Os preparativos e dissimulações dos Aliados na organização do maior ataque anfíbio da história: o início da Operação Overlord
A invasão aliada da Normandia, partindo da Inglaterra, a 6 de junho de 1944, foi a maior operação anfíbia de todos os tempos. O comandante naval da operação, Almirante Sir Bertram Ramsay, que tinha uma aversão britânica à linguagem exagerada, disse a alguns dos seus comandantes, a 3 de junho, que lamentava os superlativos, mas daquela vez eram todos cabíveis.
“Overlord” o nome em código da invasão, tinha que ser diferente, tanto em proporções como em características, de qualquer ataque anfíbio anterior. Os alemães tinham então 59 divisões na França. Muitas, é verdade, estavam abaixo de sua força ou eram de um valor militar duvidoso. Por outro lado, a rapidez com que os Aliados podiam desembarcar tropas era limitada.
O plano original, elaborado pelo General Sir Frederick Morgan, previa um desembarque no primeiro dia de três divisões. Posteriormente o General Eisenhower, comandante supremo, e o General Montgomery, comandante de campo, decidiram que uma frente de apenas três divisões seria muito pouco. Os planos teriam que ser modificados a fim de que cinco divisões pudessem ser desembarcadas no primeiro dia. Isso exigia a concentração de um número maior de barcaças de desembarque, o que provocou o adiamento de um mês dos desembarques na Normandia e tornou impossível o plano original de um desembarque simultâneo no sul da França.
Eisenhower e Montgomery queriam que mais homens fossem desembarcados no primeiro dia porque, teoricamente, os alemães poderiam enviar reforços à área atacada, rapidamente, mantendo ali tropas que, pelo menos inicialmente, seriam superiores às dos Aliados. Assim, por melhor que as tropas aliadas conquistassem e consolidassem a sua cabeça-de-ponte, poderiam ser contidas antes de avançarem o suficiente para dar espaço ao desembarque dos seus próprios reforços.
Para impedir tal possibilidade, os estrategistas aliados primeiro organizaram e desfecharam intensos e prolongados ataques aéreos ao sistema francês de comunicações. Providenciaram também a construção de portos móveis que pudessem ser levados até as praias da Normandia, a fim de garantir que os suprimentos não fossem prejudicados pelo mau tempo. Imaginaram até um meio de instalar oleodutos sob o Canal da Mancha, a fim de acelerarem o fornecimento de combustível.
Os preparativos foram amplos e meticulosos. Embora algumas coisas falhassem - um dos portos artificiais, por exemplo, ficou completamente avariado -, o esquema de um modo geral funcionou perfeitamente. No momento decisivo, os Aliados puderam reforçar as suas tropas na Normandia muito mais depressa pelo mar do que os alemães conseguiram reforçar as suas por terra. E essa era a primeira das condições essenciais ao sucesso da invasão dos Aliados.
A segunda era manter o inimigo na incerteza. Os alemães estavam defendendo toda a costa da França. Mas era fundamental que eles não vissem qualquer razão para concentrar mais tropas na Normandia do que em outro setor qualquer. Em parte por causa das medidas de segurança rigorosas, em parte graças a subterfúgios, em parte, porque tiveram muita sorte, os Aliados mantiveram os alemães em dúvida até o fim.
Era impossível, é claro, esconder dos alemães que a invasão seria desfechada em algum momento do ano de 1944, na costa francesa. A invasão já fora, de certa forma, revelada publicamente e não se podia esconder que havia um grande exército concentrado no sul da Inglaterra. Mas, recorrendo à censura mais rigorosa, estendendo-a inclusive aos telegramas diplomáticos, os Aliados conseguiram ocultar completamente o verdadeiro destino dessas tropas.
A esta altura da guerra, a superioridade aérea aliada tornara impossível que a Luftwaffe realizasse qualquer reconhecimento aéreo sistemático sobre a Inglaterra. A oeste do Kent então, não havia absolutamente qualquer reconhecimento aéreo. As previsões alemãs de que os desembarques ocorreriam num ponto ou em outro eram baseadas quase que exclusivamente em meros pressentimentos. Von Rundstedt, o comandante supremo alemão na frente ocidental e a esta altura já promovido a marechal-de-campo, achava que os Aliados iriam efetuar a invasão através do estreito de Dover, porque ali a distância a ser percorrida era a menor que havia. Por conseguinte, ele fortificou o Passo de Calais mais do que qualquer outro setor. Se fosse por ele apenas, nenhum outro setor seria fortificado.
Mas só que ele não estava sozinho. Em janeiro de 1944, Hitler designara Rommel, agora também marechal-de-campo, para assumir o comando do Grupo de Exércitos B, responsável pela defesa da costa norte da França, com ordens expressas para repelir a invasão. Rommel previu, corretamente, que os alemães não poderiam reforçar o setor invadido da costa, qualquer que fosse, com a rapidez e a facilidade necessárias. Ele compreendia, ao contrário provavelmente de Von Rundstedt, que a superioridade aérea aliada sobre a França privara o Exército alemão de sua mobilidade. As ferrovias estavam sendo bombardeadas. As rodovias só podiam ser transitadas durante a noite. Rommel concluiu que Von Rundstedt estava vivendo no passado e começou então a fortificar aceleradamente todas as praias. Rommel achava que o período em que os alemães teriam mais probabilidades de derrotar uma invasão era o das 48 horas seguintes ao primeiro desembarque. Mas ele ainda não sabia onde seria o primeiro desembarque.
Os Aliados esforçaram-se ao máximo para garantir que a sua ignorância continuasse. Durante a primavera de 1944, o serviço secreto inglês lançou diversas iscas para os alemães, iscas que foram mordidas por diversas vezes. O quartel-general de Montgomery era em Portsmouth, mas seu centro transmissor de rádio ficava a 150 quilômetros a leste, no coração do Kent. Este subterfúgio simples visava a confirmar a opinião errada de Von Rundstedt de que o desembarque aliado seria mesmo no Passo de Calais. Falsos planadores foram colocados em aeródromos no sudeste da Inglaterra, a única região do país que os aviões de reconhecimento da Luftwaffe ainda conseguiam fotografar. Falsas barcaças de desembarque foram ancoradas em portos do sudeste; insinuaram-se pistas, em lugares onde os alemães poderiam ouvi-las, de um “Grupo de Exércitos de Patton” que estaria prestes a atravessar o Estreito de Dover (ou Passo de Calais, como é chamado do lado francês).
Assim despistados, os comandantes alemães elaboraram uma série de teorias, todas elas erradas. Hitler acreditava que a invasão principal seria ao norte, no Passo de Calais, mas que haveria antes uma manobra diversionista na Normandia. Von Rundstedt apegava-se à sua teoria de que o ataque seria no Passo de Calais e tão-somente no Passo de Calais. Rommel concordava com Hitler quanto à manobra diversionista na Normandia, mas só que achava que seria também um ataque de grande envergadura. Em nenhum momento, contudo, os alemães deixaram de acreditar que o ataque principal seria no Passo de Calais ou em algum ponto ao norte do Somme. Até o final eles mantiveram todo o seu XV Exército no Passo de Calais, inativo, mas alerta, até muito depois de a invasão ter sido iniciada.
Enquanto o XV Exército se preparava para defender o Passo de Calais até a morte e enquanto a Luftwaffe conseguia, de vez em quando, fotografar os aeroportos de Kent, as verdadeiras forças de invasão estavam sendo concentradas no sudoeste da Inglaterra, ao sul de Gales, na área de Southampton-Portsmouth, onde a Luftwaffe não conseguia penetrar.
Enquanto Rommel fortificava as praias, com obstáculos destinados a deter as barcaças de desembarque, a explodir os tanques e a conter a infantaria, Montgomery e Eisenhower estavam alterando seus planos, a fim de superarem os novos riscos. Os obstáculos submarinos de Rommel tinham sido colocados entre as marcas da maré alta e da maré baixa. Se o desembarque fosse efetuado durante a maré alta, um grande número de barcaças poderia ser destruído. Se, por outro lado, os desembarques fossem efetuados durante a maré baixa, quando os sapadores teriam condições de abrir um caminho seguro por entre os obstáculos que estariam então visíveis, a infantaria teria que atravessar um trecho bem maior de praia a descoberto, quase certamente sob o fogo cerrado dos defensores. Para superar esse risco, Montgomery decidiu que a vanguarda do ataque seria formada por tanques. Mas para isso ele precisava de um novo tipo de tanque - um tanque que pudesse nadar.
O homem que tornou isso possível foi o Major-General Hobart, um dos mais inventivos soldados ingleses, cujo gênio e alegria era ensinar novos truques a velhas máquinas. O seu tanque DD podia mover-se tanto na água como em terra. Seu tanque de mangual carregava uma estrutura monstruosa à frente das lagartas, que detonava as minas antes que o próprio tanque passasse sobre elas. Hobart também inventou e produziu um tanque de lagarta mais larga, que podia andar perfeitamente sobre areia macia ou sobre barro. Eram máquinas novas e estranhas, que desmantelaram as defesas de Rommel no dia 6 de junho.
O local escolhido para o desembarque foi a baía do Sena. Se Rommel, Von Rundstedt e Hitler tivessem dirimido as suas diferenças e eliminado seus preconceitos, teriam compreendido que era aquele o único local da costa da França onde os Aliados poderiam desembarcar cinco divisões simultaneamente. A entrada da baía, do Cabo d’Antifer à Ponta de Barfleur, tem 58 milhas náuticas de largura. Não existem obstáculos naturais na baía, exceto as ilhas de Saint Marcouf, perto da praia ocidental. As marés não são violentas. Embora a praia ao leste, entre o Cabo d’Antifer e a embocadura do Sena, seja dominada por colinas, a maior parte da terra por trás das praias ao fundo da baía, onde os desembarques ocorreriam, é relativamente plana.
Na primavera de 1944, a Marinha Real começou a preparar a baía para o desembarque: com uma atenção quase terna pelo terreno em que as tropas iriam lutar. Tripulantes de submarinos-de-bolso e comandos ali desembarcaram durante a noite, sem qualquer dificuldade, a fim de examinar as defesas e colher amostras da areia e do barro da região, para que o General Hobart pudesse preparar convenientemente os seus tanques. Durante a segunda metade do mês de maio, lanchas torpedeiras (MTB), partindo de Portsmouth, colocaram diversos campos de minas em torno do Cabo d’Antifer e da embocadura do Sena, de um lado, e ao redor da Ponta de Barfleur, do outro, a fim de evitar que a Marinha alemã pudesse atacar a frota de invasão, partindo do Havre, Cherbourg ou qualquer outro porto ao sul e ao norte do canal da Mancha. As minas foram ajustadas para entrarem em funcionamento a 5 de junho, data marcada para a invasão. Desde 1941 que as MTB estavam colocando minas nas águas dominadas pelo inimigo sem serem descobertas. E desta vez o inimigo nunca soube da existência, ali, das minas.
A tarefa final era abrir uma passagem no campo de minas alemão que se estendia pelo meio do Canal da Mancha, do sul da ilha de Wight até o meridiano de Calais. Quase todas as seções desse campo de minas já ali estavam há dois anos. Cada seção representava uma noite de trabalho das flotilhas de colocação de minas dos alemães. Havia intervalos entre as seções, porque os alemães não confiavam em sua própria navegação para retomarem o trabalho da noite anterior exatamente no ponto em que o haviam deixado. As flotilhas costeiras inglesas, que operavam no lado continental do Canal da Mancha, haviam descoberto essas brechas e usavam-nas desde 1942. Mas eram brechas não marcadas e que não tinham mais do que uma milha de largura, o que é o suficiente para uma flotilha de lanchas, mas não para uma frota de invasão de cinco mil navios. A Marinha teria que alargar tais passagens. Era uma operação de grande envergadura, que não poderia ser realizada sem o conhecimento do inimigo. Ou, pelo menos, sem o risco de o inimigo descobrir que se estava efetuando uma operação de remoção de minas e prontamente tirasse as conclusões certas. As minas ancoradas tinham que ser removidas à luz do dia, pois assim que os cabos eram cortados elas vinham à tona, tendo que ser imediatamente destruídas a tiros de rifle, para que não se transformassem numa ameaça à deriva ao invés de uma ameaça estacionária. Assim, os encarregados pela remoção das minas tiveram que começar a trabalhar na tarde do dia anterior ao fixado para a invasão. Abriram dez largos canais ao largo da ilha de Wight, chegando perto da costa da França antes do escurecer. Ninguém parece tê-los notado. Ou, se foram vistos, ninguém tirou as conclusões corretas. Esse foi o primeiro golpe de sorte dos Aliados.
Ramsay podia preparar o terreno para a invasão, mas não podia preparar devidamente o tempo. As condições principais para o desembarque eram que a maré chegasse ao ponto médio quarenta minutos depois do amanhecer, que as nuvens não fossem espessas demais a ponto do impedir os bombardeiros e que os ventos de superfície não excedessem a velocidade de 22-29 quilômetros por hora, a fim de que o mar estivesse relativamente calmo. As limitações eram de fato muito grandes. As condições da maré, por exemplo, só aconteciam durante três dias em cada mês lunar. O tempo, portanto, é que era a verdadeira incógnita.
Os preparativos de Ramsay ao longo do mês de maio foram favorecidos por pressão alta estável nos Açores, fazendo com que o tempo no Canal da Mancha se mantivesse firme. Eisenhower escolhera a segunda-feira, 5 de junho, como a data para a invasão, um dos três dias do mês em que as condições da maré seriam favoráveis. Mas, nos dias 2 e 3 de junho, a pressão alta nos Açores começou a desintegrar-se. O meteorologista de Eisenhower, Capitão Stagg, da RAF, aconselhou o adiamento.
O resultado de uma das mais formidáveis operações dos Aliados durante a guerra dependia do julgamento do Capitão Stagg.
Deve ter sido para ele um momento de tensão terrível, especialmente porque o tempo em Portsmouth continuava maravilhoso. As mudanças de tempo que ele estava prevendo ainda estavam ocorrendo a centenas de milhas de distância, quase no meio do Atlântico, Mas Stagg estava certo. Na tarde de domingo, 4 de junho, começou a ventar forte em Portsmouth. As forças de invasão, que já haviam zarpado de suas bases na Escócia, em Gales e no oeste da Inglaterra, tiveram que voltar, para se porem ao abrigo do vento oeste. Naquela mesma noite de domingo, a frente de tempestade já estava passando além de Portsmouth. Stagg informou então a Eisenhower que previa, na noite de segunda para terça-feira, nuvens não muito espessas e um vento amainado. Acrescentou que, em sua opinião, seria esse o melhor tempo que haveria no decorrer da semana. De qualquer modo, a maré da quarta-feira não seria absolutamente favorável. Eisenhower teria que escolher entre a terça-feira ou esperar mais três semanas para a invasão. Ele optou pela terça-feira. Durante a noite de 5 para 6 de junho, lançou uma primeira onda de ataque de 60 mil homens nas praias, duas divisões inteiras de pára-quedistas, numa das maiores operações aéreas da guerra. E fez também uma tentativa final e bem sucedida de enganar o inimigo, levando-o a esperar que as forças de invasão se estivessem dirigindo para o norte do Somme.
Agora que o momento chegara, que a invasão se achava a caminho: era impossível aos Aliados ocultar o fato de que cinco mil navios estavam no mar. Durante toda a noite uma força considerável de aviões deixou cair ao norte do Cabo d’Antifer, uma “cortina” (N.T. “Window”), pequenas tiras de papel prateado que eram captadas pelo radar do inimigo. A “cortina” tinha por objetivo fazer com que o inimigo pensasse que uma grande frota invasora estava seguindo, com cobertura aérea, para o leste do Cabo d’Antifer, onde seria efetuada a invasão, enquanto os aviões procuravam evitar que fosse localizada pelo radar. No mar, na mesma área sobrevoada pelos aviões, trinta pequenos navios de guerra rebocavam imensos balões, para simular os ecos de radar produzidos por grandes navios, transmitindo também um fluxo intenso e constante de sinais de rádio e até mesmo emitindo uma “operação militar sônica”, através de alto-falantes. Manobras semelhantes foram executadas mais ao norte, ao largo de Boulogne. E houve bombardeios intensos ao sistema de comunicações entre Dieppe e Calais.
Todas essas manobras ajudaram a manter o inimigo em dúvida, mas provavelmente o fator mais importante foi a previsão do tempo feita por Stagg. O seu equivalente alemão em Paris, Major Lettau, também verificara a mudança de pressão nos Açores. Previra também, corretamente, que o tempo seria péssimo na noite de domingo, 4 para 5 de junho. Confiando em sua informação, Rommel deixou o seu quartel-general em Paris para passar o fim-de-semana com a família, em sua casa nas proximidades de Ulm. Lettau não previu, contudo, ao contrário de Stagg, que o tempo estaria melhor na terça-feira. Na segunda-feira, muito embora a força invasora já se estivesse pondo a caminho, o estado-maior de Rommel não informou haver qualquer indício de uma invasão iminente, embora admitisse que não houvera reconhecimento aéreo sobre qualquer porto britânico, à exceção de Dover. As manobras de ilusão efetuadas ao norte do Cabo d’Antifer também deram resultados positivos. Os responsáveis pelos radares alemães acharam que seus aparelhos estavam com defeito. Ao final do dia 5 de junho, segunda-feira, quando os navios e aviões começaram as suas manobras diversionistas ao largo do Cabo d’Antifer, o estado-maior de Rommel determinou que o XV Exército ficasse de prontidão para repelir o invasor. Mas o XV Exército estava estacionado no norte da França, no Passo de Calais. Os invasores estavam realmente a caminho, mas se dirigiam a outro lugar. O alerta não foi transmitido ao VII Exército alemão, que iria defrontar-se com os invasores, quando desembarcassem nas praias da baía do Sena, pela manhã.
FONTE: Grandes Guerras / Mundo em Guerra - Mark Arnold-Foster - Record FOTOS: Wikipedia
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