

Os participantes levam cerca de três horas para completar a prova. A meta é marchar 20km carregando uma mochila de 15kg e armamento.



Evento aquático

Uma das provas mais difíceis, já que intercala trechos terrestres e aquáticos. Os militares devem carregar o bote no qual vão remar por toda a extensão de um lago, carregar um ferido, nadar com uma mochila de 20kg e atirar em alvos a diferentes distâncias.



Tiro de campo

A equipe de caçadores tem 10 cartuchos para acertar cinco alvos pré-posicionados a distâncias desconhecidas.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

''Não se corta erva daninha pelo caule''

Sebastião Curió Rodrigues de Moura: oficial do Exército sob o regime militar

Leonencio Nossa, MARABÁ (PA)



A Guerrilha do Araguaia, movimento armado na selva contra o regime militar, não marcou a memória dos que viveram nos anos 1970 nas grandes cidades. Nem poderia. A censura impediu que os brasileiros soubessem da existência de uma operação de guerra na floresta amazônica. No entanto, um personagem do lado da repressão, o oficial Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, 74 anos, virou mito antes mesmo que a história do conflito fosse revelada com detalhes. Com a redemocratização, Curió pôs a cara para bater e tornou-se o principal representante de uma legião de militares que acompanharam em silêncio a mudança de regime. Passou os últimos 30 anos em duelo com a esquerda, mas sempre recorreu a palavras moderadas para atacar e rebater acusações.

Foi como interventor do garimpo de Serra Pelada, nos anos 1980, que o líder populista de direita, como a esquerda o classifica, conquistou "massas" do sul do Pará e do sul do Maranhão, um feito que os adversários não realizaram.

O capítulo da história de Curió que mais desperta interesse de aliados e inimigos, no entanto, é anterior: é o Araguaia. "Esta é a parte mais delicada", diz. Numa franqueza que impressiona até quem o conhece há anos, afirma: "Num arrozal, quando se capina, não se corta a erva daninha só pelo caule. É preciso arrancá-la pela raiz, para que não brote novamente." Admite, parecendo falar para os companheiros de farda, que "este é o momento de revelar a história".



O senhor concorda que o fim da guerrilha coincidiu com o início do latifúndio e o aumento da pobreza no sul do Pará?

No final do relatório da Sucuri eu escrevi: a repressão por si aniquila, destrói, acaba com o movimento guerrilheiro. Mas não acaba com o movimento da subversão. Isso só se conseguirá com ações de governo em benefício da população. Foi exatamente o que não ocorreu. É preciso entender também que não estamos falando do Pará de hoje, mas do Pará de sempre, um Estado sempre marcado por conflitos sociais.



Que lições o combate à guerrilha trouxe para as Forças Armadas?

As Forças Armadas não conheciam a Amazônia. Tivemos muitos ensinamentos. Eu fui para o Araguaia com o curso de guerra na selva. Mas aprendi muito com os guias, os mateiros. Também desenvolvemos ensinamentos estratégicos, de como lidar com a população. Nas primeiras duas campanhas, os guias não conduziam as patrulhas para alcançar os objetivos. Eles davam voltas na selva, não estavam interessados em levar as patrulhas aos locais onde estavam os guerrilheiros. Já na terceira campanha tivemos uma equipe de mateiros que trabalhou de forma correta. Passamos a conversar com os guias, dar o valor que eles possuíam. É preciso ter humildade. Com os guias, aprendi a sobreviver com um pedaço de rapadura e fígado de uma jabota. Aprimorei o que aprendi nos bancos acadêmicos. Eu fui preparado para a guerra, mas a prática é um pouco diferente.



O que é uma guerra de guerrilha?

Uma guerra convencional já é um terror. Pode haver alguma surpresa, mas é difícil ser surpreendido na retaguarda. Já numa guerra de guerrilha você não sabe quem é o inimigo. É uma guerra feia, terrível. Só o terreno, a selva, é um enorme obstáculo. Não é fácil se movimentar no igapó, passar 15 dias sem tomar banho, sem se alimentar direito.



Quais os erros do PC do B?

O PC do B deslocou para a área de guerrilha pessoas que tinham curso na China, mas sem experiência em combate e sobrevivência na selva. As lideranças do partido se deslocaram para a área, a Elza Monnerat e o João Amazonas, mas logo no início abandonaram aquela juventude na mata. A Comissão Militar da guerrilha, cujo chefe era o Maurício Grabois, não tinha planejado contato com o partido fora da área. Foi uma aventura do partido. Amazonas e Elza fugiram e deixaram cada um por si e Deus para todos.



E os erros das Forças Armadas?

Na primeira campanha, não tinha um comando centralizado. Era cada equipe por si, chegando ao ponto de ocorrer choques entre militares. Na segunda campanha, mandaram tropas constituídas de elementos não especializados em selva, vindas de Brasília e de Goiânia, que nunca viram a floresta. Depois, as Forças Armadas cometeram o erro político de mascarar o movimento contra a guerrilha como uma manobra militar. E o erro mais grave: montaram uma operação de envergadura sem organizar um trabalho de informações. Não se sabia quem era o inimigo. Então, foi organizada a Operação Sucuri. Eu fui o coordenador na área, na linha de frente. Em quase cinco meses de operação, conseguimos saber tudo sobre os guerrilheiros, seus hábitos, seus armamentos. Foi uma das operações mais bem realizadas na América Latina.



Por que até hoje é difícil falar sobre essa história?

Existia na época o chamado Milagre Econômico, no governo Medici. O "milagre", segundo orientações de cima, tinha de ser preservado. Notícias sobre combates na selva poderiam manchar a imagem positiva da economia brasileira e do País no exterior. Depois, a guerrilha preocupava o governo porque o Partido Comunista tinha sim o objetivo de criar uma área livre a serviço do bloco comunista internacional, cuja ponte com o Brasil era a Albânia. A China, que formou os combatentes, não queria aparecer diretamente. Houve ordem expressa para que tudo ficasse em sigilo. Há muitas versões distorcidas, por má fé ou simples desconhecimento.



Qual é o momento de uma história ser revelada?

É o atual momento. Por quê? Quem participou dos combates por força das circunstâncias, cumprindo uma missão de Estado, está agora com a idade cronológica um pouco avançada. Estou com 74 anos, forte graças a Deus, mas acho que é hora de dar conhecimento. Como sairá um livro sobre a minha história, eu tinha de abrir o arquivo antes. Não me julgo dono da verdade, mas sei muita coisa porque vivi.



Como foi o combate travado pelo senhor e pelo agente Lício Maciel com a guerrilheira Lúcia Maria de Souza, a Sônia?

Estávamos numa patrulha na mata. Por volta de 17 horas, a luz começou a cair. Encontramos na beira de um pântano um par de coturno. Ouvimos uma conversa e assovios. Uma das vozes era de mulher. Sônia voltou inesperadamente, talvez para apanhar o coturno, e gritou para os companheiros de guerrilha, pensando que um deles tinha levado o calçado por brincadeira. Toda a patrulha estava dentro do pântano. Com o aumento do volume da voz de Sônia, Lício deu alguns passos à frente, a dez metros da gente. Foi quando a viu. Com água na cintura, ele gritou: "Quieta!". Sônia pôs as duas mãos para cima. Na verdade, apenas uma mão estava na cabeça, com a outra ela disparou o primeiro tiro contra ele. Os demais da patrulha abriram fogo. A Sônia voltou a atirar. De onde eu estava não conseguia enxergá-la. Atirei em dois vultos que escaparam por uma moita de açaizal, possivelmente dois companheiros dela. A penumbra dificultava a visão. Depois, eu gritei: "Cessa, cessa, cessa!", para prestar socorro a Lício. Olhei, o meu cotovelo direito, que estava ensanguentado. Eu, um sargento e um soldado seguimos mais à frente, no rumo de um murmúrio. Os galhos e folhas atingidas pelas rajadas ainda se desprendiam dos troncos, formando um eco. Começou o silêncio. Era quase noite. Ouvimos gemido. Logo depois, vi um rastro de corpo num barranco do igapó. Mais à frente, um revólver 38 no chão. Ela estava adiante, de bruços. Usava camiseta e bermuda curta, bem acima do joelho. As pernas claras, de quem não via o sol há tempo, estavam picadas por insetos. Ela ainda suspirava. (Sônia morreu no combate.)



As Forças Armadas pagaram um preço por não contar a história da guerrilha?

Pagaram. Tudo deveria ser contado na época, os motivos das operações, os riscos que o País corria. Só o Estadão furou essa estratégia do silêncio durante os combates. Mas quem pagou um preço alto nestes anos todos fui eu. Entrei no Araguaia cumprindo uma missão. Depois coordenei o garimpo de Serra Pelada. Só por força das circunstâncias fiquei mais conhecido entre os companheiros que participaram dos combates também cumprindo missão constitucional.



Por que matar prisioneiros?

Esta é a parte delicada.



Na terceira campanha, a Operação Marajoara, os guerrilheiros já não tinham armas. Por que matá-los?

Não estavam desarmados, estavam sem rumo.



Por que matar prisioneiros?

Todos os combatentes foram mortos em combate? Não. Exemplos típicos são os casos da Dina e da Tuca. Elas foram feitas prisioneiras por mim e entregues às autoridades.



Que autoridades foram essas?

Me reservo no direito de não citar nomes. Mas pelos dados do meu arquivo você poderá tirar suas conclusões.



O que aconteceu com a Dina e a Tuca?

Morreram. A ordem superior era não deixar rastros da guerrilha, para poupar o Brasil de uma guerrilha, de uma Farc, um movimento montonero (guerrilha argentina), um Sendero Luminoso.



Qual era o perfil dos guerrilheiros?

Porcentual considerável era de jovens idealistas que lutavam por uma sociedade mais justa, cujos objetivos não se diferenciavam dos objetivos das Forças Armadas. Só que fizemos caminhos ideologicamente diferentes para atingi-los. Não eram bandidos. Não eram mesmo. A cúpula da guerrilha era de raposas velhas.



Como o senhor, que obteve tantas vitórias militares, se sente como um derrotado pela história?

As Forças Armadas cumpriram uma missão constitucional, preservaram as instituições, a independência e a soberania da pátria e não permitiram um Estado independente no Brasil, o que no bojo da guerra de guerrilhas extirpou momentaneamente uma ideologia adversa, o comunismo. Então não me sinto derrotado.



Mas nem a Constituição de 1967, outorgada na ditadura, mandava matar.

Segundo a Lei de Newton, para toda ação há uma reação com a mesma força e intensidade no sentido contrário. Lembre-se de Stalin na União Soviética e de Fidel e seu paredão em Cuba. Os guerrilheiros do Araguaia realizaram execuções sumárias. É o caso de Pedro Mineiro, executado por cinco guerrilheiras, de Rosalindo, justiçado pela guerrilha, e do camponês Osmar.



Mas uma centena de pessoas maltrapilhas tinha a mesma força dos cinco mil homens das Forças Armadas?

Na terceira campanha eram 150 homens de forças especiais, preparados e bem armados. Se a guerrilha não fosse interceptada pelas Forças Armadas no estágio em que se encontrava, as centenas de apoios aliciados na massificação e no proselitismo formariam hoje uma Farc. Não era meia dúzia de pessoas. Tanto que na segunda campanha 3.200 homens das Forças Armadas não tiveram êxito. Os meus relatórios comprovam o trabalho de massificação: cerca de 200 moradores foram aliciados pela guerrilha.



Uma guerrilheira como a Áurea, por exemplo, uma simples estudante de 24 anos, e ainda por cima presa, oferecia risco?

A mulher pelo seu valor hoje ocupa funções delicadas que requerem alta competência como pilotar um jato, comandar as tropas, presidir tribunais de júri, e ela armada se equipara a um grande guerreiro, haja vista que hoje as Forças Armadas têm exímios combatentes do sexo feminino. Áurea era um exímio combatente.



Na base de Xambioá, onde ficou detida, Áurea não era mais uma combatente. Era uma prisioneira do Estado.

Não há dados concretos de fria execução na guerrilha.



Os papéis do arquivo do senhor podem levar à conclusão de que houve execução.

Eu disse que não houve fria execução. Num arrozal, quando se capina não se corta a erva daninha só pelo caule. É preciso arrancá-la pela raiz, para que não brote novamente.



Quem é:

Sebastião Curió

É tenente-coronel da reserva do Exército, foi prefeito de Curianópolis (PA) pelo PMDB,mas foi cassado pelo TSE

Ex-agente do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), coordenou o garimpo de Serra Pelada e foi deputado federal pelo extinto PDS, sigla de apoio ao regime militar

CUSTO: "Quem pagou um preço alto nesses anos todos fui eu. Entrei no Araguaia cumprindo uma missão"

AÇÃO: "A repressão por si aniquila, destrói, acaba com o movimento guerrilheiro. Mas não com a subversão"

ERROS: "Montaram uma operação de envergadura sem organizar um trabalho de informações"

Balas e barris

Thomas Friedman



O levante popular que tomou conta do Irã nos últimos dias é um acontecimento realmente extraordinário. É mais raro que a mais rara das coisas, mais do que se nevasse na Arábia Saudita. E é extraordinário porque, no Oriente Médio, o poder cresce entre um barril de pólvora e um barril de petróleo - e é muito difícil colocar um fim nesta combinação.

O petróleo é uma questão chave nos regimes totalitários do Oriente Médio. Quando reis e ditadores chegam ao poder, eles se prolongam em seus mandatos não só aprisionando adversários e matando inimigos, mas comprando pessoas e criando um enorme sistema de segurança interna a partir da riqueza proveniente de seus campos de petróleo. Há apenas uma autocracia no Oriente que tenha sido derrubada por uma revolução popular e não por um golpe militar... e foi justamente o Irã. Em 1979, quando o povo iraniano se insurgiu contra o xá Reza Pahlevi durante a Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini, o xá controlava o exército, a polícia secreta e uma vasta rede de comunicação. Mas o povo saiu às ruas, e derrubou o regime.

A Revolução Islâmica aprendeu com Reza Pahlevi. Usou a abundância de reservas petrolíferas do país - o Irã é o quinto produtor mundial de petróleo, e exporta 2,1 milhões de barris por dia - para construir casas populares, distribuir cargos no governo, subsidiar a gasolina, a alimentação e montar uma vasta força militar (a Guarda Revolucionária e milícia basij) para se manter no poder. A grande pergunta hoje é se a revolução verde de Mir Houssein Moussavi, apoiada pela massa de manifestantes nas ruas, pode fazer com a Revolução Islâmica o mesmo que o aiatolá Khomeini e o povo iraniano fizeram com o regime do xá.

Os mulás sempre disfarçaram a brutalidade do regime promovendo falsas eleições. Eu digo falsas porque, embora pudessem apurar os votos com correção, controlavam rigorosamente quem poderia concorrer no pleito. A escolha era entre o cinza escuro e o cinza claro. O que aconteceu desta vez é que a insatisfação com o governo atingiu níveis tais que a escolha acabou sendo pelo cinza claro. Os iranianos transformaram Moussavi no candidato do povo. E ele se transformou na mesma medida.

Moussavi certamente é menos liberal que seus seguidores. Mas seu tom um pouco mais brando liberou tantas frustrações e despertou tantas esperanças que ele se converteu em um candidato independente. É por isso que seus votos não podem ser contados. Porque não são a favor dele, mas contra o regime. Mas agora, tendo votado com as cédulas, os iranianos vão votar com os corpos. E é isso o que a Revolução Islâmica mais teme, e é por isso que o aiatolá Khamenei advertiu na sexta que as manifestações de desafio nas ruas não seriam aceitas. Khamenei sabe como chegou ao poder.

Mas se os reformistas querem mudanças, terão de continuar nas ruas - mais e mais. E eu estarei torcendo e temendo por eles. Qualquer moderação no regime do Irã terá um efeito positivo tremendo no Oriente Médio. Mas nem nós, nem os reformistas, podemos ter ilusões sobre as balas e barreiras contra eles.

THOMAS FRIEDMAN é colunista do New York Times

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Cadetes estudam defesas eletronicas

Forças Armadas dos EUA fazem competição como parte de treinamento contra eventual ataque cibernético

COREY KILGANNON

NOAM COHEN

DO "NEW YORK TIMES"

As Forças Armadas estavam sob ataque. As linhas de comunicação tinham caído, e a cadeia de comando havia se rompido. Avaliando um abrigo improvisado cuja entrada estava camuflada por uma rede, o jovem vestido com uniforme de combate grita para seus companheiros: "Eles estão inundando o servidor de e-mail. Bloqueie-o. Eu assumo a responsabilidade".

Esses são os jogos de guerra na academia militar de West Point. Em abril, uma equipe de cadetes passou quatro dias batalhando sem parar a fim de estabelecer uma rede computacional e mantê-la em operação enquanto hackers da Agência Nacional de Segurança norte-americana (NSA na sigla em inglês), em Maryland, tentavam se infiltrar nela.

A competição fez parte de uma prova final de um curso optativo do último ano. Os cadetes, que eram graduandos em ciências da computação e tecnologia da informação, competiram contra equipes da Marinha, da Força Aérea, da Guarda Costeira e da Marinha Mercante. Cada equipe foi julgada segundo a forma como conseguiu afastar as ameaças.

Defesas cibernéticas

Os jogos de guerra cibernética em West Point são um exemplo da conscientização cada vez maior a respeito da necessidade de tratar a ameaça de um ataque por computador tão seriamente quanto a de um ataque realizado por meio de bombardeiros ou tropas.

Dificilmente há alguma unidade das Forças Armadas norte-americanas que não tenha recebido ordens para analisar o risco de ataques cibernéticos a suas missões -e para treinar meios de contraataque.

Se acontecer de os hackers alcançarem seus objetivos, eles poderão trocar informações por meio da rede e prejudicar as comunicações via internet.

No deserto localizado próximo à cidade de Las Vegas, em uma área cheia de trailers discretos, um grupo especial de hackers passa dias e noites vasculhando as enormes redes militares de computador atrás de qualquer fragilidade que possa ser explorada.

Esses hackers trabalham para o governo e têm acesso às últimas novidades em softwares de ataque -alguns deles foram desenvolvidos por especialistas em criptologia da NSA. Os hackers têm um nome oficial -o 57º Esquadrão Agressor de Informações (57th IAS, na sigla em inglês)- e uma sede real, a Base da Força Área em Nellis.

No ano passado, as Forças Armadas criaram o seu próprio espaço a fim de receber especialistas em computação, o Network Warfare Battalion (algo como Batalhão de Ações de Guerra na Rede), para o qual muitos dos cadetes que participam dos jogos de guerra cibernética esperam ser indicados. Mas o número de postos de trabalho ainda é pequeno.

Carência de cérebros

Atualmente, o Departamento de Defesa forma apenas 80 estudantes por ano em suas escolas de guerra cibernética. Isso fez Robert Gates, secretário de Defesa norte-americano, reclamar de que o Pentágono está "desesperadamente carente de pessoas que tenham habilidades nessa área em todos os setores, e nós devemos tratar de resolver isso".

Parte dos esforços do Pentágono a fim de aumentar o seu poderio militar são os jogos de guerra cibernética disputados nas academias militares nacionais, entre as quais West Point, onde jovens cadetes com botas de combate e cortes de cabelo bem curtos falam de megabytes em vez de megatons.

Na final dos jogos de abril, um grupo tinha de recuperar informações importantes que haviam sido parcialmente apagadas de um disco rígido.

Outros cadetes trabalhavam em grupo, como se estivessem consertando uma represa com vazamento, a fim de preservar o funcionamento geral do sistema enquanto hackers da NSA atacavam o mecanismo responsável por rodar um banco de dados fundamental e um servidor de e-mail.

Eles gritavam vários endereços de internet para que fossem inspecionados -e normalmente bloqueados- depois de terem recebido a autorização dos árbitros. E houve um momento em que Salvatore Messina, o cadete encarregado de comandar o grupo, teve de agir sem permissão dos árbitros porque o ataque havia sido tão intenso que não permitiu o envio de uma mensagem de e-mail.

Conhecimento vital

Os cadetes dessa sala são alvos de algumas piadas, mas um deles, Derek Taylor, disse que os soldados de hoje sabem que o domínio da tecnologia pode ser tão vital quanto a força bruta no momento de salvar vidas.

West Point leva a competição a sério. Os cadetes que ajudaram a instalar e proteger o sistema operacional precisaram de uma semana até conseguir ajustá-lo.

West Point saiu vitoriosa dos jogos. O que significa que a academia, que ganhou cinco das últimas nove competições, pode manter o troféu Directors Cup, exposto atualmente perto de uma máquina decodificadora Enigma, usada na Segunda Guerra Mundial pelos alemães.

A decifração do código da Enigma ajudou os Aliados a vencerem a guerra, e a máquina é uma lembrança do papel central que a tecnologia desempenha nas ações militares.

Tradução de FABIANO FLEURY DE SOUZA CAMPOS

O tecnólogo

Entre nós os cursos tecnológicos são tidos como novos. O que muitos não sabem é que, na verdade, eles começaram no Brasil há muito tempo atrás, mas precisamente a partir de 1808, com a vinda da família real, ano em que Dom João VI criou a Academia da Marinha e, dois anos, depois, a Academia Real Militar, além de instalar hospitais militares para funcionarem como escolas técnicas.

Por tanto, a educação brasileira começa com a educação tecnológica.

Mas apesar de um bom começo, ao longo desses dois séculos, vem persistindo na área educacional a separação entre trabalho e educação, devido talvez à divisão em duas classes, senhores de um lado e escravos do outro, à primeira reservando-se o ensino das Humanidades (saber pensar), e à segunda, o treinamento nas "artes e ofícios" (saber fazer), como mero adestramento.

Isso acabou por gerar outro engano, que é julgar a educação superior desvinculada do mundo do trabalho, como prova o fato de alguns cursos superiores mais tradicionais, como Direito, Medicina e Engenharia, serem considerados "acadêmicos", quando o que fazem é preparar para o mundo do trabalho.

Na verdade, após o nível médio, todos os cursos são profissionalizantes.

Os cursos tecnológicos têm no Brasil um longo percurso de avanços e recuos, que vão se sucedendo até 1988, ano em que é promulgada a Constituição Brasileira, que diz em um de seus artigos: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".

Logo depois, o Decreto Federal nº. 97.333 autoriza a criação do primeiro curso superior de tecnologia em hotelaria (SENAC) e, a partir daí, outros cursos passaram a funcionar em instituições públicas e privadas de todo o País.

Em 1996, a Lei 9.394, mais conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), trata em dois de seus artigos da Educação Profissional, e o Decreto 2208/97 estabelece três níveis para esta modalidade> básico, independente de escolaridade prévia, técnico, destinado à habilitação profissional de alunos ou egressos do ensino médio, e tecnológico, correspondente a cursos superiores na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico.

Embora as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível tecnológico tenham sido publicadas em 2002, um pouco antes, a Portaria 1647/99 regulamenta a criação dos Centros de Educação tecnológica na esfera privada. Porém, somente em 2001, as primeiras entidades educacionais particulares recebem autorização para funcional seus cursos.

Resumindo: os cursos de graduação tecnológica são de nível superior, de curta duração (dois a três anos), com foco nas necessidades do mercado, abertos a concluintes do ensino médio ou equivalente aos que já têm diploma universitário e querem se especializar, tendo sido criados para responder à demanda por preparação, formação e aprimoramento educacional e profissional, quando nem o mercado pode esperar tanto tempo por profissionais qualificados, nem estes querem despender quatro ou mais anos de sua vida em uma graduação convencional.

São ministrados nos Centros de Educação Tecnológica públicos (CEFETs) e privados (CETs), conferindo a seus concluintes o diploma de tecnólogo.

Tecnólogo é o profissional formado em consonância com as velozes transformações que ocorrem na "aldeia global" (McLuhan), em função do avanço das novas tecnologias e que impulsionam o desenvolvimento industrial, pedindo, a curto prazo, profissionais multi-especializados para atender à diversificação e complexidade do mundo do trabalho.

É necessário lembrar não se tratar de um "profissional intermediário", mas de um profissional capaz de desenvolver tarefas próprias de uma determinada área profissional. Enquanto bacharéis ou licenciados são formados para a concepção, com ênfase na parte teórica e em um largo espectro de atuação, o tecnólogo tem formação mais específica, voltada à gestão, desenvolvimento e difusão de processos tecnológicos.

Não se trata também de cursos "aligeirados" ou "diminuídos". As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Tecnológico, de acordo com cada área profissional, prevêem uma organização curricular com ênfase na gestão, inovação e difusão tecnológica, compreendendo cerca de 40% de conteúdos práticos, associados à formação teórica.

Os cursos tecnológicos contemplam, pois, pontos disciplinares e interdisciplinares que dão ao aluno sólida formação científica, embora em raio mais restrito, voltados à compreensão teórica das operações a executar em área e nicho de mercado bem determinados.

Mas, embora o campo de atuação seja mais específico, o aprofundamento dos conhecimentos (na visão de uma concepção de formação contínua), vão permitir ao tecnólogo transitar da escola para o mundo do trabalho, e deste para outros cursos sem dificuldades.

Quanto ao público-alvo, tanto para os egressos de cursos técnicos de nível médio que precisam complementar estudos como para profissionais que já estão no mercado e querem se aperfeiçoar, o Tecnológico é excelente opção. Aos egressos de cursos técnicos (cujos currículos estão em sintonia com o mercado de trabalho) interessa a graduação tecnológica por ser o caminho natural para o prosseguimento de sua formação em nível superior, mas também par aquém já está no mercado, o Tecnológico é ótima alternativa para valorizar seu currículo e formação profissional, aumentando as chances de acesso a melhores empregos e a uma ascensão mais rápida na carreira.

Talvez a principal diferença dos cursos de Educação Tecnológica em relação aos demais bacharelados esteja na proposta de formar especialistas, enquanto os demais cursos superiores objetivam formas generalistas.

Uma segunda particularidade é o foco, que possibilita formar o cidadão em área e mercado delimitados. Em geral, ao criar um curso dessa modalidade, a instituição faz uma prévia pesquisa do mercado local e/ou regional onde o curso foi autorizado a funcionar, e a partir deste levantamento, planeja a metodologia e o currículo adequados formar um tecnólogo com o perfil que o mercado espera para desempenhar funções em uma área específica. Por isso, torna-se mais fácil ao tecnólogo ingressar no mercado para o qual foi preparado.

Este "olho no mercado" se faz sentir na escolha do corpo docente. Normalmente, as instituições que ofertam cursos superiores de tecnologia apreciam muito o conhecimento de quem já trabalha no mercado, para garantir, ao longo do curso, a ênfase no trabalho. Por isso, costumam contratar uma parte dos docentes com larga experiência na área visada, e uma outra composta por mestre e doutores, para assegurar, de um lado, uma sólida formação científica e de outro, um efetivo conhecimento prático.

O terceiro diferencial é a agilidade. A globalização imposta pelas novas tecnologias (da comunicação e informação) atingiu em cheio o mercado de trabalho, especialmente o do Brasil (e de outros países "em desenvolvimento"), aí provocando profundas alterações e solicitando do trabalhador novas competências e habilidades. Os cursos tecnológicos, por serem mais rápidos, têm a mobilidade necessária para colocar os futuros trabalhadores, em tempo hábil e em boas condições, no mundo do trabalho, a fim de exercer funções multi-especializadas e que exijam flexibilidade cognitiva e operacional.

A agilidade e o foco específico vão permitir um menor investimento com possibilidades de um bom retorno. Por um lado, o Tecnólogo, ao privilegiar o foco no mercado, pode economizar o tempo de duração do curso e conseqüentemente fazer cair os cursos. Em outras palavras, o aluno vai fazer praticamente a meta do investimento que faria em cursos de bacharelado ou licenciatura. Isso não apenas na esfera privada. Também na esfera púbica, tempo mais curto representa custos reduzidos à metade, podendo-se oferecer dobro das vagas em relação ás ofertadas por cursos generalistas.

Outra particularidade da graduação tecnológica é a metodologia, direcionada a nichos não atendidos pela graduação tradicional, o que garante a boa receptividade de seus egressos. O aprendizado é voltado para o trabalho, visando áreas e setores específicos não atendidos pelo ensino tradicional. A metodologia contempla uma parte teórica básica, como no ensino superior tradicional, com a diferença de que, na parte profissionalizante, são focalizados pontos mais específicos da área profissional, ao contrário do ensino tradicional, cuja visão é generalista e abrangente. Ou seja, os objetivos do Tecnológico são diferentes dos demais cursos.

O Tecnológico facilita ainda a continuidade de estudos. Com exceção do currículo mais específico, tempo menor e metodologia mais flexível, a graduação tecnológica em nada difere das demais. O acesso a ela se dá da mesma maneira, por meio de vestibular, e o tecnólogo, ao final do curso, recebe u7m diploma em tudo equivalente ao de outros cursos superiores, podendo seguir adiante em sua formação, cursando uma especialização (lato sensu), ou mesmo pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), normalmente. Como em qualquer outro curso tradicional de graduação.

Por todos estes diferenciais, os cursos tecnológicos vieram para ficar e ajudar o País a ser não a potência do futuro, mas do presente.

* O autor é Presidente da Associação Nacional da Educação Tecnológica ? ANET e Diretor do Centro de Educação Tecnológica Jundiaí - SP, Professor Luiz Rosa.

terça-feira, 9 de junho de 2009

O Dia D - Parte I - Preparação

Os preparativos e dissimulações dos Aliados na organização do maior ataque anfíbio da história: o início da Operação Overlord

A invasão aliada da Normandia, partindo da Inglaterra, a 6 de junho de 1944, foi a maior operação anfíbia de todos os tempos. O comandante naval da operação, Almirante Sir Bertram Ramsay, que tinha uma aversão britânica à linguagem exagerada, disse a alguns dos seus comandantes, a 3 de junho, que lamentava os superlativos, mas daquela vez eram todos cabíveis.

“Overlord” o nome em código da invasão, tinha que ser diferente, tanto em proporções como em características, de qualquer ataque anfíbio anterior. Os alemães tinham então 59 divisões na França. Muitas, é verdade, estavam abaixo de sua força ou eram de um valor militar duvidoso. Por outro lado, a rapidez com que os Aliados podiam desembarcar tropas era limitada.

O plano original, elaborado pelo General Sir Frederick Morgan, previa um desembarque no primeiro dia de três divisões. Posteriormente o General Eisenhower, comandante supremo, e o General Montgomery, comandante de campo, decidiram que uma frente de apenas três divisões seria muito pouco. Os planos teriam que ser modificados a fim de que cinco divisões pudessem ser desembarcadas no primeiro dia. Isso exigia a concentração de um número maior de barcaças de desembarque, o que provocou o adiamento de um mês dos desembarques na Normandia e tornou impossível o plano original de um desembarque simultâneo no sul da França.

Eisenhower e Montgomery queriam que mais homens fossem desembarcados no primeiro dia porque, teoricamente, os alemães poderiam enviar reforços à área atacada, rapidamente, mantendo ali tropas que, pelo menos inicialmente, seriam superiores às dos Aliados. Assim, por melhor que as tropas aliadas conquistassem e consolidassem a sua cabeça-de-ponte, poderiam ser contidas antes de avançarem o suficiente para dar espaço ao desembarque dos seus próprios reforços.

Para impedir tal possibilidade, os estrategistas aliados primeiro organizaram e desfecharam intensos e prolongados ataques aéreos ao sistema francês de comunicações. Providenciaram também a construção de portos móveis que pudessem ser levados até as praias da Normandia, a fim de garantir que os suprimentos não fossem prejudicados pelo mau tempo. Imaginaram até um meio de instalar oleodutos sob o Canal da Mancha, a fim de acelerarem o fornecimento de combustível.

Os preparativos foram amplos e meticulosos. Embora algumas coisas falhassem - um dos portos artificiais, por exemplo, ficou completamente avariado -, o esquema de um modo geral funcionou perfeitamente. No momento decisivo, os Aliados puderam reforçar as suas tropas na Normandia muito mais depressa pelo mar do que os alemães conseguiram reforçar as suas por terra. E essa era a primeira das condições essenciais ao sucesso da invasão dos Aliados.

A segunda era manter o inimigo na incerteza. Os alemães estavam defendendo toda a costa da França. Mas era fundamental que eles não vissem qualquer razão para concentrar mais tropas na Normandia do que em outro setor qualquer. Em parte por causa das medidas de segurança rigorosas, em parte graças a subterfúgios, em parte, porque tiveram muita sorte, os Aliados mantiveram os alemães em dúvida até o fim.

Era impossível, é claro, esconder dos alemães que a invasão seria desfechada em algum momento do ano de 1944, na costa francesa. A invasão já fora, de certa forma, revelada publicamente e não se podia esconder que havia um grande exército concentrado no sul da Inglaterra. Mas, recorrendo à censura mais rigorosa, estendendo-a inclusive aos telegramas diplomáticos, os Aliados conseguiram ocultar completamente o verdadeiro destino dessas tropas.

A esta altura da guerra, a superioridade aérea aliada tornara impossível que a Luftwaffe realizasse qualquer reconhecimento aéreo sistemático sobre a Inglaterra. A oeste do Kent então, não havia absolutamente qualquer reconhecimento aéreo. As previsões alemãs de que os desembarques ocorreriam num ponto ou em outro eram baseadas quase que exclusivamente em meros pressentimentos. Von Rundstedt, o comandante supremo alemão na frente ocidental e a esta altura já promovido a marechal-de-campo, achava que os Aliados iriam efetuar a invasão através do estreito de Dover, porque ali a distância a ser percorrida era a menor que havia. Por conseguinte, ele fortificou o Passo de Calais mais do que qualquer outro setor. Se fosse por ele apenas, nenhum outro setor seria fortificado.

Mas só que ele não estava sozinho. Em janeiro de 1944, Hitler designara Rommel, agora também marechal-de-campo, para assumir o comando do Grupo de Exércitos B, responsável pela defesa da costa norte da França, com ordens expressas para repelir a invasão. Rommel previu, corretamente, que os alemães não poderiam reforçar o setor invadido da costa, qualquer que fosse, com a rapidez e a facilidade necessárias. Ele compreendia, ao contrário provavelmente de Von Rundstedt, que a superioridade aérea aliada sobre a França privara o Exército alemão de sua mobilidade. As ferrovias estavam sendo bombardeadas. As rodovias só podiam ser transitadas durante a noite. Rommel concluiu que Von Rundstedt estava vivendo no passado e começou então a fortificar aceleradamente todas as praias. Rommel achava que o período em que os alemães teriam mais probabilidades de derrotar uma invasão era o das 48 horas seguintes ao primeiro desembarque. Mas ele ainda não sabia onde seria o primeiro desembarque.

Os Aliados esforçaram-se ao máximo para garantir que a sua ignorância continuasse. Durante a primavera de 1944, o serviço secreto inglês lançou diversas iscas para os alemães, iscas que foram mordidas por diversas vezes. O quartel-general de Montgomery era em Portsmouth, mas seu centro transmissor de rádio ficava a 150 quilômetros a leste, no coração do Kent. Este subterfúgio simples visava a confirmar a opinião errada de Von Rundstedt de que o desembarque aliado seria mesmo no Passo de Calais. Falsos planadores foram colocados em aeródromos no sudeste da Inglaterra, a única região do país que os aviões de reconhecimento da Luftwaffe ainda conseguiam fotografar. Falsas barcaças de desembarque foram ancoradas em portos do sudeste; insinuaram-se pistas, em lugares onde os alemães poderiam ouvi-las, de um “Grupo de Exércitos de Patton” que estaria prestes a atravessar o Estreito de Dover (ou Passo de Calais, como é chamado do lado francês).

Assim despistados, os comandantes alemães elaboraram uma série de teorias, todas elas erradas. Hitler acreditava que a invasão principal seria ao norte, no Passo de Calais, mas que haveria antes uma manobra diversionista na Normandia. Von Rundstedt apegava-se à sua teoria de que o ataque seria no Passo de Calais e tão-somente no Passo de Calais. Rommel concordava com Hitler quanto à manobra diversionista na Normandia, mas só que achava que seria também um ataque de grande envergadura. Em nenhum momento, contudo, os alemães deixaram de acreditar que o ataque principal seria no Passo de Calais ou em algum ponto ao norte do Somme. Até o final eles mantiveram todo o seu XV Exército no Passo de Calais, inativo, mas alerta, até muito depois de a invasão ter sido iniciada.

Enquanto o XV Exército se preparava para defender o Passo de Calais até a morte e enquanto a Luftwaffe conseguia, de vez em quando, fotografar os aeroportos de Kent, as verdadeiras forças de invasão estavam sendo concentradas no sudoeste da Inglaterra, ao sul de Gales, na área de Southampton-Portsmouth, onde a Luftwaffe não conseguia penetrar.

Enquanto Rommel fortificava as praias, com obstáculos destinados a deter as barcaças de desembarque, a explodir os tanques e a conter a infantaria, Montgomery e Eisenhower estavam alterando seus planos, a fim de superarem os novos riscos. Os obstáculos submarinos de Rommel tinham sido colocados entre as marcas da maré alta e da maré baixa. Se o desembarque fosse efetuado durante a maré alta, um grande número de barcaças poderia ser destruído. Se, por outro lado, os desembarques fossem efetuados durante a maré baixa, quando os sapadores teriam condições de abrir um caminho seguro por entre os obstáculos que estariam então visíveis, a infantaria teria que atravessar um trecho bem maior de praia a descoberto, quase certamente sob o fogo cerrado dos defensores. Para superar esse risco, Montgomery decidiu que a vanguarda do ataque seria formada por tanques. Mas para isso ele precisava de um novo tipo de tanque - um tanque que pudesse nadar.

O homem que tornou isso possível foi o Major-General Hobart, um dos mais inventivos soldados ingleses, cujo gênio e alegria era ensinar novos truques a velhas máquinas. O seu tanque DD podia mover-se tanto na água como em terra. Seu tanque de mangual carregava uma estrutura monstruosa à frente das lagartas, que detonava as minas antes que o próprio tanque passasse sobre elas. Hobart também inventou e produziu um tanque de lagarta mais larga, que podia andar perfeitamente sobre areia macia ou sobre barro. Eram máquinas novas e estranhas, que desmantelaram as defesas de Rommel no dia 6 de junho.

O local escolhido para o desembarque foi a baía do Sena. Se Rommel, Von Rundstedt e Hitler tivessem dirimido as suas diferenças e eliminado seus preconceitos, teriam compreendido que era aquele o único local da costa da França onde os Aliados poderiam desembarcar cinco divisões simultaneamente. A entrada da baía, do Cabo d’Antifer à Ponta de Barfleur, tem 58 milhas náuticas de largura. Não existem obstáculos naturais na baía, exceto as ilhas de Saint Marcouf, perto da praia ocidental. As marés não são violentas. Embora a praia ao leste, entre o Cabo d’Antifer e a embocadura do Sena, seja dominada por colinas, a maior parte da terra por trás das praias ao fundo da baía, onde os desembarques ocorreriam, é relativamente plana.

Na primavera de 1944, a Marinha Real começou a preparar a baía para o desembarque: com uma atenção quase terna pelo terreno em que as tropas iriam lutar. Tripulantes de submarinos-de-bolso e comandos ali desembarcaram durante a noite, sem qualquer dificuldade, a fim de examinar as defesas e colher amostras da areia e do barro da região, para que o General Hobart pudesse preparar convenientemente os seus tanques. Durante a segunda metade do mês de maio, lanchas torpedeiras (MTB), partindo de Portsmouth, colocaram diversos campos de minas em torno do Cabo d’Antifer e da embocadura do Sena, de um lado, e ao redor da Ponta de Barfleur, do outro, a fim de evitar que a Marinha alemã pudesse atacar a frota de invasão, partindo do Havre, Cherbourg ou qualquer outro porto ao sul e ao norte do canal da Mancha. As minas foram ajustadas para entrarem em funcionamento a 5 de junho, data marcada para a invasão. Desde 1941 que as MTB estavam colocando minas nas águas dominadas pelo inimigo sem serem descobertas. E desta vez o inimigo nunca soube da existência, ali, das minas.

A tarefa final era abrir uma passagem no campo de minas alemão que se estendia pelo meio do Canal da Mancha, do sul da ilha de Wight até o meridiano de Calais. Quase todas as seções desse campo de minas já ali estavam há dois anos. Cada seção representava uma noite de trabalho das flotilhas de colocação de minas dos alemães. Havia intervalos entre as seções, porque os alemães não confiavam em sua própria navegação para retomarem o trabalho da noite anterior exatamente no ponto em que o haviam deixado. As flotilhas costeiras inglesas, que operavam no lado continental do Canal da Mancha, haviam descoberto essas brechas e usavam-nas desde 1942. Mas eram brechas não marcadas e que não tinham mais do que uma milha de largura, o que é o suficiente para uma flotilha de lanchas, mas não para uma frota de invasão de cinco mil navios. A Marinha teria que alargar tais passagens. Era uma operação de grande envergadura, que não poderia ser realizada sem o conhecimento do inimigo. Ou, pelo menos, sem o risco de o inimigo descobrir que se estava efetuando uma operação de remoção de minas e prontamente tirasse as conclusões certas. As minas ancoradas tinham que ser removidas à luz do dia, pois assim que os cabos eram cortados elas vinham à tona, tendo que ser imediatamente destruídas a tiros de rifle, para que não se transformassem numa ameaça à deriva ao invés de uma ameaça estacionária. Assim, os encarregados pela remoção das minas tiveram que começar a trabalhar na tarde do dia anterior ao fixado para a invasão. Abriram dez largos canais ao largo da ilha de Wight, chegando perto da costa da França antes do escurecer. Ninguém parece tê-los notado. Ou, se foram vistos, ninguém tirou as conclusões corretas. Esse foi o primeiro golpe de sorte dos Aliados.

Ramsay podia preparar o terreno para a invasão, mas não podia preparar devidamente o tempo. As condições principais para o desembarque eram que a maré chegasse ao ponto médio quarenta minutos depois do amanhecer, que as nuvens não fossem espessas demais a ponto do impedir os bombardeiros e que os ventos de superfície não excedessem a velocidade de 22-29 quilômetros por hora, a fim de que o mar estivesse relativamente calmo. As limitações eram de fato muito grandes. As condições da maré, por exemplo, só aconteciam durante três dias em cada mês lunar. O tempo, portanto, é que era a verdadeira incógnita.

Os preparativos de Ramsay ao longo do mês de maio foram favorecidos por pressão alta estável nos Açores, fazendo com que o tempo no Canal da Mancha se mantivesse firme. Eisenhower escolhera a segunda-feira, 5 de junho, como a data para a invasão, um dos três dias do mês em que as condições da maré seriam favoráveis. Mas, nos dias 2 e 3 de junho, a pressão alta nos Açores começou a desintegrar-se. O meteorologista de Eisenhower, Capitão Stagg, da RAF, aconselhou o adiamento.

O resultado de uma das mais formidáveis operações dos Aliados durante a guerra dependia do julgamento do Capitão Stagg.

Deve ter sido para ele um momento de tensão terrível, especialmente porque o tempo em Portsmouth continuava maravilhoso. As mudanças de tempo que ele estava prevendo ainda estavam ocorrendo a centenas de milhas de distância, quase no meio do Atlântico, Mas Stagg estava certo. Na tarde de domingo, 4 de junho, começou a ventar forte em Portsmouth. As forças de invasão, que já haviam zarpado de suas bases na Escócia, em Gales e no oeste da Inglaterra, tiveram que voltar, para se porem ao abrigo do vento oeste. Naquela mesma noite de domingo, a frente de tempestade já estava passando além de Portsmouth. Stagg informou então a Eisenhower que previa, na noite de segunda para terça-feira, nuvens não muito espessas e um vento amainado. Acrescentou que, em sua opinião, seria esse o melhor tempo que haveria no decorrer da semana. De qualquer modo, a maré da quarta-feira não seria absolutamente favorável. Eisenhower teria que escolher entre a terça-feira ou esperar mais três semanas para a invasão. Ele optou pela terça-feira. Durante a noite de 5 para 6 de junho, lançou uma primeira onda de ataque de 60 mil homens nas praias, duas divisões inteiras de pára-quedistas, numa das maiores operações aéreas da guerra. E fez também uma tentativa final e bem sucedida de enganar o inimigo, levando-o a esperar que as forças de invasão se estivessem dirigindo para o norte do Somme.

Agora que o momento chegara, que a invasão se achava a caminho: era impossível aos Aliados ocultar o fato de que cinco mil navios estavam no mar. Durante toda a noite uma força considerável de aviões deixou cair ao norte do Cabo d’Antifer, uma “cortina” (N.T. “Window”), pequenas tiras de papel prateado que eram captadas pelo radar do inimigo. A “cortina” tinha por objetivo fazer com que o inimigo pensasse que uma grande frota invasora estava seguindo, com cobertura aérea, para o leste do Cabo d’Antifer, onde seria efetuada a invasão, enquanto os aviões procuravam evitar que fosse localizada pelo radar. No mar, na mesma área sobrevoada pelos aviões, trinta pequenos navios de guerra rebocavam imensos balões, para simular os ecos de radar produzidos por grandes navios, transmitindo também um fluxo intenso e constante de sinais de rádio e até mesmo emitindo uma “operação militar sônica”, através de alto-falantes. Manobras semelhantes foram executadas mais ao norte, ao largo de Boulogne. E houve bombardeios intensos ao sistema de comunicações entre Dieppe e Calais.

Todas essas manobras ajudaram a manter o inimigo em dúvida, mas provavelmente o fator mais importante foi a previsão do tempo feita por Stagg. O seu equivalente alemão em Paris, Major Lettau, também verificara a mudança de pressão nos Açores. Previra também, corretamente, que o tempo seria péssimo na noite de domingo, 4 para 5 de junho. Confiando em sua informação, Rommel deixou o seu quartel-general em Paris para passar o fim-de-semana com a família, em sua casa nas proximidades de Ulm. Lettau não previu, contudo, ao contrário de Stagg, que o tempo estaria melhor na terça-feira. Na segunda-feira, muito embora a força invasora já se estivesse pondo a caminho, o estado-maior de Rommel não informou haver qualquer indício de uma invasão iminente, embora admitisse que não houvera reconhecimento aéreo sobre qualquer porto britânico, à exceção de Dover. As manobras de ilusão efetuadas ao norte do Cabo d’Antifer também deram resultados positivos. Os responsáveis pelos radares alemães acharam que seus aparelhos estavam com defeito. Ao final do dia 5 de junho, segunda-feira, quando os navios e aviões começaram as suas manobras diversionistas ao largo do Cabo d’Antifer, o estado-maior de Rommel determinou que o XV Exército ficasse de prontidão para repelir o invasor. Mas o XV Exército estava estacionado no norte da França, no Passo de Calais. Os invasores estavam realmente a caminho, mas se dirigiam a outro lugar. O alerta não foi transmitido ao VII Exército alemão, que iria defrontar-se com os invasores, quando desembarcassem nas praias da baía do Sena, pela manhã.

FONTE: Grandes Guerras / Mundo em Guerra - Mark Arnold-Foster - Record FOTOS: Wikipedia

China torna-se segundo país que mais gasta em armas

ESTOCOLMO - A China possui o segundo maior orçamento militar bruto do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, revela o relatório anual do Instituto de Pesquisa de Paz Internacional de Estocolmo (conhecido pelas iniciais Sipri), divulgado nesta segunda-feira, 8, na capital sueca.

Veja também:
Gastos com armamentos na América do Sul cresceram 50% em uma década, diz estudo



Os gastos globais com armas aumentaram 4% no ano passado, mas os orçamentos militares dos Estados Unidos e da China aumentaram mais do que o dobro da média mundial, de acordo com o levantamento do Sipri. Em 2008, os gastos militares chineses aumentaram 10%, alcançando 84,9 bilhões. Ainda assim, as despesas da China com armas são mais do que sete vezes menores dos que as dos EUA.
O orçamento militar norte-americano cresceu 9,7% no ano passado, chegando a US$ 607 bilhões. Sozinhos, os EUA foram responsáveis por quase 42% dos gastos totais com armas no mundo, que alcançaram US$ 1,4 trilhão em 2008.
A França assumiu o terceiro lugar no ranking de gastos militares, passando por pouco a Grã-Bretanha, que em 2008 foi o segundo país a mais gastar em armas no planeta. A Rússia está em quinto lugar.
O relatório do Sipri observa a probabilidade de a situação no Afeganistão piorar e adverte que as expectativas positivas geradas pela estratégia do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para a região talvez sejam exageradas demais. Ao mesmo tempo, prossegue o documento, uma saída apressada das forças estrangeiras acarretariam o risco de tornar a situação no país perigosamente instável.
O Sipri avalia que o objetivo de Obama de dar menos ênfase a soluções militares e mais ao desenvolvimento político é inconsistente com a decisão de enviar mais tropas de combate ao Afeganistão ao longo dos próximos dois anos. O instituto prevê que Obama enfrentará dificuldades com a retirada de tropas do Iraque e com a mudança na forma como os EUA lidam com a comunidade internacional e buscam o desarmamento nuclear.
"Estes e outros desafios podem ser exacerbados pelos efeitos da crise financeira internacional, uma vez que países-chave podem ter dificuldade em demonstrar vontade política e econômica para lidar coletivamente com problemas de segurança regionais e globais", conclui o relatório.

Gastos com armas crescem 50% na América do Sul em 10 anos

GENEBRA - A corrida do Brasil por se tornar uma potência regional, aliado aos gastos do governo colombiano com armamentos, fez com que o dinheiro gasto com armas na América do Sul tenha sofrido um aumento de 50% em apenas dez anos. Os dados foram publicados nesta segunda-feira, 8, pelo Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo.

A alta nos gastos militares da região estaria sendo gerada pela "corrida do Brasil pelo status de potência regional", além do aumento dos gastos da Colômbia para lidar com as Farc. Em termos mundiais, 2008 registrou um recorde absoluto em termos de recursos para o setor militar. Nunca na história o mundo gastou tanto com armas como no ano passado. Foram US$ 1,4 trilhão, uma alta de 45% em relação aos últimos dez anos. No total, o mundo gastou 2,4% de sua riqueza para a compra de armas. O valor seria equivalente ao gasto de US$ 217 por habitante.

Nos últimos anos, a guerra no Iraque o conflito no Afeganistão já custaram US$ 903 bilhões aos cofres americanos. Os Estados Unidos ainda são os líderes nos gastos militares em 2008, representando 41% de tudo o que foi usado para a compra de armas. Mas, pela primeira vez, a China está na segunda posição entre os países que mais gastaram com armas em 2008. Em dez anos, Pequim quadruplicou seus investimentos militares. Os chineses representaram 6% dos gastos mundiais.

Eis uma lista dos dez países que mais gastaram armas no mundo em 2008, de acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa de Paz Internacional de Estocolmo (conhecido pelas iniciais Sipri).

Os países que mais gastaram (em bilhões de dólares):

1. Estados Unidos: 607;
2. China: 84,9;
3. França: 65,7;
4. Reino Unido: 65,3;
5. Rússia: 58,6;
6. Alemanha: 46,8;
7. Japão: 46,3;
8. Itália: 40,6;
9. Arábia Saudita: 38,2;
10. Índia: 30.
11. Coreia do Sul: 24,2
12. Brasil: 19,3

Os 10 maiores vendedores de armas em 2007 (em bilhões de dólares):

1. Boeing (Estados Unidos): 30,5;
2. BAE Systems (Reino Unido): 29,9;
3. Lockheed Martin (Estados Unidos): 29,4;
4. Northrop Grumman (Estados Unidos): 24,6;
5. General Dynamics (Estados Unidos): 21,5;
6. Raytheon (Estados Unidos): 19,5;
7. EADS (Europa Ocidental): 13,1;
8. L-3 Communications (Estados Unidos): 11,2;
9. Finmeccanica (Itália): 9,9;
10. Thales (França): 9,4.

domingo, 7 de junho de 2009

Brasil à venda


MATO GROSSO No Estado, pelo menos 800 mil hectares pertencem a estrangeiros


Cada vez mais interessados no Brasil, os investidores estrangeiros estão hoje especialmente atentos a um alvo: as terras nacionais. Durante sua visita à Arábia Saudita, no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido por anfitriões interessados em produzir alimentos no Brasil. Para concretizar esse projeto, querem comprar terras agrícolas brasileiras, como já fizeram em outras partes do mundo.

O território nacional é visado pelo programa batizado como Iniciativa do Rei Abdullah para o Investimento na Agricultura no Exterior. Lançado em 2008 pelos sauditas, o empreendimento busca a autossuficiência alimentar, por meio da compra ou aluguel de latifúndios em nações com recursos naturais abundantes, para importar a produção. Esse é um movimento mundial: países com poucas áreas cultiváveis adquirem solos estrangeiros para produzir alimentos e importá-los.

"O principal agente motivador desse movimento é o medo causado pelo recente aumento dos preços dos alimentos", diz David Hallam, diretor da divisão de comércio e mercados da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em Roma. "Depender dos mercados mundiais para o abastecimento de comida e matéria-prima ficou mais arriscado", conclui Hallam.

Uma pesquisa recente do Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês), baseado em Washington, nos Estados Unidos, revela que os investidores estrangeiros arremataram entre 15 milhões e 20 milhões de hectares de terras no exterior desde 2006, em operações que podem chegar a US$ 30 bilhões.

As negociações são feitas por empresas e fundos de investimento ou diretamente entre governos. Nessa corrida internacional, os principais compradores têm muito capital e pouca terra, como os países do Golfo, ou uma população grande, como a China, a Índia e a Coreia do Sul. Os vendedores são nações em desenvolvimento onde os custos da produção e do solo são muito mais baixos - a maior parte está na África, mas o Brasil compõe a lista.

"O investimento estrangeiro traz renda, gera empregos e desenvolvimento", defende Anaximandro Doudement Almeida, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária. Mas especialistas defendem que o Brasil tenha maior controle sobre essas transações. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contabiliza quatro milhões de hectares de terras agrícolas brasileiras registrados em nome de estrangeiros. Como muitos proprietários não declaram a nacionalidade no registro em cartório, essa extensão pode ser ainda maior. "Estimo que seja no mínimo três vezes mais", diz Rolf Hackbart, presidente do Incra.

Do total registrado, mais da metade está na Amazônia, e o Mato Grosso é o Estado com a maior área nas mãos de estrangeiros: pelo menos 800 mil hectares. Segundo Hackbart, a procura internacional por terras agrícolas voltou a crescer recentemente. "Recebi várias delegações da China querendo comprar áreas no Brasil ou se associar a grupos nacionais para produzir alimentos e biocombustível", diz. Corretores especializados confirmam um reaquecimento nessa procura, após um período de queda com a crise econômica mundial iniciada no ano passado.

Para que estrangeiros comprem imensas áreas no Brasil basta abrir uma empresa brasileira com capital estrangeiro ou associar-se a grupos nacionais. "Temos que criar novas regras", reclama Hackbart, apontando as limitações já existentes para cidadãos estrangeiros e empresas constituídas no Exterior. Um parecer limitando a venda de terrenos a empresas brasileiras com capital estrangeiro está na Advocacia- Geral da União para análise desde agosto, sem previsão de desfecho.

Mesmo nos casos de venda direta a estrangeiros, o controle governamental é falho. "Tem até site estrangeiro na internet vendendo terra pública na Amazônia", alerta Hackbart. Na rede, é possível encontrar alguns classificados internacionais oferecendo imóveis agrícolas. Um deles anuncia: "O interior do Brasil é livre de intrusões governamentais como a fiscalização dos códigos de ocupação do solo, zoneamento e outros aborrecimentos."

"Esses (o solo) são os recursos naturais mais preciosos. Há um risco político imenso", diz Alexandra Spieldoch, do Instituto para Políticas de Agricultura e Comércio, em Minneapolis, nos EUA. A investida agrícola internacional chama a atenção pelo tamanho. No Sudão, 690 mil hectares pertencem à Coreia do Sul, 400 mil hectares são dos Emirados Árabes e o Egito tem área semelhante. A China obteve o direito de usar 2,8 milhões de hectares no Congo e está negociando terras em Zâmbia.

Em janeiro, na Arábia Saudita, o rei Abdullah promoveu uma curiosa cerimônia: celebrou o recebimento dos primeiros grãos de arroz "saudita" produzidos no exterior. Vieram da Etiópia, onde o país está investindo US$ 100 milhões na plantação de arroz, trigo e cevada. Um fundo de investimentos de US$ 800 milhões, criado pelo governo saudita, está financiando o cultivo de arroz, trigo, cevada e milho em outros países, além da criação de animais. Os objetivos sauditas são claros. Mas no Brasil, até agora, não se sabe sequer o tamanho da presença estrangeira.

''EUA temiam invasão nazista no Brasil''

Para o pesquisador americano Frank McCann, a contribuição feita pelo Brasil ao esforço aliado durante a 2ª Guerra Mundial foi maior do que se imagina. As bases americanas instaladas em território brasileiro, afirma, foram fundamentais para os aliados na África, na ex-União Soviética e até na China durante o conflito, que poderia ter tido outra história se elas não existissem.

McCann lembra ainda que os Estados Unidos chegaram a temer que, assegurado o norte africano, os alemães atravessassem o Atlântico para invadir o Brasil, com apoio de revoltas das comunidades germânicas e italianas do Sul do país.

O pesquisador também relata que ocorreu, na 2ª Guerra, um choque de culturas, no qual os norte-americanos tiveram uma visão negativa dos brasileiros por causa da falta de condições de saúde dos soldados do Brasil.

Segundo ele, após o fim da Guerra Fria, e desde que foi superada a tensão que precedeu o rompimento, em 1977, do acordo militar de 1952, há mais respeito mútuo entre os dois países. "Havia alguma suspeita entre oficiais brasileiros de que os americanos estavam interessados demais na Amazônia", disse McCann. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por ele ao Estado:

O senhor diz que o Brasil na 2ª Guerra foi um dos primeiros exemplos do uso de civis em projetos militares. Como isso ocorreu?

Eu estava me referindo à construção das bases aéreas. Os militares americanos não poderiam fazê-lo, então foram à Pan American Airways, cuja subsidiária Pan Air do Brasil foi encarregada de obter as terras, os trabalhadores, e organizar as construção. O contrato da Pan Am com o Exército dos EUA estabelecia que construiria bases de Miami a Natal e então, através da África, de Dacar à Somália. Quando a Europa estava sob domínio alemão, e os japoneses dominavam o Pacífico, essa rede abasteceu os britânicos no Norte da África, a União Soviética e até o crucial teatro da China, Burma e Índia. Sem as bases brasileiras, a Segunda Guerra Mundial teria tido uma história diferente.

Qual foi o peso que teve, para a entrada do Brasil na guerra, a Operação Pote de Ouro, invasão planejada do Nordeste por 100 mil americanos para garantir a área para as operações dos EUA?

Não acredito que tenha tido alguma influência na tomada de decisão. Franklin Delano Roosevelt e o Exército americano não desejavam combater brasileiros. Em vez disso, temiam que a Alemanha, após assegurar o norte da África, lançasse um ataque no Nordeste brasileiro e que as comunidades alemãs e italianas no Sul se revoltassem em apoio ao esforço alemão. A vitória alemã contra a França e o ataque aéreo à Grã-Bretanha assustaram todo mundo.

Houve um choque de culturas entre brasileiros e americanos na 2ª Guerra?

O Brasil deu aos americanos uma visão negativa do País. Grandes recursos, maravilhosa hospitalidade, mas uma população doente. Embora o intenso treinamento tenha irritado alguns oficiais brasileiros, não era diferente daquele aos quais os soldados americanos eram submetidos. A regra era simples, soldados subtreinados poderiam logo ser mortos. Minha impressão é que oficiais como Castello Branco logo entenderam que o contínuo treinamento era necessário.

Por que a FEB teve apenas 25 mil homens? O que faltou? Dinheiro?

Não, foi simplesmente uma questão de não ter homens jovens saudáveis em número suficiente. Um dos problemas foi que o processo decisório no Brasil era muito lento. As decisões certas foram tomadas muito tarde para tirar vantagens das oportunidades que passavam rapidamente. Se o Brasil tivesse estado pronto para enviar suas forças em 1943 como parte da campanha no Norte da África, mesmo que tivesse tido somente um par de divisões, seu status teria sido diferente.

Como ficou a relação Brasil-EUA na área militar após o fim da Guerra Fria?

Acho que há mais respeito mútuo. Havia alguma suspeita entre oficiais brasileiros de que os americanos estavam interessados demais na Amazônia. O Brasil negou permissão para pouso aos EUA em alguns campos em Roraima no fim dos anos 80, mesmo em missões humanitárias. E, com pelo menos um treinamento envolvendo paraquedistas brasileiros em Roraima, os EUA foram advertidos para que mantivessem distância. Recentemente, o Brasil lançou um extenso programa de compras militares. Comprou equipamentos da Rússia e da França.

Os americanos continuarão distantes ou Obama poderia mudar esse quadro?

Ouvi que o presidente Obama estava impressionado com o presidente Lula. Mas ficaria surpreso se ele tivesse uma ideia clara sobre o que o Brasil é hoje. Espero que ele venha logo e consiga ver muito do País. Como regra, os americanos têm poucas ideias concretas sobre o Brasil. Quanto mais Obama ver, melhor será.

País foi chamado a ocupar a Áustria

Um dos mais prestigiados pesquisadores das relações militares entre americanos e brasileiros, o historiador Frank McCann, da Universidade de New Hampshire, revela que o Brasil recusou gestões dos EUA para participar da ocupação aliada da Áustria após a 2ª Guerra (1939-1945). A sugestão, rejeitada por motivos ainda hoje não esclarecidos, poderia, se aceita, ter modificado substancialmente o papel brasileiro nas relações internacionais no pós-guerra e facilitado o caminho para o País obter a almejada cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, acredita o professor. Ele vai comentar suas pesquisas sobre o assunto no I Seminário de Estudos sobre a Força Expedicionária Brasileira (FEB), dia 15, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ).

"O general (Mark) Clark (comandante aliado na Itália) foi mandado para a Áustria como chefe de ocupação e, conhecendo os brasileiros, pensou que seria interessante tê-los", revela o historiador, autor de Soldados da Pátria - História do Exército Brasileiro 1889-1937 (Companhia das Letras). "Mas, sem documentos, não posso dizer por que o Brasil não entrou nisso. Não sei até que nível o governo brasileiro foi consultado."

O historiador ainda procura pelos relatórios anuais de atividades do Exército de 1945 e 1946, nos quais espera achar pistas do motivo da recusa. Os volumes são os únicos que não estavam nem na Biblioteca do Exército, nem em seu Arquivo, nem em seu comando, em Brasília.

McCann conta que, no imediato pós-guerra, os americanos desmobilizaram rapidamente suas tropas na Europa. Para a ocupação, seria necessário recrutar mais gente, por meio de convocação de cidadãos dos EUA. Os militares que combateram não foram os mesmos que depois ocuparam o território europeu. Nesse panorama, o comando aliado lembrou que, dos 25 mil pracinhas enviados pelo Brasil à Itália, 10 mil, por falta de tempo para receber o treinamento, não entraram em combate - tinham passado o tempo no ciclo de instrução preparatória. No fim do confronto, foram consideradas tropas "descansadas", logo, prontas para participar da ocupação.

"Durante a guerra, uma divisão não era grande coisa, mas, como os EUA se desmobilizaram muito rapidamente, uma divisão brasileira na Europa após a guerra teria sido, sim, grande coisa, de fato", diz ele.

A Áustria teve importância central no conflito. Remanescente do Sacro Império Romano Germânico e do Império Austro-Húngaro sob a Dinastia Habsburgo, além de terra natal do ditador nazista Adolf Hitler, o país foi anexado pelos alemães em 1938, como parte da tentativa de construir a "Grande Alemanha" sob o 3.° Reich. Após a 2ª Guerra, foi dividida entre EUA, Grã-Bretanha e URSS, que permitiram que os austríacos formassem um governo provisório. Os aliados estabeleceram que o país seria separado da Alemanha e não poderia aderir a tratados militares, o que a levou à neutralidade na Guerra Fria. Em 1955, sua ocupação foi suspensa.

O pesquisador relata ainda que o diplomata Vasco Leitão da Cunha ouviu, em Roma, que o general britânico Harold Alexander teria dito: "O brasileiro é um belo soldado. Lamento saber que eles querem voltar para casa e não ir para a Áustria." Leitão da Cunha, relata, telegrafou para o Itamaraty dizendo que "o Brasil tinha de ficar", ouvindo como resposta: "Isso é cavação deles para ganhar ouro." O Brasil temeria pagar despesas da ocupação.

McCann diz ainda que o comandante do 4º Corpo do 5º Exército dos EUA, do qual a FEB era parte, general Willis Crittenberger, consultou o então coronel Castello Branco (que, em 1964, seria o primeiro presidente do regime militar) sobre a possibilidade de o Brasil participar da ocupação da Itália, em 10 de maio de 1945 - pouco depois do Dia da Vitória, quando a Alemanha se rendeu.

"Castello disse algo sobre o Brasil não participar do conselho aliado para governar a Itália, então não deveria ter tropas envolvidas", diz. "Acho que, se o Brasil tivesse participado da ocupação, teria ganho o assento no novo Conselho de Segurança e no pós-guerra teria tido um status muito, muito maior."

ENCONTRO

O I Seminário de Estudos sobre a FEB será promovido pelos Programas de Pós-Graduação em História Social das universidades federais do Rio de Janeiro e de Londrina e terá dez sessões temáticas.

Além de McCann, participarão do encontro os pesquisadores Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas, José Murilo de Carvalho, da UFRJ, e Vagner Camilo, da Universidade Federal Fluminense, entre outros. O evento será no IFCS/UFRJ,no Largo de São Francisco, 1, no Centro do Rio.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A fronteira da tecnologia

Em um dos primeiros testes com o sistema fly-by-wire, criado para a Força Aérea norte-americana, o avião, um F-16, caiu, matando o piloto. Entre essa primeira vítima e o desastre com o vôo 447, da Air France, vários acidentes, com os modernos Airbus, foram atribuídos à preponderância da inteligência artificial sobre o livre arbítrio dos pilotos. Em julho de 2007, em Congonhas, na maior tragédia aérea ocorrida no Brasil, segundo alguns especialistas, houve a aceleração do aparelho, em lugar da frenagem, e a impossibilidade da correção humana. "Desacelera!", gritou um dos pilotos. "Não consigo!", respondeu o outro.

Tal como o HAL-9000, o computador central da nave de Uma odisséia no espaço, filme de Stanley Kubrick, de 1968, esses modernos sistemas eletrônicos de voo levam aos pilotos informações falsas. Em outubro do ano passado, um Airbus 330-303, da empresa Qantas, que decolara de Singapura rumo a Perth, na Austrália, voava a 37 mil pés, quando o piloto automático se desligou. Imediatamente o sistema fly-by-wire começou a sinalizar panes múltiplas no avião, que entrou em pique, caindo 650 pés. Restabelecido o nível do voo, houve nova queda de 400 pés. Os pilotos entraram em contato com o controle de terra e pediram autorização para descer, antes, em Learmonth. Felizmente era ao meio do dia, com boa visibilidade.

O relatório do voo da Qantas, examinado pela Easa, levou a agência que controla a segurança aérea na Europa a advertir os pilotos dos Airbus dos riscos com o sistema, em nota emitida em 16 de janeiro deste ano. Nela, a agência relata o que ocorrera com o avião da Qantas, e avisa que o sistema fly-by-wire emitira aleatoriamente informações de perda de velocidade (stall), de aumento de velocidade e de outras alterações, que não correspondiam à realidade, além de levar o aparelho aos dois piques sucessivos. Seria de esperar que, diante dos acidentes já registrados, e da experiência vivida pelos pilotos da Qantas, a agência europeia de segurança aérea houvesse recomendado o recolhimento dos Airbus e a reconstrução do sistema fly-by-wire. Ao que parece, a vida humana é menos importante do que o interesse dos fabricantes e operadores de aviões, que tampouco tomaram qualquer providência.

Esses acidentes repetidos desmentem a supremacia da máquina sobre o homem, na tomada de decisões. A metáfora do cavalo sempre foi usada por alguns pilotos, para explicar as suas relações com os aviões. Há, sem embargo, uma diferença: ser vivo, o cavalo tem, como o homem, o instinto de sobrevivência, e, com a decisão de salvar a própria vida, ajuda a salvar o cavaleiro. Os computadores, não. Tal como Hal estava programado para assegurar o cumprimento da missão espacial da nave, mesmo contra a vontade de seus tripulantes, o sistema fly-by-wire foi programado para substituir funções humanas. Nos primeiros voos comerciais transatlânticos, havia cinco tripulantes na cabine: o comandante, o copiloto, o engenheiro de voo, o navegador e o radiotelegrafista. Primeiro foi eliminado o radiotelegrafista. Em seguida, dispensado o navegador. E a exacerbação da tecnologia, com o fly-by-wire, fez desaparecer o engenheiro de voo.

Logo depois da histórica travessia do Atlântico Norte, em 1927, o grande piloto Charles Lindenbergh, ao relatar sua experiência, definiu o que o voo significava para ele. Outros conhecidos pilotos disseram mais ou menos a mesma coisa: "Havia momentos em que eu tinha a sensação de ter escapado da mortalidade, e, ao olhar a terra embaixo, me sentia como se fosse um deus". De todos os desafios vencidos pelo homem, ao longo dos milênios, o do voo é o que mais fascina. Talvez por isso mesmo tenha sido tão rápida a evolução dos aviões. Quarenta e um anos depois do primeiro voo de Santos Dumont, as hélices foram substituídas pela propulsão a jato, 14 anos mais tarde, em 1961, Gagarin iria ao espaço, abrindo a rota para que, em 1969, o homem chegasse à Lua.

Muitos pensadores concluem que a tecnologia deve estar submetida a um imperativo ético, como lembra sempre o teólogo Leonardo Boff. Georg Friedrich Junger e outros reduzem a importância da técnica na vida dos homens, ao dizerem que ela significa mais trabalho, mais desperdício, mais destruição, maior opressão.

Desastres como o da Air France nos conduzem à constatação de que a tecnologia não pode servir, ao mesmo tempo, à libertação do homem e à multiplicação ilimitada dos lucros, a Deus e a Mamon. O Deus do dinheiro tem em Tanatos, a divindade da morte, um sócio fiel.