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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Diplomatas corporativos

A carreira diplomática sempre esteve cercada de glamour. Comandar as relações entre Estados, ser o representante em pessoa de seu país lá fora e ainda ter experiências de vida nos locais mais badalados (ou remotos) do mundo são algumas das obrigações que motivam cerca de 6 000 candidatos por ano a disputar não mais que 35 vagas no Itamaraty. Até há pouco tempo, quem cogitasse seguir a trilha das relações internacionais tinha de recorrer ao tradicional e renomado Instituto Rio Branco, que forma profissionais generalistas, com habilidade de análise política, comercial ou social em diversas culturas. Não havia outro caminho a não ser o do setor público. Mas o fato é que essa história está mudando. A diplomacia está ganhando espaço no mundo corporativo. As corporações brasileiras começam, enfim, a perceber a relevância do profissional com essa formação. Bancos, escritórios de advocacia, câmaras de comércio, agências de desenvolvimento e até federações de classe estão abrindo suas portas para especialistas em relações internacionais. E cada vez mais profissionais descobrem que essa pode ser uma estimulante e promissora possibilidade de carreira.

"Essa mudança na percepção de quem contrata está muito ligada à internacionalização das relações comerciais, com a criação do Mercosul, a formação de um sistema financeiro mundial e os conflitos entre nações", explica Reginaldo Nasser, coordenador do curso de relações internacionais da PUC de São Paulo. Nasser lembra de quando os alunos da sua primeira turma tentaram estágio na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em 1996. Eles voltaram para a faculdade decepcionados. Não existia vaga para esse perfil. Há pouco mais de um ano, a Fiesp criou uma gerência para monitorar as negociações entre seus associados e estudar novos mercados para as indústrias brasileiras. Tomou a decisão depois de perceber que isoladamente muitas empresas já estavam buscando a assessoria de alguém com essa especialização.

A reação demorou a acontecer. Afinal, o primeiro curso de relações internacionais do Brasil foi criado há 29 anos na Universidade de Brasília (UnB). Ali, ao lado do poder e das embaixadas, era natural que houvesse a confusão com a tradicional carreira diplomática. Mas a intenção não era essa, garante o professor Alcides Costa Vaz, coordenador do terceiro curso mais disputado na UnB, com média de 60 candidatos por vaga. "A motivação era formar gente capaz de atuar num cenário de participação crescente do Brasil nos fluxos externos", diz. Hoje são mais de 40 cursos universitários na área no país. A maioria de graduação, alguns de pós-graduação, outros de mestrado e até de doutorado. Para atuar nesse setor, não é necessário se graduar nele. Um advogado ou um economista pode optar por se especializar na área.

Foi assim com o superintendente de corporate do BankBoston, Ricardo Russo, de 33 anos. Primeiro, ele estudou administração de empresas. Depois de formado, percebeu que ganharia pontos na carreira que escolheu -- a de relações financeiras internacionais -- se fizesse uma especialização. Fez, então, um mestrado em relações internacionais e gestão de negócios e, depois, um MBA em finanças. Russo queria conhecer mais sobre as relações históricas e políticas entre os países, principalmente entre Brasil e Estados Unidos. Queria entender sobre protecionismos e sobre as regras diplomáticas que podem e devem ser aplicadas no mundo corporativo. "Assim, acredito, completei a formação para atuar num banco estrangeiro", diz o executivo. Russo tem razão. O profissional de relações internacionais precisa ser capaz de assumir as responsabilidades de um administrador de empresas com algo mais do que o conhecimento das técnicas aduaneiras da formação em comércio exterior. Precisa ter domínio de pelo menos dois idiomas estrangeiros. De preferência, inglês e espanhol ou francês. Também precisa de boa capacidade de articulação e, na melhor das hipóteses, de uma experiência de estudos em outro país. Tudo muito parecido com as exigências feitas a um diplomata -- e também a um executivo de primeira linha. O que pode explicar o fato de as pessoas que optam pela carreira às vezes confundirem as áreas de atuação.

Rodrigo Hajjar Francisco, de 24 anos, por exemplo, perdeu a conta de quantos colegas abandonaram o curso quando notaram que a escola não assegurava uma vaga como diplomata do governo. Ele era uma exceção. "Sempre imaginei trabalhar com direito internacional", diz Hajjar. Atualmente, ele é consultor corporativo do BrasilInvest, um banco de negócios de São Paulo. Não foi fácil começar. "Faltavam opções de estágios", recorda. "Os amigos sempre perguntavam se eu estava me preparando para o Itamaraty e, quando eu dizia que não, questionavam para que serviria meu curso." Hoje depende de Hajjar o andamento de um importante projeto no setor hoteleiro em Cuba. Por causa dessa tarefa, ele precisa manter o espanhol afiado. Esse paulistano sabe que a formação universitária não pode ser o ponto final e agora faz pós-graduação em gestão de projetos na Universidade de São Paulo (USP). Já seu colega de profissão, Fábio Rua, de 25 anos, diz que, quando entrou na faculdade, a carreira no Itamaraty era, sim, seu objetivo. "À medida que fui avançando nos estudos percebi que minha meta era ser diplomata, mas do setor privado", diz. Rua foi o primeiro profissional com essa formação contratado pela Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Amcham). Assumiu o posto de coordenador de relações externas. Antes atuou no departamento de comitês e teve contato com o grupo de estudos sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), hoje sua especialidade.

Quem ainda não se convenceu de que as boas oportunidades "diplomáticas" estão nas empresas está perdendo tempo. O salário de um recém-formado contratado em São Paulo varia de 1 500 a 2 000 reais. Mais alguns anos de experiência, e a renda pode triplicar, sem contar os incentivos tradicionais do mundo corporativo, como stock options e participação nos lucros. Já um funcionário de carreira do Itamaraty começa recebendo cerca de 2 000 reais. A média salarial dos experientes com mais de 15 anos de serviço não ultrapassa 5 400 reais. Para chegar a embaixador, é preciso trilhar um longo caminho hierárquico, passando pelos postos de conselheiro, ministro-conselheiro e cônsul. Outro ponto a favor nas corporações é a abertura para programas de estágio, que se multiplicam.

O Citibank, por exemplo, contrata 20 trainees por ano só em São Paulo. "Em geral, os formandos de relações internacionais têm mais disposição para uma vivência em outro país e muitos até já chegam com essa experiência", diz Fernanda Pacheco, responsável pela seleção de trainees do Citibank. A escolha da pessoa certa para cada cargo vai depender da iniciativa do próprio trainee, que é acompanhado de perto pela equipe de RH em atividades que testam seu potencial de liderança e sua forma de lidar com desafios. A maioria acaba atuando na área de negócios, mas há casos de gente que assumiu um posto de recursos humanos no escritório da Flórida, por exemplo. O carioca Gabriel Kenski, de 26 anos, ainda não sabe com o que vai atuar quando terminar seu período de trainee no Citibank. Mas já sabe que quer continuar trabalhando com economia internacional. Formado desde dezembro do ano passado, ele entrou em janeiro deste ano no programa e deve continuar conhecendo departamento por departamento até dezembro. O período de formação de Kenski, aliás, foi bem diferente. Quando resolveu estagiar, da metade do curso em diante, não faltaram boas ofertas. Foi opção dele trocar o Rio de Janeiro por São Paulo para participar do programa do Citibank.

Atuação variada

Flexibilidade de atuação é mesmo uma característica da profissão. As universidades oferecem formação abrangente que pede, e algumas vezes torna essencial, especialização depois de concluído o curso de quatro anos de graduação. É que a base do currículo é a mesma, mas o direcionamento pode mudar de faculdade para faculdade. O curso da PUC de São Paulo, por exemplo, é reconhecido por ser mais teórico e voltado para as ciências políticas. Já o da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), também em São Paulo, oferece uma visão mais pragmática com foco na gestão de negócios. O da Universidade de Brasília (UnB) está mais voltado para questões de política internacional e relações entre países. Mais recentemente, a Amcham se uniu à Unicamp e montou o curso de especialização em diplomacia econômica.

Especialistas e profissionais da área consideram essa capacidade de atuação variada como a melhor característica da profissão. Tanto que a maioria é contra o projeto de regulamentação que tramita atualmente no Congresso Nacional. Embora o curso seja regulamentado pelo MEC, a profissão continua sem regularização, como foi, durante anos, a de psicólogo. "A única proposta apresentada até agora enrijece nossa atuação", diz o professor Reginaldo Nasser, da PUC. "É melhor que continue do jeito que está." O medo de Nasser é que, sujeito a um regulamento, o profissional de relações internacionais acabe impedido de atuar em algumas áreas. Por exemplo: uma distribuidora de filmes americana resolve contratar um estagiário da área porque precisa de alguém que conheça o perfil político e econômico da América Latina. "Uma regulamentação, no modelo que se propõe, prejudicará uma inserção como esta", diz Nasser.

Foi pensando em montar uma equipe com condições de atuação mais abrangente que a Câmara Brasil-China de Desenvolvimento, Intercâmbio Econômico e de Comércio Exterior (CBCDE) criou, no começo deste ano, o programa de jovens executivos. Contratou oito formandos de relações internacionais, capazes de intermediar contratos comerciais entre os mais diferentes modelos de negócio de empresas do Brasil e da China. Mas por que não estudantes de comércio exterior? "Porque não queríamos pessoas com domínio apenas da técnica aduaneira", explica Titus Liu, coordenador de negócios da CBCDE. Um dos escolhidos foi Luiz Paulo Bellinni Júnior, de 19 anos. Filho de economista e administrador de empresas, substituiu a idéia de seguir a carreira do pai para ser diplomata empresarial. Na Câmara Brasil-China, é responsável pela captação de novos clientes. Marca reuniões, apresenta a Câmara aos empresários e desenvolve projetos de exportação ou importação. Para evitar ruídos de comunicação, já decidiu o próximo passo: especializar-se em economia e política chinesas. "Sempre pensei na China como o país do amanhã", conta o paulista, que já tem aulas de chinês. Bellinni simboliza o novo perfil de quem atua com relações internacionais: sabe bem aplicar os conceitos da diplomacia -- só que para fazer negócios no mundo corporativo.

DIFERENTES NO CONCEITO
O que diferencia um profissional de relações internacionais de um especialista em comércio exterior?
# O de comércio exterior planeja programas de importação e exportação. O de relações internacionais avalia quadros políticos de países com relações comerciais ou diplomáticas.
# O primeiro entende de regimes aduaneiros e é capaz de gerenciar o mecanismo de logística e a prática cambial. Já o outro faz estudos mais amplos, como identificar oportunidades de negócios lá fora.
# Para ser um profissional de comércio exterior, o natural é optar por essa especialização no final do curso de administração. Já na carreira de relações internacionais, a formação pode se dar por graduação, pós-graduação, mestrado ou doutorado.


CURRÍCULO ALINHADO
O que você precisa fazer para virar um diplomata corporativo
# Concluir a graduação em relações internacionais ou fazer uma especialização.
# Dominar dois idiomas, um deles o inglês.
# Ter boa capacidade de articulação.
# Acumular experiências internacionais por meio, por exemplo, de estudos em outro país.
# Ter interesse em história política e econômica e estar bem informado sobre questões internacionais.

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