Cerca de 30% dos casos de 11 tipos de cânceres pesquisados poderiam ser facilmente evitados no Brasil, de acordo com um estudo divulgado nesta quinta-feira, com a adoção de uma dieta saudável, a prática de mais exercícios físicos e um controle de peso adequado.
O relatório Policy and Action for Câncer Prevention (Política e Ação para a Prevenção do Câncer), uma parceria do Fundo Mundial de Pesquisas sobre Câncer (WCRF, na sigla em inglês) e do Instituto Americano para a Pesquisa do Câncer (AICR, na sigla em inglês), calculou a porcentagem dos casos de vários tipos da doença que poderiam ser evitados também nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na China.
Os pesquisadores calculam que um quarto dos casos de câncer em países de baixo poder aquisitivo como a China poderiam ser evitados com esses hábitos saudáveis. Em países desenvolvidos, a proporção sobe para um terço.
O Brasil, como país de poder aquisitivo considerado médio, se encontra no meio do caminho entre estas duas proporções, segundo o relatório.
Ao todo, 11 tipos de câncer foram estudados no Brasil e na China: o de boca, laringe e faringe (considerado uma única categoria); esôfago, pulmão, estômago, pâncreas, vesícula biliar, cólon, fígado, mama, endométrio (mucosa uterina) e rim. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, o câncer de próstata também foi pesquisado.
Os cientistas concluíram que cerca de 63% dos casos de câncer de boca, laringe e faringe no Brasil poderiam ser prevenidos, igual à proporção americana, um pouco menor do que a britânica (67%) e maior do que a chinesa (44%)
Em termos absolutos, o maior impacto seria na prevenção do câncer de mama, que é o segundo caso mais frequente da doença entre as brasileiras, atrás apenas do câncer de pele.
O Instituto Nacional do Câncer calcula que 49 mil casos de câncer de mama devem ser registrados no país em 2009. Consequentemente, segundo os cálculos da pesquisa, quase 14 mil casos poderiam ser prevenidos.
"Esperamos um crescimento substancial dos índices de câncer com o envelhecimento das populações, o aumento da obesidade, com as pessoas menos ativas e consumindo cada vez mais comidas pouco saudáveis", afirmou Martin Wiseman, diretor da pesquisa.
"A boa notícia é que isso não é inevitável e ainda podemos evitar uma crise, antes que seja tarde demais."
Entre as recomendações dos pesquisadores estão:
as escolas devem encorajar a alimentação saudável e as atividades físicas;
instituições de ensino não devem vender alimentos pouco saudáveis aos alunos;
os governos devem encorajar a população a caminhar e andar de bicicleta;
os governos devem tornar leis as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS);
a indústria alimentícia deve fazer da saúde pública a prioridade durante todos os estágios da produção.
´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado
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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
"O papa comete um erro após o outro"
O padre Hans Küng, 80 anos, é um dos maiores teólogos da atualidade e uma referência mundial em religião. Amigo do papa Bento XVI dos tempos da faculdade, o religioso suíço foi responsável pela indicação dele à cátedra da Universidade de Tübingen, na Alemanha, nos anos 60. Consultor do Concílio Vaticano II (1962-1965), que modernizou a Igreja, ele surpreendeu o mundo em 1970 com a obra Unfehlbar? Eine Anfrage (Infalibilidade? Um inquérito), em que questionou a infalibilidade papal, colocando em xeque o dogma de que o papa está sempre correto quando delibera sobre questões de fé ou moral. O livro gerou polêmica no Vaticano e o professor ficou proibido de ensinar a matéria em nome da Igreja. Küng e Bento XVI tomaram rumos opostos, ficaram afastados por quase quatro décadas e se reencontraram em 2005 para discutir o futuro do catolicismo. “Deixamos de lado os temas controversos da reforma na Igreja, porque temos opiniões opostas”, diz Küng.
“Mas temos pensamentos semelhantes quanto à relação entre a fé cristã e a ciência, especialmente a biologia e o pensamento evolucionista.” Com mais de 25 livros traduzidos em dez idiomas, Küng atua no movimento ecumênico desde 1993 e é presidente do Weltethos, instituição voltada para o diálogo interreligioso.
REFORMA
O padre defende a abolição do celibato e a permissão para a ordenação das mulheres. “O celibato é uma regra ultrapassada, da Idade Média”, diz ele
ISTOÉ – O sr. acompanhou seis pontificados. Acha que a Igreja Católica mudou com o mundo? Hans Küng – Sem dúvida a Igreja Católica mudou muito nas últimas décadas. Claro que as mudanças mais importantes vieram após o Concílio Vaticano II (de 1962 a 1965). No entanto, há um retrocesso. Eu esperava que o papa Bento XVI proferisse um grande discurso e orações focados nas paróquias e arquidioceses que convocaram o Concílio Vaticano II há 50 anos e que ele valorizasse nas suas orações as grandes conquistas do movimento de renovação. Mas, infelizmente, ele fez exatamente o oposto.
ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre a recente decisão do papa em reintegrar ao Vaticano bispos ultraconservadores excomungados, como Richard Williamson, que negou a existência do Holocausto e das câmaras de gás?
Küng – Até mesmo os bispos próximos ao papa concordam que foi uma péssima decisão. Penso que, mesmo como papa, ele não deveria ir contra as decisões do Concílio Vaticano II. Faria melhor se indicasse bispos mais inovadores e críticos, ao contrário daqueles que são ligados ao Opus Dei e a posturas conservadoras. Além da nomeação dos quatro da Fraternidade Pio X, ele nomeou no dia 31 de janeiro o ultraconservador Gerhard Maria Wagner, como arcebispo de Linz, na Áustria. Mais uma reafirmação da tendência tradicionalista.
ISTOÉ – Quem foi o grande papa do século XX?
Küng – João XXIII (1958 – 1963), dos primeiros anos do Concílio Vaticano II. Infelizmente, aqueles que o seguiram não foram igualmente construtivos. João Paulo II bloqueou reformas, o ecumenismo e o diálogo entre as Igrejas. Bento XVI é ainda mais conservador. Segue um curso reacionário, confere espaço para aqueles que pensam como ele. É uma espécie de restauração crescente daquilo que defende. Eu esperava que ele estivesse disposto a atos de coragem, mas ele se tornou cada vez mais radical e se cercou apenas de pessoas pouco críticas e que apenas o seguem. Não possui uma equipe de acadêmicos e bispos questionadores. Comete um erro após o outro e não há nenhum bispo para corrigi-lo. Não gosta de ser contestado.
ISTOÉ – O sr. foi contemporâneo de Bento XVI quando ele era cardeal na Alemanha. Que tipo de relação tiveram?
Küng – Ele é muito inteligente e era o especialista mais jovem em teologia durante o Concílio Vaticano II. Nessa época, tínhamos o mesmo desejo pela renovação da Igreja. Durante três anos, fomos professores de teologia dogmática na Universidade de Tübingen (na Alemanha) e tínhamos ótimas relações, que entraram em choque a partir de 1968. Ele se mudou para a Bavária, se tornou arcebispo de Munique e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Santa Inquisição em Roma. Tornou-se um homem de carreira eclesiástica, defendendo as tradições e distante da renovação. Como papa, confirmou a postura tradicionalista.
ISTOÉ – Acredita que as ideias conservadoras do papa encontram apoio de um público ávido pelo retorno às tradições?
Küng – Claro que há conservadores que pensam como ele, mas as mudanças estão chegando. Neste ano, tivemos provas da atmosfera de renovação que paira no mundo, como a transição de Bush para Obama. O papa era amigo de Bush e até celebrou o seu aniversário com ele, na Casa Branca. Uniuse ao presidente nas campanhas contra o controle de natalidade, a contracepção, o aborto, as reformas e liberdades civis. Agora, os americanos têm um novo presidente, disposto a corrigir todos os erros terríveis que o seu antecessor cometeu. Assim como os americanos que elegeram Obama, o papa também deveria optar pela renovação, até porque está bem óbvio que a sua tentativa de restauração foi malsucedida.
ISTOÉ – O que pensa dos teólogos da América Latina?
Küng – Conheço a maioria dos teólogos ligados à Teologia da Libertação, principalmente o peruano Gustavo Gutierrez, fundador do movimento. Mas, particularmente, gosto muito de Leonardo Boff e de outros da mesma linha.
Eles tiveram uma influência muito positiva sobre os brasileiros em situação de pobreza. Fiquei muito triste quando Bento XVI, então cardeal no Vaticano, fez tudo para eliminar a Teologia da Libertação e quando o papa João Paulo II nomeou bispos que são, hoje, inimigos do movimento. Naquele tempo, havia grandes cardeais no Brasil e na América Latina, como dom Aloísio Lorscheider. Hoje, infelizmente, o papa nomeia bispos que são favoráveis ao Opus Dei e a movimentos conservadores. Estes grupos, definitivamente, não estão interessados em resolver a situação de pobreza da América Latina.
ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre as punições que Leonardo Boff sofreu durante o pontificado de João Paulo II?
Küng – Foi semelhante à Inquisição. Não houve um processo, foi contra os direitos humanos. Ele simplesmente foi condenado. Ninguém nunca entendeu direito o porquê. Com as críticas, naturalmente, ele se posicionou contra as doutrinas da Igreja e o poder dela. Depois disso, foi sumariamente excomungado. Felizmente, ele sobreviveu a tudo aquilo e ainda está em atividade. Acredito que se Bento XVI quer uma reconciliação com os bispos cismáticos seria melhor se, antes de tudo, ele se reconciliasse com os teólogos, especialmente aqueles da América Latina, que são os que seguem os fundamentos do Concílio Vaticano II.
ISTOÉ – No Brasil, há um forte crescimento das igrejas evangélicas. O que a Igreja Católica, como instituição, deve aprender com os evangélicos para manter ou aumentar o número de fiéis?
Küng – Ao contrário dos evangélicos, não acredito que falte dinheiro para os católicos. Mas acredito que eles poderiam aprender a usar melhor o dinheiro que têm. Acho que a Igreja Católica, assim como a evangélica, deveria admitir homens casados no sacerdócio, para reverter o esvaziamento dos seminários. Nas igrejas evangélicas há um contato mais próximo entre as pessoas da comunidade religiosa, inclusive com fortes laços de amizade e de ajuda mútua. É isto que está faltando na Igreja Católica. Além disso, a liturgia católica muitas vezes é chata e faz as pessoas desistirem das missas. Os sermões também não são de grande ajuda na vida prática. Por isso, muitas pessoas preferem se concentrar em pequenas aglomerações de fé cristã do que nas paróquias, que têm muita hierarquia e pouca vida em nível local.
ISTOÉ – O número de sacerdotes está em queda. Um padre no Brasil chega a ser responsável por 20 paróquias. Como combater a crise de vocações?
Küng – Sem dúvida, deve-se abolir a lei do celibato e permitir a ordenação das mulheres. O celibato é uma regra ultrapassada, da Idade Média, com base no primeiro milênio do cristianismo. No século XI, os papas estabeleceram a regra como lei universal a todos os cristãos. Este clericalismo foi, inclusive, uma das causas para a divisão entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente. Acredito que já está em tempo de abolir a exigência, até porque vai contra a liturgia cristã e a teoria do Novo Testamento, que não diz em nenhum momento que padres e bispos não podem ter uma mulher ou esposa. Além de ir contra os direitos humanos, que asseguram a todos o direito ao casamento. Quanto à ordenação, a Igreja precisa considerar que as mulheres tiveram um grande papel na história de Jesus e estão muito presentes nos atos do Evangelho. Além da sua grande participação nas comunidades cristãs. No Evangelho, São Paulo fala sobre uma apóstola chamada Junia, muito atuante entre eles. Com o tempo, a Igreja foi se tornando cada vez mais masculina e patriarcal. Isso deve ser corrigido. A mudança é necessária.
ISTOÉ – A Igreja Católica é contra a pesquisa com células-tronco. O que o sr. pensa sobre isso? Küng – Deve haver razoabilidade para analisar as pesquisas com célulastronco. Por um lado, o ovo fertilizado já é uma vida humana. Por outro lado, não é ainda uma pessoa humana. Sigo a doutrina que diz que devemos estabelecer uma distinção entre vida humana e a pessoa humana. Devemos ser muito prudentes nas pesquisas com células-tronco, mas não devemos proibi-las completamente.
ISTOÉ – Pesquisas recentes revelaram que quanto maior o nível de inteligência, menor a fé ou espiritualidade. Fé e inteligência são compatíveis?
Küng – Não acredito nestes critérios de QI, que tentam medir a inteligência das pessoas e fazer comparações deste tipo. Acredito que são critérios burros e limitados. Não há nenhuma contradição entre fé e inteligência. Posso ser um exemplo. Tenho muita fé e acredito que tenho alguma inteligência (risos).
ISTOÉ – Pesquisas recentes revelaram que quanto maior o nível de inteligência, menor a fé ou espiritualidade. Fé e inteligência são compatíveis?
Küng – Não acredito nestes critérios de QI, que tentam medir a inteligência das pessoas e fazer comparações deste tipo. Acredito que são critérios burros e limitados. Não há nenhuma contradição entre fé e inteligência. Posso ser um exemplo. Tenho muita fé e acredito que tenho alguma inteligência (risos).
Não podemos simplesmente julgar o Islã sem conhecer o Islã. Temos que entender que há diferentes Islãs, assim como há diferentes cristãos no cristianismo. E especialmente elaborar uma ética global com base em valores comuns das necessidades sociais e individuais. Estes valores e padrões éticos compartilhados devem estar fundamentados na crença das diferentes religiões e daqueles que não têm crenças. É o que nos ajudará a manter a nossa sociedade unida. Encontrar padrões éticos comuns a todos.
“Mas temos pensamentos semelhantes quanto à relação entre a fé cristã e a ciência, especialmente a biologia e o pensamento evolucionista.” Com mais de 25 livros traduzidos em dez idiomas, Küng atua no movimento ecumênico desde 1993 e é presidente do Weltethos, instituição voltada para o diálogo interreligioso.
REFORMA
O padre defende a abolição do celibato e a permissão para a ordenação das mulheres. “O celibato é uma regra ultrapassada, da Idade Média”, diz ele
ISTOÉ – O sr. acompanhou seis pontificados. Acha que a Igreja Católica mudou com o mundo? Hans Küng – Sem dúvida a Igreja Católica mudou muito nas últimas décadas. Claro que as mudanças mais importantes vieram após o Concílio Vaticano II (de 1962 a 1965). No entanto, há um retrocesso. Eu esperava que o papa Bento XVI proferisse um grande discurso e orações focados nas paróquias e arquidioceses que convocaram o Concílio Vaticano II há 50 anos e que ele valorizasse nas suas orações as grandes conquistas do movimento de renovação. Mas, infelizmente, ele fez exatamente o oposto.
ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre a recente decisão do papa em reintegrar ao Vaticano bispos ultraconservadores excomungados, como Richard Williamson, que negou a existência do Holocausto e das câmaras de gás?
Küng – Até mesmo os bispos próximos ao papa concordam que foi uma péssima decisão. Penso que, mesmo como papa, ele não deveria ir contra as decisões do Concílio Vaticano II. Faria melhor se indicasse bispos mais inovadores e críticos, ao contrário daqueles que são ligados ao Opus Dei e a posturas conservadoras. Além da nomeação dos quatro da Fraternidade Pio X, ele nomeou no dia 31 de janeiro o ultraconservador Gerhard Maria Wagner, como arcebispo de Linz, na Áustria. Mais uma reafirmação da tendência tradicionalista.
ISTOÉ – Quem foi o grande papa do século XX?
Küng – João XXIII (1958 – 1963), dos primeiros anos do Concílio Vaticano II. Infelizmente, aqueles que o seguiram não foram igualmente construtivos. João Paulo II bloqueou reformas, o ecumenismo e o diálogo entre as Igrejas. Bento XVI é ainda mais conservador. Segue um curso reacionário, confere espaço para aqueles que pensam como ele. É uma espécie de restauração crescente daquilo que defende. Eu esperava que ele estivesse disposto a atos de coragem, mas ele se tornou cada vez mais radical e se cercou apenas de pessoas pouco críticas e que apenas o seguem. Não possui uma equipe de acadêmicos e bispos questionadores. Comete um erro após o outro e não há nenhum bispo para corrigi-lo. Não gosta de ser contestado.
ISTOÉ – O sr. foi contemporâneo de Bento XVI quando ele era cardeal na Alemanha. Que tipo de relação tiveram?
Küng – Ele é muito inteligente e era o especialista mais jovem em teologia durante o Concílio Vaticano II. Nessa época, tínhamos o mesmo desejo pela renovação da Igreja. Durante três anos, fomos professores de teologia dogmática na Universidade de Tübingen (na Alemanha) e tínhamos ótimas relações, que entraram em choque a partir de 1968. Ele se mudou para a Bavária, se tornou arcebispo de Munique e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Santa Inquisição em Roma. Tornou-se um homem de carreira eclesiástica, defendendo as tradições e distante da renovação. Como papa, confirmou a postura tradicionalista.
ISTOÉ – Acredita que as ideias conservadoras do papa encontram apoio de um público ávido pelo retorno às tradições?
Küng – Claro que há conservadores que pensam como ele, mas as mudanças estão chegando. Neste ano, tivemos provas da atmosfera de renovação que paira no mundo, como a transição de Bush para Obama. O papa era amigo de Bush e até celebrou o seu aniversário com ele, na Casa Branca. Uniuse ao presidente nas campanhas contra o controle de natalidade, a contracepção, o aborto, as reformas e liberdades civis. Agora, os americanos têm um novo presidente, disposto a corrigir todos os erros terríveis que o seu antecessor cometeu. Assim como os americanos que elegeram Obama, o papa também deveria optar pela renovação, até porque está bem óbvio que a sua tentativa de restauração foi malsucedida.
ISTOÉ – O que pensa dos teólogos da América Latina?
Küng – Conheço a maioria dos teólogos ligados à Teologia da Libertação, principalmente o peruano Gustavo Gutierrez, fundador do movimento. Mas, particularmente, gosto muito de Leonardo Boff e de outros da mesma linha.
Eles tiveram uma influência muito positiva sobre os brasileiros em situação de pobreza. Fiquei muito triste quando Bento XVI, então cardeal no Vaticano, fez tudo para eliminar a Teologia da Libertação e quando o papa João Paulo II nomeou bispos que são, hoje, inimigos do movimento. Naquele tempo, havia grandes cardeais no Brasil e na América Latina, como dom Aloísio Lorscheider. Hoje, infelizmente, o papa nomeia bispos que são favoráveis ao Opus Dei e a movimentos conservadores. Estes grupos, definitivamente, não estão interessados em resolver a situação de pobreza da América Latina.
ISTOÉ – Qual a sua opinião sobre as punições que Leonardo Boff sofreu durante o pontificado de João Paulo II?
Küng – Foi semelhante à Inquisição. Não houve um processo, foi contra os direitos humanos. Ele simplesmente foi condenado. Ninguém nunca entendeu direito o porquê. Com as críticas, naturalmente, ele se posicionou contra as doutrinas da Igreja e o poder dela. Depois disso, foi sumariamente excomungado. Felizmente, ele sobreviveu a tudo aquilo e ainda está em atividade. Acredito que se Bento XVI quer uma reconciliação com os bispos cismáticos seria melhor se, antes de tudo, ele se reconciliasse com os teólogos, especialmente aqueles da América Latina, que são os que seguem os fundamentos do Concílio Vaticano II.
ISTOÉ – No Brasil, há um forte crescimento das igrejas evangélicas. O que a Igreja Católica, como instituição, deve aprender com os evangélicos para manter ou aumentar o número de fiéis?
Küng – Ao contrário dos evangélicos, não acredito que falte dinheiro para os católicos. Mas acredito que eles poderiam aprender a usar melhor o dinheiro que têm. Acho que a Igreja Católica, assim como a evangélica, deveria admitir homens casados no sacerdócio, para reverter o esvaziamento dos seminários. Nas igrejas evangélicas há um contato mais próximo entre as pessoas da comunidade religiosa, inclusive com fortes laços de amizade e de ajuda mútua. É isto que está faltando na Igreja Católica. Além disso, a liturgia católica muitas vezes é chata e faz as pessoas desistirem das missas. Os sermões também não são de grande ajuda na vida prática. Por isso, muitas pessoas preferem se concentrar em pequenas aglomerações de fé cristã do que nas paróquias, que têm muita hierarquia e pouca vida em nível local.
ISTOÉ – O número de sacerdotes está em queda. Um padre no Brasil chega a ser responsável por 20 paróquias. Como combater a crise de vocações?
Küng – Sem dúvida, deve-se abolir a lei do celibato e permitir a ordenação das mulheres. O celibato é uma regra ultrapassada, da Idade Média, com base no primeiro milênio do cristianismo. No século XI, os papas estabeleceram a regra como lei universal a todos os cristãos. Este clericalismo foi, inclusive, uma das causas para a divisão entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente. Acredito que já está em tempo de abolir a exigência, até porque vai contra a liturgia cristã e a teoria do Novo Testamento, que não diz em nenhum momento que padres e bispos não podem ter uma mulher ou esposa. Além de ir contra os direitos humanos, que asseguram a todos o direito ao casamento. Quanto à ordenação, a Igreja precisa considerar que as mulheres tiveram um grande papel na história de Jesus e estão muito presentes nos atos do Evangelho. Além da sua grande participação nas comunidades cristãs. No Evangelho, São Paulo fala sobre uma apóstola chamada Junia, muito atuante entre eles. Com o tempo, a Igreja foi se tornando cada vez mais masculina e patriarcal. Isso deve ser corrigido. A mudança é necessária.
ISTOÉ – A Igreja Católica é contra a pesquisa com células-tronco. O que o sr. pensa sobre isso? Küng – Deve haver razoabilidade para analisar as pesquisas com célulastronco. Por um lado, o ovo fertilizado já é uma vida humana. Por outro lado, não é ainda uma pessoa humana. Sigo a doutrina que diz que devemos estabelecer uma distinção entre vida humana e a pessoa humana. Devemos ser muito prudentes nas pesquisas com células-tronco, mas não devemos proibi-las completamente.
ISTOÉ – Pesquisas recentes revelaram que quanto maior o nível de inteligência, menor a fé ou espiritualidade. Fé e inteligência são compatíveis?
Küng – Não acredito nestes critérios de QI, que tentam medir a inteligência das pessoas e fazer comparações deste tipo. Acredito que são critérios burros e limitados. Não há nenhuma contradição entre fé e inteligência. Posso ser um exemplo. Tenho muita fé e acredito que tenho alguma inteligência (risos).
ISTOÉ – Pesquisas recentes revelaram que quanto maior o nível de inteligência, menor a fé ou espiritualidade. Fé e inteligência são compatíveis?
Küng – Não acredito nestes critérios de QI, que tentam medir a inteligência das pessoas e fazer comparações deste tipo. Acredito que são critérios burros e limitados. Não há nenhuma contradição entre fé e inteligência. Posso ser um exemplo. Tenho muita fé e acredito que tenho alguma inteligência (risos).
Não podemos simplesmente julgar o Islã sem conhecer o Islã. Temos que entender que há diferentes Islãs, assim como há diferentes cristãos no cristianismo. E especialmente elaborar uma ética global com base em valores comuns das necessidades sociais e individuais. Estes valores e padrões éticos compartilhados devem estar fundamentados na crença das diferentes religiões e daqueles que não têm crenças. É o que nos ajudará a manter a nossa sociedade unida. Encontrar padrões éticos comuns a todos.
Diplomatas corporativos
A carreira diplomática sempre esteve cercada de glamour. Comandar as relações entre Estados, ser o representante em pessoa de seu país lá fora e ainda ter experiências de vida nos locais mais badalados (ou remotos) do mundo são algumas das obrigações que motivam cerca de 6 000 candidatos por ano a disputar não mais que 35 vagas no Itamaraty. Até há pouco tempo, quem cogitasse seguir a trilha das relações internacionais tinha de recorrer ao tradicional e renomado Instituto Rio Branco, que forma profissionais generalistas, com habilidade de análise política, comercial ou social em diversas culturas. Não havia outro caminho a não ser o do setor público. Mas o fato é que essa história está mudando. A diplomacia está ganhando espaço no mundo corporativo. As corporações brasileiras começam, enfim, a perceber a relevância do profissional com essa formação. Bancos, escritórios de advocacia, câmaras de comércio, agências de desenvolvimento e até federações de classe estão abrindo suas portas para especialistas em relações internacionais. E cada vez mais profissionais descobrem que essa pode ser uma estimulante e promissora possibilidade de carreira.
"Essa mudança na percepção de quem contrata está muito ligada à internacionalização das relações comerciais, com a criação do Mercosul, a formação de um sistema financeiro mundial e os conflitos entre nações", explica Reginaldo Nasser, coordenador do curso de relações internacionais da PUC de São Paulo. Nasser lembra de quando os alunos da sua primeira turma tentaram estágio na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 1996. Eles voltaram para a faculdade decepcionados. Não existia vaga para esse perfil. Há pouco mais de um ano, a Fiesp criou uma gerência para monitorar as negociações entre seus associados e estudar novos mercados para as indústrias brasileiras. Tomou a decisão depois de perceber que isoladamente muitas empresas já estavam buscando a assessoria de alguém com essa especialização.
A reação demorou a acontecer. Afinal, o primeiro curso de relações internacionais do Brasil foi criado há 29 anos na Universidade de Brasília (UnB). Ali, ao lado do poder e das embaixadas, era natural que houvesse a confusão com a tradicional carreira diplomática. Mas a intenção não era essa, garante o professor Alcides Costa Vaz, coordenador do terceiro curso mais disputado na UnB, com média de 60 candidatos por vaga. "A motivação era formar gente capaz de atuar num cenário de participação crescente do Brasil nos fluxos externos", diz. Hoje são mais de 40 cursos universitários na área no país. A maioria de graduação, alguns de pós-graduação, outros de mestrado e até de doutorado. Para atuar nesse setor, não é necessário se graduar nele. Um advogado ou um economista pode optar por se especializar na área.
Foi assim com o superintendente de corporate do BankBoston, Ricardo Russo, de 33 anos. Primeiro, ele estudou administração de empresas. Depois de formado, percebeu que ganharia pontos na carreira que escolheu -- a de relações financeiras internacionais -- se fizesse uma especialização. Fez, então, um mestrado em relações internacionais e gestão de negócios e, depois, um MBA em finanças. Russo queria conhecer mais sobre as relações históricas e políticas entre os países, principalmente entre Brasil e Estados Unidos. Queria entender sobre protecionismos e sobre as regras diplomáticas que podem e devem ser aplicadas no mundo corporativo. "Assim, acredito, completei a formação para atuar num banco estrangeiro", diz o executivo. Russo tem razão. O profissional de relações internacionais precisa ser capaz de assumir as responsabilidades de um administrador de empresas com algo mais do que o conhecimento das técnicas aduaneiras da formação em comércio exterior. Precisa ter domínio de pelo menos dois idiomas estrangeiros. De preferência, inglês e espanhol ou francês. Também precisa de boa capacidade de articulação e, na melhor das hipóteses, de uma experiência de estudos em outro país. Tudo muito parecido com as exigências feitas a um diplomata -- e também a um executivo de primeira linha. O que pode explicar o fato de as pessoas que optam pela carreira às vezes confundirem as áreas de atuação.
Rodrigo Hajjar Francisco, de 24 anos, por exemplo, perdeu a conta de quantos colegas abandonaram o curso quando notaram que a escola não assegurava uma vaga como diplomata do governo. Ele era uma exceção. "Sempre imaginei trabalhar com direito internacional", diz Hajjar. Atualmente, ele é consultor corporativo do BrasilInvest, um banco de negócios de São Paulo. Não foi fácil começar. "Faltavam opções de estágios", recorda. "Os amigos sempre perguntavam se eu estava me preparando para o Itamaraty e, quando eu dizia que não, questionavam para que serviria meu curso." Hoje depende de Hajjar o andamento de um importante projeto no setor hoteleiro em Cuba. Por causa dessa tarefa, ele precisa manter o espanhol afiado. Esse paulistano sabe que a formação universitária não pode ser o ponto final e agora faz pós-graduação em gestão de projetos na Universidade de São Paulo (USP). Já seu colega de profissão, Fábio Rua, de 25 anos, diz que, quando entrou na faculdade, a carreira no Itamaraty era, sim, seu objetivo. "À medida que fui avançando nos estudos percebi que minha meta era ser diplomata, mas do setor privado", diz. Rua foi o primeiro profissional com essa formação contratado pela Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham). Assumiu o posto de coordenador de relações externas. Antes atuou no departamento de comitês e teve contato com o grupo de estudos sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), hoje sua especialidade.
Quem ainda não se convenceu de que as boas oportunidades "diplomáticas" estão nas empresas está perdendo tempo. O salário de um recém-formado contratado em São Paulo varia de 1 500 a 2 000 reais. Mais alguns anos de experiência, e a renda pode triplicar, sem contar os incentivos tradicionais do mundo corporativo, como stock options e participação nos lucros. Já um funcionário de carreira do Itamaraty começa recebendo cerca de 2 000 reais. A média salarial dos experientes com mais de 15 anos de serviço não ultrapassa 5 400 reais. Para chegar a embaixador, é preciso trilhar um longo caminho hierárquico, passando pelos postos de conselheiro, ministro-conselheiro e cônsul. Outro ponto a favor nas corporações é a abertura para programas de estágio, que se multiplicam.
O Citibank, por exemplo, contrata 20 trainees por ano só em São Paulo. "Em geral, os formandos de relações internacionais têm mais disposição para uma vivência em outro país e muitos até já chegam com essa experiência", diz Fernanda Pacheco, responsável pela seleção de trainees do Citibank. A escolha da pessoa certa para cada cargo vai depender da iniciativa do próprio trainee, que é acompanhado de perto pela equipe de RH em atividades que testam seu potencial de liderança e sua forma de lidar com desafios. A maioria acaba atuando na área de negócios, mas há casos de gente que assumiu um posto de recursos humanos no escritório da Flórida, por exemplo. O carioca Gabriel Kenski, de 26 anos, ainda não sabe com o que vai atuar quando terminar seu período de trainee no Citibank. Mas já sabe que quer continuar trabalhando com economia internacional. Formado desde dezembro do ano passado, ele entrou em janeiro deste ano no programa e deve continuar conhecendo departamento por departamento até dezembro. O período de formação de Kenski, aliás, foi bem diferente. Quando resolveu estagiar, da metade do curso em diante, não faltaram boas ofertas. Foi opção dele trocar o Rio de Janeiro por São Paulo para participar do programa do Citibank.
Atuação variada
Flexibilidade de atuação é mesmo uma característica da profissão. As universidades oferecem formação abrangente que pede, e algumas vezes torna essencial, especialização depois de concluído o curso de quatro anos de graduação. É que a base do currículo é a mesma, mas o direcionamento pode mudar de faculdade para faculdade. O curso da PUC de São Paulo, por exemplo, é reconhecido por ser mais teórico e voltado para as ciências políticas. Já o da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), também em São Paulo, oferece uma visão mais pragmática com foco na gestão de negócios. O da Universidade de Brasília (UnB) está mais voltado para questões de política internacional e relações entre países. Mais recentemente, a Amcham se uniu à Unicamp e montou o curso de especialização em diplomacia econômica.
Especialistas e profissionais da área consideram essa capacidade de atuação variada como a melhor característica da profissão. Tanto que a maioria é contra o projeto de regulamentação que tramita atualmente no Congresso Nacional. Embora o curso seja regulamentado pelo MEC, a profissão continua sem regularização, como foi, durante anos, a de psicólogo. "A única proposta apresentada até agora enrijece nossa atuação", diz o professor Reginaldo Nasser, da PUC. "É melhor que continue do jeito que está." O medo de Nasser é que, sujeito a um regulamento, o profissional de relações internacionais acabe impedido de atuar em algumas áreas. Por exemplo: uma distribuidora de filmes americana resolve contratar um estagiário da área porque precisa de alguém que conheça o perfil político e econômico da América Latina. "Uma regulamentação, no modelo que se propõe, prejudicará uma inserção como esta", diz Nasser.
Foi pensando em montar uma equipe com condições de atuação mais abrangente que a Câmara Brasil-China de Desenvolvimento, Intercâmbio Econômico e de Comércio Exterior (CBCDE) criou, no começo deste ano, o programa de jovens executivos. Contratou oito formandos de relações internacionais, capazes de intermediar contratos comerciais entre os mais diferentes modelos de negócio de empresas do Brasil e da China. Mas por que não estudantes de comércio exterior? "Porque não queríamos pessoas com domínio apenas da técnica aduaneira", explica Titus Liu, coordenador de negócios da CBCDE. Um dos escolhidos foi Luiz Paulo Bellinni Júnior, de 19 anos. Filho de economista e administrador de empresas, substituiu a idéia de seguir a carreira do pai para ser diplomata empresarial. Na Câmara Brasil-China, é responsável pela captação de novos clientes. Marca reuniões, apresenta a Câmara aos empresários e desenvolve projetos de exportação ou importação. Para evitar ruídos de comunicação, já decidiu o próximo passo: especializar-se em economia e política chinesas. "Sempre pensei na China como o país do amanhã", conta o paulista, que já tem aulas de chinês. Bellinni simboliza o novo perfil de quem atua com relações internacionais: sabe bem aplicar os conceitos da diplomacia -- só que para fazer negócios no mundo corporativo.
DIFERENTES NO CONCEITO
O que diferencia um profissional de relações internacionais de um especialista em comércio exterior?
# O de comércio exterior planeja programas de importação e exportação. O de relações internacionais avalia quadros políticos de países com relações comerciais ou diplomáticas.
# O primeiro entende de regimes aduaneiros e é capaz de gerenciar o mecanismo de logística e a prática cambial. Já o outro faz estudos mais amplos, como identificar oportunidades de negócios lá fora.
# Para ser um profissional de comércio exterior, o natural é optar por essa especialização no final do curso de administração. Já na carreira de relações internacionais, a formação pode se dar por graduação, pós-graduação, mestrado ou doutorado.
CURRÍCULO ALINHADO
O que você precisa fazer para virar um diplomata corporativo
# Concluir a graduação em relações internacionais ou fazer uma especialização.
# Dominar dois idiomas, um deles o inglês.
# Ter boa capacidade de articulação.
# Acumular experiências internacionais por meio, por exemplo, de estudos em outro país.
# Ter interesse em história política e econômica e estar bem informado sobre questões internacionais.
"Essa mudança na percepção de quem contrata está muito ligada à internacionalização das relações comerciais, com a criação do Mercosul, a formação de um sistema financeiro mundial e os conflitos entre nações", explica Reginaldo Nasser, coordenador do curso de relações internacionais da PUC de São Paulo. Nasser lembra de quando os alunos da sua primeira turma tentaram estágio na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 1996. Eles voltaram para a faculdade decepcionados. Não existia vaga para esse perfil. Há pouco mais de um ano, a Fiesp criou uma gerência para monitorar as negociações entre seus associados e estudar novos mercados para as indústrias brasileiras. Tomou a decisão depois de perceber que isoladamente muitas empresas já estavam buscando a assessoria de alguém com essa especialização.
A reação demorou a acontecer. Afinal, o primeiro curso de relações internacionais do Brasil foi criado há 29 anos na Universidade de Brasília (UnB). Ali, ao lado do poder e das embaixadas, era natural que houvesse a confusão com a tradicional carreira diplomática. Mas a intenção não era essa, garante o professor Alcides Costa Vaz, coordenador do terceiro curso mais disputado na UnB, com média de 60 candidatos por vaga. "A motivação era formar gente capaz de atuar num cenário de participação crescente do Brasil nos fluxos externos", diz. Hoje são mais de 40 cursos universitários na área no país. A maioria de graduação, alguns de pós-graduação, outros de mestrado e até de doutorado. Para atuar nesse setor, não é necessário se graduar nele. Um advogado ou um economista pode optar por se especializar na área.
Foi assim com o superintendente de corporate do BankBoston, Ricardo Russo, de 33 anos. Primeiro, ele estudou administração de empresas. Depois de formado, percebeu que ganharia pontos na carreira que escolheu -- a de relações financeiras internacionais -- se fizesse uma especialização. Fez, então, um mestrado em relações internacionais e gestão de negócios e, depois, um MBA em finanças. Russo queria conhecer mais sobre as relações históricas e políticas entre os países, principalmente entre Brasil e Estados Unidos. Queria entender sobre protecionismos e sobre as regras diplomáticas que podem e devem ser aplicadas no mundo corporativo. "Assim, acredito, completei a formação para atuar num banco estrangeiro", diz o executivo. Russo tem razão. O profissional de relações internacionais precisa ser capaz de assumir as responsabilidades de um administrador de empresas com algo mais do que o conhecimento das técnicas aduaneiras da formação em comércio exterior. Precisa ter domínio de pelo menos dois idiomas estrangeiros. De preferência, inglês e espanhol ou francês. Também precisa de boa capacidade de articulação e, na melhor das hipóteses, de uma experiência de estudos em outro país. Tudo muito parecido com as exigências feitas a um diplomata -- e também a um executivo de primeira linha. O que pode explicar o fato de as pessoas que optam pela carreira às vezes confundirem as áreas de atuação.
Rodrigo Hajjar Francisco, de 24 anos, por exemplo, perdeu a conta de quantos colegas abandonaram o curso quando notaram que a escola não assegurava uma vaga como diplomata do governo. Ele era uma exceção. "Sempre imaginei trabalhar com direito internacional", diz Hajjar. Atualmente, ele é consultor corporativo do BrasilInvest, um banco de negócios de São Paulo. Não foi fácil começar. "Faltavam opções de estágios", recorda. "Os amigos sempre perguntavam se eu estava me preparando para o Itamaraty e, quando eu dizia que não, questionavam para que serviria meu curso." Hoje depende de Hajjar o andamento de um importante projeto no setor hoteleiro em Cuba. Por causa dessa tarefa, ele precisa manter o espanhol afiado. Esse paulistano sabe que a formação universitária não pode ser o ponto final e agora faz pós-graduação em gestão de projetos na Universidade de São Paulo (USP). Já seu colega de profissão, Fábio Rua, de 25 anos, diz que, quando entrou na faculdade, a carreira no Itamaraty era, sim, seu objetivo. "À medida que fui avançando nos estudos percebi que minha meta era ser diplomata, mas do setor privado", diz. Rua foi o primeiro profissional com essa formação contratado pela Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham). Assumiu o posto de coordenador de relações externas. Antes atuou no departamento de comitês e teve contato com o grupo de estudos sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), hoje sua especialidade.
Quem ainda não se convenceu de que as boas oportunidades "diplomáticas" estão nas empresas está perdendo tempo. O salário de um recém-formado contratado em São Paulo varia de 1 500 a 2 000 reais. Mais alguns anos de experiência, e a renda pode triplicar, sem contar os incentivos tradicionais do mundo corporativo, como stock options e participação nos lucros. Já um funcionário de carreira do Itamaraty começa recebendo cerca de 2 000 reais. A média salarial dos experientes com mais de 15 anos de serviço não ultrapassa 5 400 reais. Para chegar a embaixador, é preciso trilhar um longo caminho hierárquico, passando pelos postos de conselheiro, ministro-conselheiro e cônsul. Outro ponto a favor nas corporações é a abertura para programas de estágio, que se multiplicam.
O Citibank, por exemplo, contrata 20 trainees por ano só em São Paulo. "Em geral, os formandos de relações internacionais têm mais disposição para uma vivência em outro país e muitos até já chegam com essa experiência", diz Fernanda Pacheco, responsável pela seleção de trainees do Citibank. A escolha da pessoa certa para cada cargo vai depender da iniciativa do próprio trainee, que é acompanhado de perto pela equipe de RH em atividades que testam seu potencial de liderança e sua forma de lidar com desafios. A maioria acaba atuando na área de negócios, mas há casos de gente que assumiu um posto de recursos humanos no escritório da Flórida, por exemplo. O carioca Gabriel Kenski, de 26 anos, ainda não sabe com o que vai atuar quando terminar seu período de trainee no Citibank. Mas já sabe que quer continuar trabalhando com economia internacional. Formado desde dezembro do ano passado, ele entrou em janeiro deste ano no programa e deve continuar conhecendo departamento por departamento até dezembro. O período de formação de Kenski, aliás, foi bem diferente. Quando resolveu estagiar, da metade do curso em diante, não faltaram boas ofertas. Foi opção dele trocar o Rio de Janeiro por São Paulo para participar do programa do Citibank.
Atuação variada
Flexibilidade de atuação é mesmo uma característica da profissão. As universidades oferecem formação abrangente que pede, e algumas vezes torna essencial, especialização depois de concluído o curso de quatro anos de graduação. É que a base do currículo é a mesma, mas o direcionamento pode mudar de faculdade para faculdade. O curso da PUC de São Paulo, por exemplo, é reconhecido por ser mais teórico e voltado para as ciências políticas. Já o da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), também em São Paulo, oferece uma visão mais pragmática com foco na gestão de negócios. O da Universidade de Brasília (UnB) está mais voltado para questões de política internacional e relações entre países. Mais recentemente, a Amcham se uniu à Unicamp e montou o curso de especialização em diplomacia econômica.
Especialistas e profissionais da área consideram essa capacidade de atuação variada como a melhor característica da profissão. Tanto que a maioria é contra o projeto de regulamentação que tramita atualmente no Congresso Nacional. Embora o curso seja regulamentado pelo MEC, a profissão continua sem regularização, como foi, durante anos, a de psicólogo. "A única proposta apresentada até agora enrijece nossa atuação", diz o professor Reginaldo Nasser, da PUC. "É melhor que continue do jeito que está." O medo de Nasser é que, sujeito a um regulamento, o profissional de relações internacionais acabe impedido de atuar em algumas áreas. Por exemplo: uma distribuidora de filmes americana resolve contratar um estagiário da área porque precisa de alguém que conheça o perfil político e econômico da América Latina. "Uma regulamentação, no modelo que se propõe, prejudicará uma inserção como esta", diz Nasser.
Foi pensando em montar uma equipe com condições de atuação mais abrangente que a Câmara Brasil-China de Desenvolvimento, Intercâmbio Econômico e de Comércio Exterior (CBCDE) criou, no começo deste ano, o programa de jovens executivos. Contratou oito formandos de relações internacionais, capazes de intermediar contratos comerciais entre os mais diferentes modelos de negócio de empresas do Brasil e da China. Mas por que não estudantes de comércio exterior? "Porque não queríamos pessoas com domínio apenas da técnica aduaneira", explica Titus Liu, coordenador de negócios da CBCDE. Um dos escolhidos foi Luiz Paulo Bellinni Júnior, de 19 anos. Filho de economista e administrador de empresas, substituiu a idéia de seguir a carreira do pai para ser diplomata empresarial. Na Câmara Brasil-China, é responsável pela captação de novos clientes. Marca reuniões, apresenta a Câmara aos empresários e desenvolve projetos de exportação ou importação. Para evitar ruídos de comunicação, já decidiu o próximo passo: especializar-se em economia e política chinesas. "Sempre pensei na China como o país do amanhã", conta o paulista, que já tem aulas de chinês. Bellinni simboliza o novo perfil de quem atua com relações internacionais: sabe bem aplicar os conceitos da diplomacia -- só que para fazer negócios no mundo corporativo.
DIFERENTES NO CONCEITO
O que diferencia um profissional de relações internacionais de um especialista em comércio exterior?
# O de comércio exterior planeja programas de importação e exportação. O de relações internacionais avalia quadros políticos de países com relações comerciais ou diplomáticas.
# O primeiro entende de regimes aduaneiros e é capaz de gerenciar o mecanismo de logística e a prática cambial. Já o outro faz estudos mais amplos, como identificar oportunidades de negócios lá fora.
# Para ser um profissional de comércio exterior, o natural é optar por essa especialização no final do curso de administração. Já na carreira de relações internacionais, a formação pode se dar por graduação, pós-graduação, mestrado ou doutorado.
CURRÍCULO ALINHADO
O que você precisa fazer para virar um diplomata corporativo
# Concluir a graduação em relações internacionais ou fazer uma especialização.
# Dominar dois idiomas, um deles o inglês.
# Ter boa capacidade de articulação.
# Acumular experiências internacionais por meio, por exemplo, de estudos em outro país.
# Ter interesse em história política e econômica e estar bem informado sobre questões internacionais.
Discurso de líder
A comunicação é a principal ferramenta dos líderes. Essa premissa voltou a ocupar os holofotes depois da posse do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no último dia 20 de janeiro. Durante a campanha, ele entrou para a história com discursos marcantes, capazes de atrair e empolgar multidões. Eleito, continua inovando: o site da Casa Branca agora mantém um blog, o próprio presidente grava [videocasts] semanais, para explicar suas ações, e todos os seus principais projetos estão detalhados no portal. Obama adota em seus discursos um tom mobilizador e se fortalece como líder que se coloca ao lado e à disposição da audiência.
Aprenda com o mestre
Enviamos dois importantes discursos do presidente americano, Barack Obama, para o especialista em comunicação verbal Reinaldo Passadori, que destacou trechos fundamentais nos textos. Veja o que você pode aprender com eles:
Discurso da posse
Barack Obama: “Hoje, eu digo a vocês que os desafios que enfrentamos são reais. Eles são sérios e são muitos. Eles não serão encarados com facilidade ou num curto período de tempo. Mas, saibam disso, eles serão encarados. Neste dia, nos reunimos porque escolhemos a esperança no lugar do medo, a unidade de propósito em vez do conflito e da discórdia”.
Reinaldo Passadori: “Com uma escolha de palavras sóbrias, Obama não pretende comover; ele adota um discurso objetivo, claro e justo”.
Para você: Calibrar o discurso — encontrar as palavras certas para se conectar com a audiência e o tom ideal para o que se pretende transmitir — é um dos principais desafios de quem tem de falar em público. Pense antes em quem será seu interlocutor: o pessoal da fábrica, os diretores da sua empresa ou o grupo de acionistas da companhia. Seja simples e foque no que você sabe.
Discurso da vitória em Iowa
Obama: “Eles disseram que nossos objetivos estavam fora de alcance. Disseram que esse país estava dividido demais, desiludido demais para jamais se unir ao redor de um propósito comum. Mas, nesta noite — neste momento histórico —, vocês fizeram o que os céticos disseram que não poderíamos fazer”.
RP: “A comunicação é a principal ferramenta dos líderes. Obama sabe disso e usa esse trecho do discurso para elevar o moral dos americanos em tempos de crise. Ele incita à postura proativa, flexível a mudanças, desafiadora e corajosa”.
Para você: Liderar implica renovar a autoestima — a sua e a dos colegas. Em tempos de crise, reforçar esse aspecto no dia-a-dia com sua equipe é um tremendo diferencial, pois melhora a adesão do time, o compromisso com os objetivos e o trabalho conjunto.
Obama: “Essa luta traz pouco sono, pouco dinheiro e muito sacrifício (...) Daqui a vários anos, quando tivermos realizado as mudanças em que acreditamos (...), vocês serão capazes de olhar para trás com orgulho e dizer que esse foi o momento em que tudo começou”.
RP: “Obama personifica o líder da atualidade, que fala de igual para igual com sua audiência e nem por um instante se coloca alheio ou fora do processo de mudança que propõe”.
Para você: Hoje, a figura do líder autoritário e invencível deu lugar a um herói mais humano, que também perde noites de sono e tem frustrações. Dividir suas angústias e expectativas com a equipe traz o time para o seu lado.
Obama: “Chegou o momento de elegermos um presidente que será honesto sobre suas escolhas e os desafios que enfrentamos; que vai ouvir vocês e aprender com vocês, mesmo quando discordamos; que não vai falar apenas o que vocês gostariam de ouvir, mas o que vocês precisam saber”.
RP: “Neste trecho, Obama deixa implícito que sabe orquestrar conflitos e diversidades para atingir os interesses coletivos. Ele chama para si a responsabilidade de colocar em prática aquilo que for necessário para conduzir a nação”.
Para você: Comemorar bons resultados é fácil. Difícil mesmo é ser o portador de notícias desagradáveis, como cortes e demissões. Nessa hora, ir direto ao ponto é o mais correto. “Ao líder cabe o papel de inspirar, criar expectativas realizáveis e recompensar esforços”, diz Reinaldo.
O cérebro por trás dos discursos
Em seu primeiro dia de trabalho como senador dos Estados Unidos, há quatro anos, Barack Obama entrevistou um jovem de 23 anos para a vaga de redator de seus discursos. Jon Favreau, formado pela pequena universidade Holy Cross, no estado de Massachusetts, havia participado da campanha do democrata John Kerry, em 2004, e desde a sua derrota estava desempregado. A entrevista foi rápida. Obama quis saber quais eram as motivações do jovem e sua teoria por trás dos discursos. Favre explicou que havia se impressionado com o discurso de Obama na convenção democrata em 2004, porque, como ele, também acreditava na força de uma história para mobilizar e fortalecer uma mensagem.
Hoje, ele é o encarregado oficial dos discursos do presidente Obama — ele próprio um ótimo escritor. Eles trocam e-mails, telefonemas e, quando possível, conversam pessoalmente sobre o conteúdo de determinado discurso. Para o da posse, por exemplo, Jon recebeu de Obama tópicos que de veriam ser abordados e passou dois meses trabalhando no texto, com sua pequena equipe de dois assessores, que o ajudou a pesquisar discursos anteriores, conversar com historiadores e cientistas políticos, lapidar as referências e definir o tom da fala de Obama. O primeiro rascunho foi enviado ao presidente e passou por cinco rodadas de correção. Obama costuma dizer que seu redator tem o poder de “ler a mente”. O que ele faz, na verdade, é estudar duro. Jon carrega a autobiografia de Obama, A Origem dos Meus Sonhos para todos os lugares que vai.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
KOSOVOS BRASILEIROS
KOSOVOS BRASILEIROS PDF Imprimir E-mail
Correio Brazilense de 26 Ago 2008
Opinião
Luiz Eduardo Rocha Paiva
General da reserva do Exército
A história ensina que cenários semelhantes, mesmo em episódios distintos e distantes no tempo, podem ter desfechos análogos. O tempo estratégico não se conta ano a ano, portanto, erros de hoje produzem conseqüências décadas adiante.
A Bolívia vendeu o Acre, em 1903, por não tê-lo ocupado com seu povo após o Tratado de Ayacucho, de 1867, que lhe fora favorável. Quando quis fazê-lo, em 1898, o Acre estava ocupado por brasileiros desde 1877. Eram nordestinos liderados por seringalistas brasileiros que exerciam, de fato, o poder local no vazio deixado pelo governo boliviano. Os seringalistas tinham outros interesses e não eram comprometidos com a nação andina. O tempo estratégico passou de três décadas.
Na província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população é albanesa. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, que foi cassada em 1999, levando aquela população à revolta. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu aval para entrar com suas forças “de paz” na região, a Otan moveu uma campanha aérea arrasadora, que acabou por dobrar aquele país. A ofensiva poupou o alto custo em baixas de uma operação terrestre. O direito de soberania não foi suficiente para a Sérvia manter sua integridade territorial, pois o Kosovo se declarou independente em 2008.
Os exemplos evidenciam que num país onde determinada região rica seja um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada e sob liderança alienígena, ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Esse é o cenário desenhado em Roraima, com potencial de expansão até o Amapá.
Desde 1991, o Brasil demarca extensas terras indígenas, inclusive na faixa de fronteiras, o que impede a vivificação dos limites nacionais. O país trocou a política de integração pela de segregação do índio. Os grupos indígenas passaram a ser chamados “povos” e, ao receberem territórios, a constituir “nações” para setores nacionais e internacionais que defendem sua autonomia.
A Amazônia é rica, não integrada e cobiçada — um vazio de poder. O Estado se deixa substituir por ONGs e outras organizações, muitas das quais defendem interesses e recebem recursos de governos estrangeiros. Em terras indígenas, não podem viver, nem circular sem permissão, brasileiros de outras etnias. Em algumas décadas, haverá grandes populações indígenas autônomas, segregadas da sociedade e em imensos territórios.
Em 2007, a declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas concedeu-lhes, entre outros, os direitos de autogoverno; livre determinação, inclusive de sua condição política; constituir instituições políticas e sistemas jurídicos próprios; pertencer a uma nação indígena vetar atividades militares em terras indígenas; e aceitar ou não medidas legislativas ou administrativas que os afetem.
O artigo 46 da declaração, que aparentemente preserva a integridade e unidade política dos Estados, é inócuo, pois os artigos 41 e 42 “justificariam” a intervenção internacional em conflitos entre governos e “povos indígenas”. Como ficará a governabilidade no Brasil, considerando a quantidade de terras indígenas com direito a uma autonomia superior à dos estados da Federação? Povo, território, nação e instituições políticas são as bases de um estado-nação.
A declaração, inexplicavelmente, teve voto favorável do Brasil. Um absurdo! Embora a segurança da Amazônia dependa mais de ações no campo político, a liderança nacional tem um discurso ilusório de que sua defesa será assegurada pelo aumento do efetivo militar na área. Se fosse uma questão de quantidade, o Kuweit talvez estivesse ocupado, desde 1991, pelo então numeroso Exército iraquiano. No futuro, não sendo suficiente, como tem sido, a pressão nos campos político e econômico, para impor seus interesses, uma coligação de potências ameaçará áreas sensíveis como, por exemplo, a Bacia de Campos e Itaipu. Se o governo não ceder, ela paralisa e apaga o país, para evitar um confronto terrestre.
Existe a ameaça, ela é muito grave e o tempo estratégico aproxima-se de duas décadas. A liderança nacional vem criando condições objetivas para a perda da soberania e integridade territorial na calha norte do Amazonas, sem que o oponente precise disparar um tiro. Na realidade, a ameaça não é o índio e sim a liderança nacional, inconseqüente e sem visão estratégica.
Correio Brazilense de 26 Ago 2008
Opinião
Luiz Eduardo Rocha Paiva
General da reserva do Exército
A história ensina que cenários semelhantes, mesmo em episódios distintos e distantes no tempo, podem ter desfechos análogos. O tempo estratégico não se conta ano a ano, portanto, erros de hoje produzem conseqüências décadas adiante.
A Bolívia vendeu o Acre, em 1903, por não tê-lo ocupado com seu povo após o Tratado de Ayacucho, de 1867, que lhe fora favorável. Quando quis fazê-lo, em 1898, o Acre estava ocupado por brasileiros desde 1877. Eram nordestinos liderados por seringalistas brasileiros que exerciam, de fato, o poder local no vazio deixado pelo governo boliviano. Os seringalistas tinham outros interesses e não eram comprometidos com a nação andina. O tempo estratégico passou de três décadas.
Na província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população é albanesa. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, que foi cassada em 1999, levando aquela população à revolta. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu aval para entrar com suas forças “de paz” na região, a Otan moveu uma campanha aérea arrasadora, que acabou por dobrar aquele país. A ofensiva poupou o alto custo em baixas de uma operação terrestre. O direito de soberania não foi suficiente para a Sérvia manter sua integridade territorial, pois o Kosovo se declarou independente em 2008.
Os exemplos evidenciam que num país onde determinada região rica seja um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada e sob liderança alienígena, ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Esse é o cenário desenhado em Roraima, com potencial de expansão até o Amapá.
Desde 1991, o Brasil demarca extensas terras indígenas, inclusive na faixa de fronteiras, o que impede a vivificação dos limites nacionais. O país trocou a política de integração pela de segregação do índio. Os grupos indígenas passaram a ser chamados “povos” e, ao receberem territórios, a constituir “nações” para setores nacionais e internacionais que defendem sua autonomia.
A Amazônia é rica, não integrada e cobiçada — um vazio de poder. O Estado se deixa substituir por ONGs e outras organizações, muitas das quais defendem interesses e recebem recursos de governos estrangeiros. Em terras indígenas, não podem viver, nem circular sem permissão, brasileiros de outras etnias. Em algumas décadas, haverá grandes populações indígenas autônomas, segregadas da sociedade e em imensos territórios.
Em 2007, a declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas concedeu-lhes, entre outros, os direitos de autogoverno; livre determinação, inclusive de sua condição política; constituir instituições políticas e sistemas jurídicos próprios; pertencer a uma nação indígena vetar atividades militares em terras indígenas; e aceitar ou não medidas legislativas ou administrativas que os afetem.
O artigo 46 da declaração, que aparentemente preserva a integridade e unidade política dos Estados, é inócuo, pois os artigos 41 e 42 “justificariam” a intervenção internacional em conflitos entre governos e “povos indígenas”. Como ficará a governabilidade no Brasil, considerando a quantidade de terras indígenas com direito a uma autonomia superior à dos estados da Federação? Povo, território, nação e instituições políticas são as bases de um estado-nação.
A declaração, inexplicavelmente, teve voto favorável do Brasil. Um absurdo! Embora a segurança da Amazônia dependa mais de ações no campo político, a liderança nacional tem um discurso ilusório de que sua defesa será assegurada pelo aumento do efetivo militar na área. Se fosse uma questão de quantidade, o Kuweit talvez estivesse ocupado, desde 1991, pelo então numeroso Exército iraquiano. No futuro, não sendo suficiente, como tem sido, a pressão nos campos político e econômico, para impor seus interesses, uma coligação de potências ameaçará áreas sensíveis como, por exemplo, a Bacia de Campos e Itaipu. Se o governo não ceder, ela paralisa e apaga o país, para evitar um confronto terrestre.
Existe a ameaça, ela é muito grave e o tempo estratégico aproxima-se de duas décadas. A liderança nacional vem criando condições objetivas para a perda da soberania e integridade territorial na calha norte do Amazonas, sem que o oponente precise disparar um tiro. Na realidade, a ameaça não é o índio e sim a liderança nacional, inconseqüente e sem visão estratégica.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Carreira de diplomata continua atraindo muitos jovens
Fim dos estudos universitários não significa carreira à vista. Pelo contrário, agora é que começa a busca pela profissão: ser diplomata.
Veja o site do Jornal da Globo
Tarefa árdua para 8.228 brasileiros que tiveram que disputar, no ano passado, 115 vagas para o Instituto Rio Branco, que forma diplomatas no Brasil. Média de 71 candidatos para cada vaga. O recorde foi em 2005: 207 candidatos por vaga.
“Exige muita vocação, muita preparação, muito método, disciplina de estudo principalmente”, fala Raphaela Serrador, coordenadora do curso.
Os cursos preparatórios se espalham pelo país. Joana Campos de Souza veio do Espírito Santo e sabe o que vai enfrentar. “Esperança a gente sempre tem, né? Difícil, vamos tentar”.
São dez etapas, realizadas em 18 estados. Depois da primeira seletiva, que inclui português, história, geografia, política internacional, direito, economia e inglês, só ficam 300 candidatos.
Aí começa a maratona de entrevistas. Muitos vão sendo eliminados após as conversas. E a última etapa testa conhecimentos de francês e espanhol.
Quem passa no concurso vai estudar em Brasília, no prestigiado Instituto Rio Branco, fundado em 1945 pelo presidente Getúlio Vargas, com o objetivo de aprimorar a política externa brasileira.
Os 115 alunos, mesmo tendo ainda um ano de estudos, já são terceiros-secretários e recebem um salário de R$ 10.900 por mês. Nada mal, numa carreira que inclui glamour, belas residências, proximidade com o poder.
Proximidade que andou gerando discussões nos últimos anos, por causa de alguns livros utilizados no curso e que trariam uma orientação ideológica para a formação dos alunos. A suposta intervenção política recebeu muitas críticas.
“É claro que o ministro, o secretário, o governo de um modo geral têm que estabelecer, digamos, as grandes linhas, né? Diretrizes. Mas, a gestão pormenorizada das coisas eu não acho que seja uma boa coisa, não”, comenta Luis Felipe Lampreia, ex-embaixador.
O embaixador Fernando Reis, diretor do Instituto Rio Branco, nega que haja qualquer tipo de "doutrinação" dos alunos. Mas afirma que os profissionais precisam ter uma formação política.
“Se você fala em político no sentido ideológico, não. No sentido partidário, não. Mas no sentido da política? Sim, obviamente. Porque a diplomacia é uma arte política”, afirma Reis.
O Itamaraty aumentou o número de cargos depois que houve um crescimento nas relações bilaterais, principalmente com os países africanos, e por causa dos 3 milhões de brasileiros que vivem no exterior. Em 2006 havia mil postos diplomáticos, hoje são 1.400 e ainda há representações precisando de mais diplomatas.
Até há muito pouco tempo, ingressar na carreira significava quase sempre ter um sobrenome ilustre numa profissão de elite. Hoje, não é bem assim.
Jackson de Oliveira, que é terceiro-secretário, se formou em fisioterapia, no interior da Bahia. Se candidatou a uma bolsa, numa parceria do Instituto Rio Branco com secretarias e ministérios ligados à defesa dos direitos humanos.
“Eu só queria Itamaraty, e eu acho que agora eu vou conseguir o meu objetivo, que é colaborar e contribuir com a política externa”, diz.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Hélio Gracie - uma vida dedicada ao Jiu-jitsu
No último dia 29/1, aos 95 anos, nos deixou o grande mestre Helio Gracie, ícone mundial do jiu-jitsu e criador do estilo Brazilian Jiu-jitsu (ou Gracie Jiu-jitsu). A PdH aqui conta um pouco da história deste que foi um dos primeiros heróis do esporte brasileiro, e de sua importância na difusão do hoje mais do que consagrado do Jiu-Jitsu pelo Brasil e pelo mundo.
Breve história do jiu-jitsu
A arte advém da época de Buda, na Índia. Os monges budistas viajavam muito e eram constantemente saqueados, e então criaram uma forma de defesa. Nascia assim o jiu-jitsu, que significa “arte suave”, e possui três princípios básicos: técnica, alavanca e base. Da Índia, migrou para a China e de lá para o Japão, onde obteve um grande salto e ficou conhecido.
Chegada ao Brasil e a família Gracie
Em 1914, o lutador japonês Mitsuo Maeda veio para o Brasil, mais precisamente Belém, onde conhece Gastão Gracie, que o ajuda a se estabelecer na cidade. Maeda era lutador de judô e discípulo de Jigoro Kano, o criador da luta. As diferenças entre jiu-jitsu, judô e jujutsu (da qual o judô se derivou) à época eram nebulosas, e acredita-se que o jiu-jitsu é derivado do jujutsu. No final das contas, as filosofias eram bem parecidas, e este foi o ponto de separação.
Um dos filhos de Gastão, Carlos Gracie, ao assistir uma demonstração de Maeda, resolveu aprender a luta, e foi “adotado” pelo mestre. Em 1925, a família se muda para o Rio de Janeiro, e Carlos abre uma academia para ensinar a arte. Seu irmão mais novo, o frágil e franzino Hélio, sofria de vertigens e problemas nas articulações, e foi proibido de praticar a arte. Mesmo assim, assistia avidamente a todas as aulas, tornando-se um bom professor teórico em curto período.
Um belo dia, em 1928, Carlos se atrasa para dar uma aula, e Helio se ofereceu para fazê-lo. Quando Carlos finalmente chegou, pediu desculpas aos alunos, estes asseguraram que não havia problema, e solicitaram que o aprendizado com Helio continuasse. Assim, Carlos aceitou e Helio tornava-se instrutor.
Adaptação e as origens do brazilian jiu-jitsu
Não foi fácil o começo de Helio Gracie como instrutor. Ele logo percebeu que os movimentos eram muito mais difíceis de executar do que ele pensava. Além disso, deu-se conta que seu tamanho diminuto e sua compleição física frágil não permitiam a aplicação da força bruta que muitos dos movimentos da luta exigiam.
Então começou a adaptar os movimentos de acordo com seu porte físico, e por tentativa e erro, aprendeu a maximizar a eficiência dos movimentos, através do mínimo de força possível. Usando esses movimentos, lutadores menores e mais fracos ganhariam capacidade de se defender e até derrotar oponentes muitos mais fortes.
Nascia assim o Gracie Jiu-Jitsu.
Carreira de lutador e divulgação do jiu-jitsu
Helio iniciou sua carreira numa luta contra o boxeador Antonio Portugal, em 1932. A luta terminou por submissão, aos 30 segundos, vitória de Helio. No mesmo ano, ele lutou contra o americano Fred Ebert por 14 rounds de 10 minutos, e a luta teve que ser interrompida pela polícia, pois o barulho incomodava os moradores locais. Helio, que estava em desvantagem, foi submetido a uma cirurgia de urgência no dia seguinte.
Isto tudo foi fruto da política agressiva de divulgação da família Gracie, sempre desafiando a todos para mostrar a eficiência da luta.
Ainda em 1932, o lutador Manoel Rufino dos Santos (luta-livre) dizia que mostraria ao mundo que os Gracies não eram de nada. Num encontro no Tijuca Tênis Clube, Helio disse que viera responder ao chamado. Manoel deu-lhe um soco, e Helio levou-no ao chão, com dois ossos do crânio e a clavícula fraturadas, e o sangue espirrando. Foi processado e condenado a dois anos e meio de prisão, e sua apelação foi rejeitada. Porém, horas depois, o presidente Getúlio Vargas mandou solta-lo, provavelmente por intermédio de um amigo pessoal que era aluno de Helio. Getúlio e Helio iriam se encontrar futuramente por diversas vezes, e o filho de Getúlio, Maneco, viria a ser aluno de Helio.
O ano de 1932 também marca a primeira vitória de um ocidental contra um lutador japonês, no caso, de Helio Gracie contra Taro Miyake. Desafiou vários judocas japoneses com regras de submissão, tendo lutado inclusive no estádio do Maracanã e no Ibirapuera.
Derrotas “de fato”
Após inúmeras vitórias e uma reputação consolidada, em 1951, lutou contra Masahiko Kimura, de 38 anos de idade. O japonês venceu, e a melhor descrição do evento foi feita por ele mesmo:
“20000 pessoas foram ver a luta, incluindo o presidente do Brasil. Quando entrei no estádio, vi um caixão. Perguntei o que era, e me disseram que Helio trouxe para mim. Gargalhei. Chegando no ringue, atiravam ovos podres em mim. Quando a luta começou, Helio me agarrou pelo kimono e deu dois golpes, sem efeito algum. Minha vez, Atirei-no ao ar com diversos golpes. Tentei lhe causar uma concussão, mas o piso era muito macio. Continuei atirando-no e pensando num método para finalizar. Estrangulei. Ele tentava respirar, não tinha mais forças, e tentou se soltar estendendo o braço. Ali, apliquei uma chave de braço e tinha certeza que ele desistiria. Não o fez. Então não tive escolha senão continuar torcendo o braço. Ele não desistia. O estádio silenciava, e então o som de osso quebrado ecoou. Mesmo assim, Helio não desistiu. Pelas regras, eu não tinha escolha a não ser continuar torcendo o braço, que estava inútil. Outro osso se quebrou. E ele não desistia. Então jogaram uma toalha e venci por nocaute técnico”.
A tal chave de braço seria batizada de “Kimura”, e atualmente é um golpe do jiu-jitsu.
Outra derrota foi para o seu ex-aluno Valdemar Santana, no final da década de 40. Por muitos conhecido como o combate mais longo da história, lutaram por 3 horas e 45 minutos, quando Helio desmaiou. Ele mesmo dizia: “Não perdi, desmaiei. Como um cara 35kg mais pesado demora tanto tempo para acabar com um galinha morta como eu?”.
Fim de carreira e a Dinastia Gracie
Parou de lutar profissionalmente em 1952, e então dedicou-se a sua academia, na Avenida Rio Branco, até 1981, e após 1985, no Humaitá, onde fica até hoje. Além disso, praticamente todos os seus filhos e descendentes possuem algum elo com o jiu-jitsu e sua divulgação pelo mundo.
Seus filhos Rickson e Royce tornaram-se campeões mundiais de vale tudo, e lendas do esporte, espalhando o jiu-jitsu pelo mundo em caráter definitivo. Os Gracie montaram academias fora do Brasil, com destaque para a de Los Angeles, tocada pelos filhos Rorion, Rolker e Robyn. Isto sem contar os inúmeros sobrinhos, netos, bisnetos… O sobrenome Gracie definitivamente se atrelava ao jiu-jitsu.
Durante anos, afirmou que a filosofia do jiu-jitsu estava distorcida, que era o anti-jiu-jistu. Talvez por isso a luta tenha ganho a fama de coisa de pitboy. Só aceitava dar aulas para quem considerava fisicamente fraco e que poderia usar a luta como fonte de auto-confiança.
Palavra do mestre
“O Jiu-Jitsu que criei foi para dar chance aos mais fracos enfrentarem os mais pesados e fortes. E fez tanto sucesso, que resolveram fazer um Jiu-Jitsu de competição. Gostaria de deixar claro que sou a favor da prática esportiva e da preparação técnica de qualquer atleta, seja qual for sua especialidade. Além de boa alimentação, controle sexual e da abstenção de hábitos prejudiciais à saude. O problema consiste na criação de um Jiu-Jitsu competitivo com regras, tempo inadequado e que privilegia os mais treinados, fortes e pesados. O objetivo do Jiu-Jitsu é, principalmente, benificiar os mais fracos, que não tendo dotes físicos são inferiorizados. O meu Jiu-Jitsu é uma arte de autodefesa que não aceita certos regulamentos e tempo determinado. Essas são as razões pelas quais não posso, com minha presença, apoiar espetáculos, cujo efeito retrata um anti Jiu-Jitsu.”
Com toda essa riquíssima história iniciada por Carlos e Helio Gracie, não surpreende que o jiu-jitsu hoje é o esporte individual que mais cresce no país: possui cerca de 350 mil praticantes com 1.500 estabelecimentos de ensino somente nas grandes capitais. Os lutadores brasileiros têm grande reputação e o Brazilian jiu-jitsu tornou-se a arte marcial que mais cresce no mundo atualmente.
Bye Bye YouTube
Para a fecilidade da nação estão surgindo sites de vídeos que trazem filmes, seriados e clips com alta definição e de gratis. Imagine só uma espécie de YouTube com as temporadas inteirinhas de Lost, Heroes e várias outras que nós adoramos, tudo legalizado e com imagem de primeiríssima qualidade. Esse sonho já é realidade: Hulu (http://www.hulu.com). O nome é feio mas ele veio para revolucionar, levando a programação da TV para a Internet.
Seria o fim do poderoso YouTube? Se conheço bem o Google certamente não. Tudo isso seria bom demais se não houvesse um porém. O Hulu só funciona nos EUA. Nós, pobres mortais, teremos que nos contentar com os velhos donwloads. Além deste, existem outros. Confira ai a lista dos concorrentes do YouTube:
- Miro (www.getmiro.com) Não chega a ser um site, trata-se de um programa que procura vídeos na Internet, baixa e organiza tudo em seu computador. Ele ainda te avisa quando chega os episódios mais recentes na rede. Só tenha cuidado que as vezes ele baixa putarias de brinde em meio aos vídeos.
- TV online Mundo Fox (http://mundofox.uol.com.br/br) Estreou semana passada com vídeos de 7 séries de TV, e a empresa promete aumentar o acervo “em breve”, embora sem oferecer detalhes. A ideia é disponibilizar vesões completas de episódios como os “Os Simpsons” e “24 horas”.
- Joost (http://www.joost.com) Você encontra muita coisa interessante que não ainda não tem no YouTube, mas não chega a fazer nem cosquinha no todo poderoso.
- MTV Music (http://www.mtvmusic.com) Tadinha da MTV, teve seus videoclips (você lembra deles?) sumariamente assassinados pelo YouTube. Apesar disso, a emissora promete voltar com tudo, investido em alta definição para fazer novamente sucesso com videoclips. O lado ruim também é que só os americanos irão poder ter acesso. Ô raça desgraçada!
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