´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado


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quinta-feira, 19 de maio de 2011

A morte de Osama e a Guerra Assimétrica

O líder terrorista Osama Bin Laden foi morto em uma operação de forças especiais americanas (Navy Seal), em uma mansão, na agora famosa cidade de Abbottabad, Paquistão. Há um debate verdadeiro sobre a natureza do uso do assassinato seletivo por Estados como ilustra esse artigo do Estadão, que cita inclusive doutrinadores jurídicos de várias vertentes (aqui), mas há também um falso debate sendo conduzido pelas figuras de sempre.

Os EUA têm inimigos ao redor do mundo de vários matizes é natural que tenham são uma potência hegemônica com interesses ao redor do mundo e foram por setenta anos os líderes de um bloco que se opunha a verdadeira religião secular e “ópio dos intelectuais” que foi o comunismo. Ou seja, há quem se oponha a atos e decisões políticas erradas (ou assim percebidas de fora) e aqueles que são ideologicamente contra, não importa a situação. Mas, bem isso é óbvio para qualquer um.

Nesse contexto a morte de Osama é só mais um ponto para o debate ideológico e em muitos casos apenas idiótico e nem vou falar nas teorias conspiratórias, por que francamente nem vale a pena. Analisar a questão do assassinato seletivo de Osama sem levar em conta o contexto de sua vida é fazer politcagem para obscurecer o debate. Como podemos ver nesse lamentável (para usar um adjetivo ameno) artigo de Gilberto Maringoni, na sempre patrocinada pelo governo Carta Capital.

O terrorismo é um tipo de conflito armado chamado de guerra assimétrica ou guerra de IV Geração. A guerra assimétrica pode de maneira muito genérica ser definida como (trecho retirado do meu texto Guerra assimétrica muito além do David versus Golias):

“A guerra assimétrica é empregada, genericamente, por aquele que se encontra muito inferiorizado em meios de combate, em relação aos de seu oponente. A assimetria se refere ao desbalanceamento extremo de forças. Para o mais forte, a guerra assimétrica é traduzida como forma ilegítima de violência, especialmente quando voltada a danos civis. Para o mais fraco, é uma forma de combate. Os atos terroristas, os ataques aos sistemas informatizados e a sabotagem são algumas formas de guerra assimétrica.” (BRASIL. Estado Maior da Armada. EMA305: Doutrina Básica da Marinha. Brasília. 2004)

Vale ressaltar que do ponto de vista dos pequenos em conflito assimétrico busca-se o apoio da opinião pública interna e externa para sua causa, assim essa tática é particularmente influente quando se combate forças de países democráticos que são sujeitos a pressão da opinião pública. Outro ponto é que com essa tática tenta dissuadir a potencia de usar seus recursos superiores sob pena de censura por uso excessivo de violência, desproporcionalidades.

Embora satisfatória a definição acima (e seu adendo) de guerra assimétrica ela fica presa ao que muitos chamam de imagem Davi contra Golias, ou seja, se prende a diferença de poder (tamanho) entre os contendores quando a tecnologia, também, pode ser decisiva nesse cenário, para ilustrar com a mesma imagem foi o uso da funda como uma arma de precisão atacando o ponto fraco do inimigo que Davi venceu. Ao que Sun Tzu já ensinara: “atacai-o [o inimigo] onde não estiver preparado. Executai vossas investidas somente quando não vos esperar”.

Assim de modo amplo uso da assimetria pode ser entendido como o uso de alguma diferença para obter vantagem, a história é cheia de exemplos de inovações mudando o balanço de poder em guerras (desde os Barcos trirremes atenienses na Batalha de Salamina, por exemplo). Por isso mesmo o U.S Army War College tem estudos que procuram aprofundar e diferenciar os vários tipos de assimetria e os tipos de estratégia que derivam do emprego ou não da assimetria como estratégia de combate, o texto é elucidador, embora seja como era de se esperar é focado na posição americana.
Segundo o Joint Strategy Review 1999, Washington, DC: The Joint Staff, 1999, p. 2. “[...] Asymmetric methods require an appreciation of an opponent’s vulnerabilities. Asymmetric approaches often employ innovative, nontraditional tactics, weapons, or technologies, and can be applied at all levels of warfare— strategic, operational, and tactical—and across the spectrum of military operations”

É importante entender que o terrorismo não é uma questão de “Lei e Ordem” apenas e sim uma questão de conflito militar – de guerra – e por ser um tipo de combate insidioso travado contra inimigos que não são forças regulares o seu combate aplica um mix de políticas policiais e ações militares. O objetivo do combate ao terrorismo não é apenas levar os que o cometem para a cadeia é também dissuadir. Nesse sentido é preciso mostrar que há conseqüências graves para o ato e assim tentar dificultar o recrutamento por parte dos grupos terroristas.

Nesse sentido Osama quando declarou guerra aos EUA se tornou mais que apenas um criminoso procurado e sim um inimigo e meus caros na guerra um dos objetivos é matar os inimigos. É preciso ter em mente isso. Embora existam vários tipos de objetivos estratégicos em uma guerra a morte do inimigo é algo natural e esperado. Existem regras, é claro, para a não execução de inimigos que formalmente se rendam o que é bem mais fácil entre forças regulares. Em outras palavras de um ponto de vista militar Osama sabia muito bem que quando assumiu os atentados de 11 de setembro ele havia se tornado um homem tacitamente condenado a morte. Negar isso é negar a realidade da guerra e de política internacional.

Desde Morgenthau que se sabe que o poder é o principio máximo das relações internacionais devido ao que os teóricos chamam de “anarquia habbesiana”, o que significa é que não há força que detenha poder de coação para obrigar um estado a cumprir determinações do Direito Internacional. Claro que há uma série de influências que empurram os estados rumo à obediência principalmente o fato das regras internacionais serem internalizadas, mas ainda assim elas podem ser interpretadas de várias maneiras, posto que é notório que a redação de tratados é deliberadamente “frouxa” acomodando várias interpretações. Por isso afirmar taxativamente que operação foi contrária ao Direito Internacional é uma forma de manipular o debate.

Do ponto de vista estratégico a operação mostra adaptação das forças americanas a natureza do conflito, utilizando meios assimétricos de inteligência e capacidade operacional a seu favor. E há a meu ver uma justiça poética na morte de Osama tendo a mesma oportunidade de se defender que ele deu as suas milhares de vítimas. E do ponto de vista moral há uma enorme diferença entre alguém inocente e alguém responsável por assassinatos em massa, qualquer um que ignore isso é no mínimo intelectualmente desonesto.

Do ponto de vista do moral das tropas nada pior poderia ter acontecido para os homens de Bin Laden de que ter seu líder morto pelos inimigos, pego de surpresa, incapaz de se defender, longe de ser o guerreiro modelo. E para as tropas americanas é uma rara boa notícia em guerras difíceis, longe de casa.

E do ponto de vista simbólico bem colocou o presidente Obama hoje, em Nova Iorque, em um quartel dos bombeiros que perdeu 15 homens, em 11 de setembro:

“What happened on Sunday, because of the courage of our military and the outstanding work of our intelligence, sent a message around the world, but also sent a message here back home,” […] “That when we say, ‘we will never forget,’ we mean what we say; that our commitment to making sure that justice is done is something that transcended politics.”

“O que ocorreu domingo se deveu a coragem dos nossos militares e o excepcional trabalho de nossa inteligência e enviou uma mensagem ao redor do mundo, mas também mandou uma mensagem aqui em casa [EUA]” [...] “Quando nós dizemos “Nós não esqueceremos” estamos falando sério, que nosso compromisso para ter certeza que se faça justiça é algo que transcende a política”. [Tradução Livre]

Claro que outras opiniões podem existir, mas a minha é essa não havia alternativa que fosse mais vantajosa do que eliminar Osama. A invasão ao Paquistão é algo que pode ser contornável, no final das contas os riscos foram por muito superados pelos benefícios. No ponto de vista moral não vejo objeções na morte de alguém assumidamente culpado e do ponto de vista dos Direitos Humanos nada pode garantir que ele obedeceu as ordens e se rendeu apropriadamente.

Cheguem a suas próprias conclusões, mas avaliem com cuidado a agenda de comentaristas e analistas, inclusiva a minha, por que não.

Fonte: Coisas Internacionais

Estudos sobre o futuro do fenômeno da Guerra

Introdução

São inúmeras as problemáticas de que enfermam as Relações Internacionais. No entanto, ao contrário do que se verifica com outras áreas críticas como as alterações climáticas, as migrações ou a globalização, o fenómeno da Guerra não parece reunir a mesma atenção da comunidade de investigadores de Relações Internacionais. Interessa pois abordar uma temática tão antiga como a própria humanidade, estabelecendo paralelos com uma realidade cada vez mais consensual nos círculos de análise das Relações Internacionais: a tendência para uma transição definitiva de um momento unipolar para uma distribuição de poder multipolar. Será também verosímil aceitar que esta ascensão poderá induzir fricções na competição internacional passíveis de evoluírem para formas de conflitualidade hostil. Tendo por base este pressuposto conceitual, propomo-nos aquilatar sobre a influência e implicações de fatores chave (drivers) e tendências futuras no fenômeno da Guerra. Argumentamos que estas evoluções no contexto internacional implicarão uma transformação tríptica no fenômeno da Guerra, alterando o seu conceito, a identidade do combatente e a magnitude dos seus efeitos.

Numa perspectiva analítica, qualquer atividade de investigação científica procura racionalizar a realidade através de procedimentos testáveis. Ao reduzir a complexidade da realidade, tornando-a inteligível através de esquemas interpretativos, é possível verificar a validade das teorias. Ao equacionarmos as metodologias de investigação em Relações Internacionais deparamo-nos com uma panóplia abrangente de processos e instrumentos que poderão ser aplicados isoladamente ou combinados sob a forma de um método científico de produção de conhecimento.

Amparados pelo método básico de investigação em Ciências Sociais procuramos expandir o nosso percurso de descoberta. Cientes da diversidade metodológica, optamos por uma perspectiva pragmática que encara as problemáticas de Relações Internacionais como uma ferramenta de apoio à decisão política. Logo, como um instrumento prospectivo que através do conhecimento do passado informa as decisões do presente para formular ações estratégicas futuras. Assim, este ensaio foi guiado por um método indutivo com carácter prospectivo. Ao tentarmos mapear futuros plausíveis, através da análise histórica e do estudo de tendências futuras, procuramos avaliar a situação presente de forma a formular sugestões de processos que conduzam ao futuro desejado. Ao refletirmos sobre o que pode acontecer, conseguimos aperceber-nos sobre o que poderemos fazer, e acima de tudo, como vamos fazê-lo.


Importância dos Estudos sobre o Futuro

Ao perscrutar a literatura deparamo-nos com um conjunto de metodologias sob a denominação de Pesquisa de Futuros, Estudos de Futuros ou Estudos Prospectivos. A metodologia de futuros procura criar, explorar e testar de forma sistemática possíveis cenários vindouros bem como os efeitos de eventuais decisões estratégicas.

Contudo, estamos cientes das advertências acerca da inutilidade da identificação de tendências para guiar a ação futura. As tendências não são fatos dado que mudam de caráter e provocam alterações não-lineares, em particular quando dizem respeito a interações humanas. Por isso, a previsão do futuro é inerentemente imprecisa. De igual modo, a aceleração do ritmo das mudanças globais reduz o tempo disponível para tomar as decisões adequadas. Por exemplo, poucas pessoas conseguiram antecipar a crise financeira global, e menos ainda determinaram a sua profundidade e abrangência. Acrescenta-se que a observação das grandes obras do passado oferece o único guia para o futuro. No entanto, o valor da pesquisa sobre o futuro não reside na precisão da previsão mas sim na determinação das tendências que permitam melhor informar o processo de decisão político, assim como possibilitar uma transformação de mentalidades acerca de cenários plausíveis. Assim, os estudos sobre as inovações tecnológicas e sociais futuras aumentam a capacidade de antecipar e responder a possíveis desafios e ao mesmo tempo explorar as oportunidades existentes. Conscientes destes avisos, sustentamos que o processo de decisão estratégico deverá encarar os estudos sobre as tendências globais, não como certezas, mas numa perspectiva de informação e consciencialização acerca de possíveis implicações para as Relações Internacionais. É neste sentido que se enquadram os estudos sobre o futuro como ferramentas de apoio à decisão, sustentados por metodologias prospectivas diversas.

Grande parte dos estudos sobre o futuro apoia-se metodologicamente em ferramentas prospectivas como o método de Delphi e a cenarização. Enquanto o objetivo do método de Delphi é permitir a exploração criativa de ideias para apoiar a decisão através da recolha e destilação de conhecimento de um grupo de peritos, o método de cenários combina fatores chave com tendências no sentido de criar futuros plausíveis sobre os quais se podem antecipar possíveis ameaças e oportunidades. Importa esclarecer que cenários não são previsões. São perspectivas provocativas e plausíveis sobre diversas formas como o futuro se poderá desenrolar, em áreas diversas como o ambiente político, geoestratégico, desenvolvimento social, econômico ou tecnológico. São por isso hipóteses que visam ampliar o nosso pensamento acerca das oportunidades e ameaças que possam surgir permitindo uma adequação das decisões estratégicas. Nesse sentido, os historiadores analisam o que aconteceu, os jornalistas dão-nos uma imagem do que está a acontecer e os futuristas avançam com o que poderá acontecer e ajudam-nos a pensar sobre aquilo que queremos obter. É por isso uma abordagem multi-disciplinar dos factores de mudança em áreas fundamentais da vida humana para descortinar as dinâmicas de novas eras. Desta forma, futuristas como Arthur C. Clark, os Toffler, George Orwell ou Ray Kurzweil, sondam o ambiente estratégico de forma a entender as tendências e os padrões de evolução e, de certa forma estabelecer extensões da realidade para identificar futuros plausíveis.

É assim natural que a documentação estratégica plasme os resultados dos estudos sobre o futuro com o intuito de fornecer pistas de ação. Assim, o desafio primordial para o decisor político é tentar fazer uma escolha informada tendo em consideração as implicações dessas tendências. Este dilema do decisor revela em retrospectiva que certas escolhas estratégicas foram inapropriadas. Dessa forma, ao tentarmos projetar um futuro para as próximas duas décadas estamos conscientes desses perigos, na medida em que indagando 20 anos no passado registramos a incapacidade de prever o fim pacífico da Guerra-Fria, ou a queda do muro de Berlim seguida do colapso da União Soviética e do resultante momento unipolar. Durante este período de pausa estratégica, aparentemente livre de ameaças eminentes, os EUA aproveitaram para prosseguir uma revolução nos assuntos militares. Assim, a maioria das previsões futuristas não foram capazes de antecipar a ascensão de atores não-estatais apoiados em fundamentalismos religiosos e culturais. Nesta era de mudanças tectônicas, onde o futuro não é uma extensão linear do passado, a experiência não é suficiente para apoiar o processo de decisão. Contudo, o que está em causa não é o fim, mas sim o método, ou seja, não é o plano, mas sim o processo de planeamento.


Reflexos do Futuro

A partir de uma análise fundamental dos drivers da mudança é possível aquilatar a sua relevância e impacto nos possíveis cenários futuros. Nesse âmbito, a síntese do futuro, apresentada por Thomas Freedman, como “hot, flat and crowded” expõe as tendências de aquecimento global, a ascensão das classes médias e o rápido crescimento demográfico. Esta análise revela a possibilidade de que o futuro possa trazer uma combinação explosiva de rivalidade geopolítica e crise ambiental. Da mesma forma, o acesso a recursos naturais irá renovar a ênfase na geografia e geopolítica. Por exemplo, a reclamação da soberania sobre os recursos naturais do Ártico poderá tornar-se a disputa territorial mais importante deste século, com implicações severas sobre o ambiente global. O envelhecimento populacional é outro dos dados adquiridos, sendo a Europa o continente mais afetado. Por outro lado espera-se uma explosão demográfica no mundo em desenvolvimento. Entretanto, cerca de 1 bilhão de pessoas sofrem atualmente de subnutrição e estão limitadas no acesso a água potável. Sem alterações políticas e tecnológicas, espera-se que em 2025, fruto do aumento de população e de alterações climáticas, este número atinja 3 bilhões. Estas previsões permitem antecipar fortes possibilidades de migração e conflito, promovendo alterações dramáticas nos fluxos migratórios em direção às cidades, em particular na África e Ásia. Apesar da tendência global da redução da pobreza continuar será expectável que o ritmo abrande como consequência da crise financeira e dos preços crescentes dos bens alimentares, matérias-primas e recursos energéticos.

A caracterização de Hernâni Lopes sobre a desmaterialização do espaço e contração do tempo revela-se adequada para definir o ambiente globalizado atual, em consequência da conectividade, interação e interdependências no sistema internacional. Neste sentido, a globalização continuará a contribuir para reorganizar as potências segundo o estatuto geográfico, étnico, religioso e sócio-econômico. Concomitantemente, a globalização assegurará a difusão e acessibilidade de tecnologia, facilitando a disrupção das sociedades modernas. Assiste-se pois a uma dupla tendência de multiplicação e descentralização tecnológica.

Durante grande parte do século passado, o desenvolvimento tecnológico militar ultrapassou o civil. No entanto, com a chegada da era da informação esta tendência reverteu-se. Atualmente, a indústria é a maior fonte de Investigação e Desenvolvimento, proporcionando tecnologias comerciais “off-the-shelf”. Esta mudança do setor governamental para o privado poderá aumentar a dependência do setor militar em serviços e tecnologias comerciais. Para além disso, as tendências para outsorcing e offshoring de algumas das funções vitais dos EUA agudizam esta problemática. Peter Singer ilustra estes desafios questionando as implicações dos EUA travarem uma Guerra com hardwares feito na China e softwares feito na Índia. Acrescenta-se que as inovações mais disruptivas raramente permanecem propriedade de um país por um longo período. Aquilo a que Max Boot apelida de disseminação e niilificação tecnológica tem ocorrido ao longo da história. Veja-se o caso das armas nucleares, dos satélites, do armamento de precisão ou dos sistemas aéreos não-tripulados. No caso das plataformas não-tripuladas, elas fizeram já parte em 2006 da panóplia de meios utilizados pelo Hezbollah contra o estado de Israel.

Esta tendência de difusão tecnológica, tanto na proliferação como na redução de custo de sistemas de armas, poderá permitir uma época continua de “saldos da Guerra”, assegurando que uma determinada nação ou organização privada possa atingir um estatuto militar preocupante. Contudo, enquanto a difusão tecnológica não ocorre, ou nos casos em que não é transferível, os adversários encontram métodos que infligem efeitos equivalentes à potência dominante. Por exemplo, a Al Qaeda não possui armamento de precisão característico das guerras modernas, no entanto, será leviano pensar que se resignará a promover atentados de destruição massiva. Pelo contrário, desenvolve e aplica com sucesso a variante assimétrica dos ataques guiados com precisão: o homem-bomba suicida. Tal como as forças equipadas com os sistemas mais modernos e dispendiosos conseguem aniquilar as cúpulas dirigentes, também o adversário, com equipamento rudimentar e econômico, atinge os mesmos objetivos. Atente-se ao último ataque no Afeganistão, onde um terrorista suicida penetrou numa base avançada da agência de informações americana e dinamitou-se matando oito operativos civis americanos. Os efeitos estratégicos desta ação tática de bombardeio de precisão causaram um golpe profundo na moral americana.

Uma das implicações mais gravosas da mudança diz respeito à possibilidade de conflitualidade hostil. Neste campo, verifica-se que a fragmentação da violência armada, a diversificação dos atores armados e o esbatimento das fronteiras entre as modalidades de violência e seus atores são algumas das constantes dos últimos anos. Nesta década, o número total de conflitos decresceu de 21 em 1999 para 16 em 2008. Verifica-se também que neste período existe um reduzido número de conflitos travados diretamente entre dois estados soberanos. Poderá ser este um dos indicadores que sustenta a opinião de alguns analistas quando descredibilizam a possibilidade de guerras decisivas entre grandes potências, considerando apenas um ambiente de segurança pululado por uma miríade de pequenos conflitos. Outros académicos realçam a ineficácia técnica da guerra – estrategicamente desadequada para os fins políticos – advogando mesmo a possibilidade do relacionamento entre Estados arredar definitivamente os meios violentos para a consecução dos seus interesses nacionais. Esta hipótese de “rarefacção do fenômeno da guerra” é sustentada por diversas pistas como a periculosidade dos arsenais disponíveis e o consequente efeito de dissuasão; a desproporcionalidade dos meios usados; a relativa desvalorização dos territórios torna obsoletas as guerras de conquista; as guerras econômicas suplantam as guerras militares; razões ecológicas etc. Outros ainda destacam que os laços econômicos podem dissuadir a Guerra, tornando-a um instrumento excessivamente dispendioso. Finalmente, também a busca do poder na Era da Informação tem-se tornado menos coerciva entre países desenvolvidos.

Podemos então avançar que uma das principais razões para um possível interlúdio na guerra entre grandes potências tem a ver com a assimetria de poder militar relativamente aos EUA que impede a confrontação direta dos outros competidores. No entanto, esta suposição não significa que esses competidores renunciarão de competir de forma hostil com os EUA. Significa apenas que eles serão mais inovadores quando desafiarem a hegemonia americana.

Nunca como hoje se encontrou um poder militar com tão grandes capacidades como o dos EUA. Desde a tecnologia até à formação técnica e intelectual dos combatentes. No entanto, nunca como hoje se tornou tão difícil empregar esse instrumento. O espectro de conflito hostil transfigurou-se neste novo século. No passado a distinção entre conflito de baixa e alta intensidade era bem definida, assim como a separação entre os três níveis da Guerra, onde as forças militares eram optimizadas para combater a ameaça mais perigosa. Por outro lado, são cada vez maiores os constrangimentos impostos sobre este instrumento de poder nacional. Desde a legitimidade do uso da força até ao custo das operações militares, passando pela operação em coligação até à redução da tolerância de baixas colaterais e fratricídio, todos estes fatores são multiplicados exponencialmente pelo “efeito CNN” e pela ligação em rede de uma sociedade cada vez mais temerosa dos riscos. Junta-se a esta tendência a constatação de uma compressão dos níveis da Guerra e uma assimilação dos vários tipos de conflitos onde pululam atores nacionais, milícias privadas e atores não-estatais, recorrendo a tecnologia civil e militar para executar ações estratégicas multidimensionais, transversais ao cotidiano humano.

Mesmo detendo uma avassaladora superioridade militar sobre os adversários, pelo menos na dimensão convencional, os EUA continuarão a ser confrontados por estratégias assimétricas tendentes a explorar vulnerabilidades políticas e militares, constrangendo a sua liberdade de ação em tempo de crise. A perspectiva de um futuro multipolar onde a China, a Índia ou a União Europeia tenham um estatuto equivalente aos EUA poderá ser questionável. No entanto com o crescimento econômico diminuem as desigualdades e aumentam as necessidades de intervir ativamente na política internacional para defender os seus interesses. A par com o desenvolvimento econômico e político aumentarão também as necessidades de segurança militar, com reflexos diretos na manifestação da conflitualidade hostil.

Refletindo sobre o atual e o futuro contexto de segurança, o conceito estratégico de defesa americano apresenta uma cenarização dos desafios e ameaças em quatro quadrantes. Tendo por base o tipo de métodos empregados e os atores envolvidos, divide as ameaças em catastróficas, irregulares, disruptivas e tradicionais. Assim, os desafios tradicionais enquadram o conflito estatal com base em capacidades militares organizadas. O recurso a métodos não-convencionais, como a guerrilha ou o terrorismo, tipifica as ameaças irregulares. A categoria de desafios catastróficos engloba o desenvolvimento, aquisição e uso de armas de efeitos massivos. Neste campo, os atentados em 11 de Setembro preconizam as capacidades letais individuais. A contestação da superioridade americana em domínios chave como o informacional ou espacial através do emprego de tecnologias inovadoras enquadra-se na classe de desafios disruptivos. Contrariamente ao registo histórico, em que apenas um ou dois cenários seriam credíveis, o desafio atual consiste numa combinação simultânea de vários cenários. Neste âmbito, os EUA vêem-se obrigados a contrariar uma panóplia de modalidades de combate empregues de forma individual ou combinada por uma miríade de atores do sistema internacional.

No entanto, a ambição de aprontar umas forças armadas capazes de lidar eficazmente, de forma transversal, com estas ameaças tem custos elevados. Num aspecto puramente financeiro, regista-se um aumento dos custos com as forças militares. Por exemplo, o custo de cada membro das forças armadas americanas era em 2003 de 264.000 USD por ano. Relativamente aos aspectos funcionais também eles revelam alguma complexidade. Diferentes tarefas militares requerem competências específicas. O fato de se possuírem forças militares eficazes em operações de combate de larga escala contra atores estatais não significa que o sejam em operações de contra-insurgência. Os exemplos históricos dos conflitos americanos sustentam esta teoria. Alargando a perspectiva para a área de segurança, verificamos a impossibilidade prática de proteger todas as infra-estruturas críticas contra um possível ataque. Por exemplo, em Janeiro de 2006, os EUA tinham catalogadas 77,069 infra-estruturas, das quais 600 como críticas.

Em suma, a conjugação da miríade de fatores chave e tendências enquadradas num futuro multipolar implicam mudanças dramáticas ao sistema internacional. O aparecimento de novos atores globais, aumento de importância de blocos regionais e o acréscimo da influência individual poderá implicar uma maior difusão de autoridade e de poder, conduzindo a um deficit de governância global. Esta previsível redução da eficácia das instituições internacionais, na sua maioria arquitetadas pelos EUA, poderá condicionar as opções políticas americanas. Para além disso, e em consequência da assimetria registada no plano militar, somos tentados a avançar com uma proposta de alteração do fenómeno da Guerra segundo um esbatimento do conceito, uma alteração da identidade do combatente e da magnitude dos seus efeitos perante uma sociedade cada vez mais avessa ao risco.


Interpretação da Guerra numa perspectiva holística

Os fatores chave e as tendências identificadas anteriormente, nomeadamente a globalização e a difusão tecnológica, aumentam a complexidade do ambiente operacional. Nesse sentido, diversos autores apressam-se a caracterizar a realidade futura avançando novas taxonomias e introduzindo uma complexidade crescente à Polemologia. As referências a termos como Guerra Irregular, Não-Convencional, Assimétrica, Conflitos Fluidos, Híbridos e Guerra de 4ª Geração estão espalhadas pela literatura. Apresentam-nos a Guerra como uma dicotomia de opinião e de ação. A luta pela opinião procurando ganhar os “corações e mentes” das populações não é uma construção das guerras irregulares do séc. XX, nem tão pouco uma panaceia descoberta pelos modernos pensadores castrenses americanos. Já em 1645 o Padre António Vieira considerava que “a mais perigosa consequência da guerra e a que mais se deve recear nas batalhas, é a opinião”, pois que “ na perda de uma batalha arrisca-se um exército; na perda da opinião arrisca-se o reino”. Por outro lado, recorrendo à formulação de Maupertuis em 1744, a ação pode ser definida como o produto de energia pelo tempo. Sintetizando este princípio da física, Carvalho Rodrigues exprime a função das forças militares como aplicadoras de doses maciças de ação num determinado espaço. A localização desse espaço e em que tempo deriva da recolha de informações precisas sobre o contexto. No entanto, na era da informação, o tempo está condensado pois a informação é instantaneamente disseminada. Assim, na procura de uma clareza conceitual, sintetizamos este conceito de Guerra Holística como uma estratégia que emprega um conjunto abrangente de meios, civis e militares, para infligir ações multidimensionais de forma coerente e integrada, sincronizadas no tempo e no espaço, tendentes a afectar a vontade e capacidades do adversário.

A Guerra enquanto um ato de violência entre dois beligerantes, transcende os métodos ou técnicas de aplicação da força (warfare) para coagir o adversário a anuir à nossa vontade. O termo “Guerra” adquiriu ao longo dos tempos uma característica multifacetada tornando quase impraticável uma definição consensual. Como imagem conceitual deverá sobreviver a extremos. No entanto, imaginar a “Guerra” numa forma absoluta é impossível. Como um ato racional, terá de se submeter a certas regras de forma a poder ser legitimada enquanto atividade humana. O enquadramento legal da Guerra, na sua grande parte uma conceitualização ocidental, tem vindo a impor restrições ao uso da força através do estabelecimento de convenções de forma a limitar o caos e a manter um certo grau de racionalidade na condução de uma Guerra que se almeja cada vez mais justa. No entanto, em casos extremos de luta por interesses vitais, como a própria sobrevivência, o sacrifício de algumas dessas regras é justificável, como nos casos históricos dos bombardeios de cidades alemãs durante a 2ª Guerra Mundial e o uso da bomba atômica contra o Japão.

Ao admitirmos que o uso da força está ao nível dos instintos mais rudimentares da humanidade estaremos a confirmar o desenrolar da história. A visão de Clausewitz da Guerra como ato político exprime o compromisso de um sistema westfaliano onde o respeito pela soberania absoluta, diplomacia e a legalidade dos tratados internacionais eram pedras angulares. Neste registo, Clausewitz garante-nos que a Guerra é um ato de força para coagir o adversário a anuir à nossa vontade. No entanto, esta perspectiva torna-se escassa. A falta de uma conceitualização de uma “ação de guerra não militar” reduz a essência do conflito hostil a uma ação militar, a violência e a força armada primordialmente letal. A mudança conceitual consiste exatamente em ver a Guerra na sua antítese. Em vez da tradicional ameaça de forças militares à segurança nacional, existe uma miríade de outros actores e instrumentos que podem revitalizar a Guerra em outras arenas. Nem sempre a violência estará na essência da conflitualidade hostil. Por isso, a remoção desta inevitabilidade da equação da Guerra, dará lugar a outras formas de conflito em dimensões políticas, económicas, informacionais e tecnológicas, podendo transformar a natureza fundamental da Guerra.

No futuro, tal como no passado, a Guerra não se confinará única e exclusivamente no domínio militar. A Guerra, como objecto político, engloba todos os instrumentos de poder nacional. Ao visionarmos a Guerra segundo uma perspectiva binária, de forma subjetiva e objetiva, podemos detectar uma tendência histórica. A natureza objetiva que inclui aspectos como fricção, sorte, incerteza, caos, perigo, esforço físico e stress associado ao combate, é imutável. Até que a Guerra possa ser travada de forma completamente remota, removendo o fator humano do campo de batalha, muitos destes aspectos serão eternos e estarão omnipresentes na conflitualidade hostil. Por outro lado, o carácter subjetivo, a sua gramática, como a doutrina, tecnologia e pessoas, transforma-se de acordo com a conjuntura de cada cenário futuro. Dessa forma, se compreende que a cada era corresponda um tipo de conflito, com fatores limitativos e pressupostos específicos. No entanto, assistimos à emergência de um novo paradoxo. Enquanto o Ocidente continua a restringir os parâmetros aceitáveis para a execução da Guerra, os adversários amplificam o conceito de Guerra total. Em vez de assistir à tradicional mobilização de toda a sociedade para apoiar o esforço militar, assiste-se à expansão da conflitualidade hostil a todos os domínios da interação humana.

Assim, considerando a asserção de Clausewitz de que a Guerra é uma extensão da política, esta possível estratégia de Guerra Holística poderá corresponder na realidade à política em execução. Todavia, inúmeras questões ressaltam sobre o fenómeno da Guerra, tornando a sua definição cada vez mais complexa. Fora do domínio militar o que poderá ser considerado um ato de guerra? Um ataque informático? Um bloqueio comercial? O apoio a terroristas? Seja como for, o enquadramento existente irá evoluir e adaptar-se à nova realidade conflitual, tal como o fez no passado. O século XX pode ter impedido os soldados de saquearem e violarem, mas permitiu a destruição de cidades inteiras por bombardeamentos aéreos.


Identidade e letalidade do combatente: a ascensão do “super indivíduo”

O 11 de Setembro veio confirmar que os atores estatais deixaram de ter o monopólio sobre o uso catastrófico da violência. Diríamos mais, esta visão abrangente do conceito de Guerra, expandindo-se para além da dimensão militar habitual, fez emergir uma renovada dimensão estratégica das ações de cada indivíduo. Assim, a abundância e proliferação de armas de efeitos massivos (letais ou não-letais) permite que indivíduos ao nível micro (tático) obtenham efeitos no nível macro (estratégico). O que constitui novidade não é a perda do monopólio estatal do uso da força, mas sim a diluição da fronteira entre o combatente profissional e o não-combatente. Estaremos a caminho de substituir o soldado equipado com uma espingarda por um génio da informática armado com um “joystick”?

Esta metáfora de “super-indivíduo” traduz uma mudança qualitativa na condução dos conflitos. Procura espelhar a rapidez, o alcance, a escala e o impacto estratégico da ação individual. É caracterizada por um aumento de eficácia dos métodos utilizados, em que pequenos grupos, e mesmo indivíduos (um engenheiro informático, um cientista, um especulador financeiro ou mesmo um terrorista suicida) fazem uso de instrumentos e novas capacidades tecnológicas, disponibilizadas e aprimoradas por uma conectividade em rede, infligindo efeitos disruptivos a uma escala global. É esta capacidade de “perturbar o sistema” que caracteriza os “super-indivíduos”. Para além disso, quanto maior for a evolução tecnológica, maiores serão as capacidades disruptivas disponíveis a estes atores. O acrónimo BANG (Bits, Atoms, Neurons, Genes) simplifica e agrupa a radical evolução tecnológica que irá promover uma maior diversidade de métodos de ataque, impondo medo e incerteza nas sociedades modernas. Estas modalidades, ao contrário da guerra nuclear ou convencional, são bastante mais subtis e difíceis de evitar. Como sugerido pela magnitude dos eventos, é impossível antecipar as consequências destas perturbações.

O estabelecimento de alianças de interesse entre indivíduos, organizações e mesmo estados altera a face dos adversários. Esta capacidade acrescida de sobrevivência e liberdade de acção num espaço de batalha virtual, anónimo, torna os “super-indivíduos” combatentes de alto valor em conflitos futuros. O verdadeiro desafio, ou digamos, a suprema ameaça, reside na possibilidade de orquestração de uma horda de “super-indivíduos” para a consecução dos objetivos de um competidor estratégico.

Nesse sentido, a batalha da informação, numa sociedade em rede, confere ao conflito uma nova perspectiva de “Levée en Masse”, onde o número relativo do contingente militar é amplificado por uma comunidade cibernética. Considerando que os EUA são uma das sociedades mais dependentes da ligação em rede e das comunicações eletrônicas, facilmente se compreende os efeitos disruptivos de um conflito cibernético. No entanto, tal como o duplo significado do termo “levée”, também não podemos descurar que com o aumento de educação e da ligação em rede, também um novo levantamento popular poderá fazer emergir novas formas de poder político, escapando ao controle das estruturas tradicionais de poder.

A civilianização da Guerra é por isso uma consequência natural e irreversível da evolução histórica. A democratização da violência permite virtualmente a qualquer organização e mesmo individuo juntar-se ao combate dispondo de capacidades cada vez maiores e com efeitos mais catastróficos. A expansão do confronto a outras dimensões da atividade, que não militar, tornará mais poderoso um novo tipo de combatente. O próprio indivíduo. Isto trará aos estados limitações adicionais para comandar e controlar tais combatentes. Por exemplo hackers, especuladores financeiros ou organizações multinacionais. Adicionalmente, o número crescente de Empresas Militares Privadas proporciona capacidades acrescidas a estados para evitarem restrições legais ao uso da força. O recurso a organizações privadas e multinacionais como instrumentos de conflito parece indicar um aumento do outsourcing da Guerra. Esta tendência crescerá certamente em resultado da expansão dos campos de batalha às outras atividades humanas. Apesar dos estados continuarem a ser as bases da ordem internacional, estas tendências têm como consequências mais profundas, o obscurecimento da fronteira entre Guerra e crime bem como a diferença entre forças armadas e civis. Como Van Creveld oportunamente observou, “por vezes o crime estará disfarçado como Guerra, enquanto noutros casos o recurso à própria Guerra será considerado como um crime.


Sociedade de Risco

A percepção de que a tecnologia e a globalização transformaram a magnitude dos riscos que afetam as sociedades contemporâneas é um tema central dos estudos sociais. Os riscos não são ameaças, pois não são mensuráveis, nem finitos, nem expressos em probabilidades. São cenários de uma possível catástrofe acompanhados de uma estratégia em como evitá-los. Das alterações climáticas à forma de usar a força, as sociedades avançadas esforçam-se por antecipar cataclismos futuros que por sua vez influenciam o seu processo de tomada de decisão.

Seja qual for a sua definição, a perspectiva de Guerra futura irá com certeza infligir danos e violar os valores ocidentais, causando choque e medo. Ao expandir fronteiras, instrumentos e atores, torna a projeção de poder mais acessível, coerciva e letal. Isto assume particular importância em sociedades contemporâneas, profundamente integradas e dependentes da tecnologia, tornando-as fortemente susceptíveis a ataques idiossincráticos. Ao atacarem as infra-estruturas críticas de uma sociedade, como aeroportos, centrais de abastecimento de água ou mercados financeiros, os adversários interrompem o cotidiano diário e instalam o medo na população, causando severas consequências económicas, tanto na proteção dessas infra-estruturas como na sua reconstrução. Estes sentimentos de insegurança, desconfiança e incerteza têm consequências bastante mais gravosas do que o simples custo das baixas humanas dos ataques.

As sociedades do futuro terão por isso de perceber os riscos como eventos excepcionais que não requerem alterações significativas no seu cotidiano. A passagem de uma fase de dissuasão para gestão de risco parece fornecer uma alternativa a uma tentativa dantesca de providenciar segurança total. Contudo, com a necessidade crescente de aumentar a segurança física e psicológica das sociedades assiste-se a uma diminuição das liberdades civis. Assim, a tendência será cada vez maior de partilhar informação entre redes civis e militares, públicas e privadas, desenvolvendo um entendimento perfeito da realidade. Só nos resta aspirar que este esforço de segurança total não se transforme num cenário de tendências totalitárias como preconizado por George Orwell na sua obra visionária, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro.


Conclusão

O estudo sobre futuros fornece as ferramentas essenciais para perscrutar o potencial de possíveis surpresas estratégicas. Cada possível cenário apresenta condições de risco que devem ser medidas em relação aos interesses, valores e segurança pública, no sentido de simplificar e optimizar o processo de tomada de decisão.

A conjugação do aumento exponencial do poder e influência individual, a interdependência económica global e a proliferação tecnológica concorrem para alterar a distribuição de poder no sistema internacional, com impacto na diversidade, acessibilidade e eficácia da Guerra. Uma análise mais aprofundada revela o potencial para conflitos entre estados como resultado de rivalidades geopolíticas, enclausurados num mundo sobre-populado, com escassez de recursos e enfrentando uma crise ambiental. Não será portanto descabido considerar que a erosão comparativa da hegemonia americana é acompanhada pela perspectiva de confrontação estatal relembrando os persistentes motivos históricos do medo, o ódio e os recursos para o ressurgimento da Guerra. No entanto, o alargamento das fronteiras da Guerra, com a chegada de novos atores e métodos, proporciona um aliciante espaço de batalha. Em alternativa à projeção de forças militares para locais remotos do globo, uma acessível e completa panóplia de instrumentos, que extravasa o domínio militar e por vezes mesmo o estatal, pode ser empregue para obter efeitos que são transmitidos quase instantaneamente à escala planetária.

Estão assim reunidos os ingredientes essenciais para uma “tempestade perfeita”, onde futuros contendores possam explorar as vulnerabilidades da potência dominante. Num futuro não muito longínquo será verosímil considerar que a Guerra apesar da sua natureza constante, poderá ver o seu caráter irremediavelmente alterado induzindo um maior esbatimento nas formas de conflitualidade hostil e uma consequente propagação na sua frequência, magnitude e letalidade. Como não existe nenhuma teoria unificadora da Guerra que possa ser aplicável a todos os futuros plausíveis, torna-se essencial encarar o conflito hostil segundo uma perspectiva holística, antevendo que a tecnologia é apenas um multiplicador de capacidades, que o seu elemento decisivo continua a ser o fator humano, e que o poder militar é apenas mais um instrumento num domínio multidimensional. No futuro, qualquer que ele seja, continuará a ser a capacidade de impor a vontade, e não o nível de violência, que conduzirá eventualmente a uma paz mais duradoura. Tendo em perspectiva os desafios vindouros será por isso altura de começar a aprender a futura gramática da Guerra.


Fonte: Jornal Defesa e Relações Internacionais

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Tropa de elite para matar Bin Laden em segredo

Tropa de elite para matar Bin Laden em segredo

Nem as famílias sabem o que fazem os Seals, comandos da Marinha usados em missões de alto risco

José Meirelles Passos

Desta vez a comemoração foi mais efusiva. Afinal, o grupo acabara de realizar a mais importante operação clandestina das forças especiais do Pentágono desde o fatídico 11 de setembro de 2001, quando a al-Qaeda destruiu as Torres Gêmeas, no coração de Nova York. Mas, como de praxe, a festa foi ao mesmo tempo discreta, restrita: uma celebração “a portas fechadas” em Dam Neck, no estado de Virginia, onde está a sede da Navy Seals, a tropa de elite da Marinha americana que aniquilou Osama bin Laden.

A euforia, no entanto, foi tão grande que desta vez o público ficou sabendo sobre a autoria da façanha, pois alguém vazou um email que o almirante Edward Winters, chefe do Comando Especial de Guerra da Marinha, enviou à equipe que agiu no Paquistão — denominada “Team Six” — dando-lhe parabéns e lembrando que todos deveriam “manter a boca fechada”.

Trata-se de um dos grupos secretos das forças especiais do Pentágono, cujos integrantes se autodefinem como “profissionais calados”.

Ninguém, fora de tal elite, sabe quem são eles. Vizinhos e familiares tampouco sabem o que esses agentes especiais realmente fazem. Suas missões são tão árduas e arriscadas que esses “heróis anônimos” permanecem, em média, apenas três anos nessa vida; recolhendo-se, posteriormente, ao trabalho de análise de inteligência e preparação de logística, na retaguarda.

Apenas um terço participa de missões de alto risco

— É preciso suportar muita dor física e, às vezes, dores emocionais. E isso não é para qualquer um — disse Paul Tharp, chefe dos instrutores da escola preparatória dos Seals.

Hans Garcia, da equipe de oficiais que recruta voluntários interessados em pertencer à tal elite, contou que não procura valentões:

— A pessoa perfeita para essa função é alguém com preparo físico extraordinário, mas ao mesmo tempo muito humilde, além de ser um pensador analítico e capaz de resolver problemas. Uma pessoa também consciente de valores, que seja patriótica, e que coloque a missão acima dela própria — disse ele, acrescentando que a maior parte desses “agentes de campo” está na faixa de 28 a 35 anos de idade.

As forças especiais da Marinha, do Exército, da Força Aérea e dos Fuzileiros contam hoje com cerca de 60 mil homens, mas desse total apenas 20 mil estão qualificados para missões de alto risco em campo.

E desse grupo, nada mais do que cinco mil seriam extremamente exímios nas operações que envolvem desde manejo de armas e explosivos à coleta de informações, conhecimentos amplos de informática, conhecimentos básicos de medicina para socorrer colegas feridos em ação, e habilidades culturais como a de se comunicar em vários idiomas. Quem domina línguas das atuais zonas de conflito — como o árabe, o pashto e o dari, por exemplo — recebe bônus adicionais em seu salário.

Orçamento das forças quase quintuplicou

O orçamento das forças especiais, que era de US$ 2,1 bilhões em 2001 saltou para US$ 9,8 bilhões em 2011. Essa cifra deverá subir para US$ 10,5 bilhões no ano que vem. Num dia qualquer, nada menos do que 12 mil pessoas dessas equipes estão envolvidas em operações em cerca de 75 países — segundo o almirante Eric T. Olson, chefe do Comando de Operações Especiais dos EUA.

Há três unidades permanentes no Comando Sul, sediado na Flórida. Segundo o Pentágono elas realizam, em média 42 missões secretas em 26 países da América Latina. O que fazem na região?

— A grande maioria de tais missões jamais será de conhecimento público — desconversou o capitão Duncan Smith, porta-voz dos Seal.


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Rede de espiões operou nas sombras para localizar e investigar a fortaleza
Assunto:
Internacional
Resenha:

Mark Mazzetti, Helene Cooper e Peter Baker, do The New York Times

Em Washington, experiências desastrosas de comandos americanos na Somália e Irã assombravam debates sobre ataque final

Em julho, paquistaneses que trabalhavam para a CIA perseguiram uma Suzuki branca pelas ruas movimentadas de Peshawar, no Paquistão, e anotaram a placa do veículo.

O motorista era o mensageiro de confiança de Osama bin Laden, e no mês seguinte agentes da CIA o seguiram pelo país. Finalmente, contam funcionários de Washington, ele os levou para um vasto complexo no fim de uma longa estrada de terra, cercado por muros altos, a cerca de 55 quilômetros da capital paquistanesa. Oito meses mais tarde, 79 comandos americanos em quatro helicópteros desceram no complexo. Houve disparos. Um helicóptero parou de funcionar e não conseguiu levantar voo. As autoridades paquistanesas, que não tinham sido informadas por seus aliados em Washington, tentaram reunir às pressas suas forças enquanto os comandos americanos concluíam rapidamente sua missão e partiam antes que houvesse um confronto. Entre os mortos, um era um homem alto, de barba, com o rosto coberto de sangue e uma bala na cabeça. Um membro do corpo Seals da Marinha americana o fotografou e enviou a foto aos analistas que a submeteram a um programa de reconhecimento facial.

Em poucos instantes, a maior, mais cara e mais exasperante caçada humana da história moderna estava encerrada. O corpo inerte de Bin Laden, o inimigo número 1 dos EUA, foi colocado num helicóptero para ser levado a um porta-aviões e lançado ao mar. Uma nação que passou uma década atormentada pela impossibilidade de capturar o responsável pela morte terrível de quase 3 mil pessoas, em Nova York, Washington e na Pensilvânia, em 11 de setembro de 2001, finalmente encerrava, pelo menos, um difícil capítulo.

Para o serviço de inteligência que foi duramente criticado por uma série de fracassos, na década passada, a morte de Bin Laden representou uma espécie de redenção. Para os militares que trabalharam duramente em duas, agora em três, guerras desgastantes em países muçulmanos, representou o sucesso absoluto. E, para o presidente cuja capacidade de liderança na questão da segurança nacional estava sendo questionada, tornou-se um momento de confirmação de que seu ingresso nos livros de História está garantido.

Por meses, a inteligência usou escuta telefônica, vasculhou os e-mails da família árabe do mensageiro de Bin Laden num país do Golfo Pérsico e debruçou-se sobre imagens de satélite do complexo em Abbottabad para determinar um "padrão de rotina" que poderia indicar se a operação valeria o risco.

Segundo relatos de mais de dez funcionários da Casa Branca, da inteligência e do Pentágono, as últimas semanas foram uma mistura angustiante de indagações e cenários negativos.

"Não houve uma reunião sem que alguém não mencionasse pelo menos "um Black Hawk abatido"", comentou um funcionário do alto escalão do governo, evocando a desastrosa batalha de 1993, na Somália, em que dois helicópteros americanos foram abatidos e parte da tripulação morreu na ação. A missão fracassada para resgatar os reféns no Irã, em 1980, também era uma lembrança ameaçadora.

Não houve consenso entre os funcionários quanto ao início da operação: alguns preferiam esperar e continuar monitorando até ter mais certeza de que Bin Laden estava realmente ali, enquanto outros optavam por um bombardeio, menos arriscado. No fim, o presidente Barack Obama decidiu que bombas poderiam provocar muitos danos sem a certeza de que Bin Laden fosse realmente atingido, e decidiu enviar comandos. No plano estava prevista a possibilidade de confronto na hora de sair do complexo - e foram enviados mais dois helicópteros para seguir as duas aeronaves de assalto como proteção na eventualidade de algum problema.

Acompanhamento. Na tarde de domingo, enquanto os helicópteros voavam sobre o território paquistanês, o presidente e seus assessores reuniram-se na Sala da Situação da Casa Branca para acompanhar a operação enquanto ela se desenrolava. Na maior parte do tempo, todos se mantiveram em silêncio.

A expressão de Obama era impenetrável, segundo um assessor. O vice-presidente Joe Biden desfiava o terço. "Os minutos pareciam dias", lembrou John O. Brennan, o diretor da área de contraterrorismo da Casa Branca.

O nome de código de Bin Laden era "Geronimo". O presidente e seus assessores olhavam Leon Panetta, o diretor da CIA, numa tela de vídeo, narrando para o quartel-general da agência do outro lado do Rio Potomac o que estava acontecendo no longínquo Paquistão.

"Chegaram ao alvo", ele disse.

Minutos se passaram.

"Temos contato visual com Geronimo", ele disse.

Minutos mais tarde: "Geronimo EKIA" (iniciais de enemy killed in action - inimigo morto em ação). Fez-se silêncio na Sala da Situação.

Finalmente Obama falou: "Pegamos ele".

Lacunas. Anos antes que os ataques do 11 de Setembro transformassem Bin Laden no terrorista mais temido do mundo, a CIA começara a compilar um dossiê sobre os principais elementos de sua rede terrorista global.

Somente depois de 2002, quando a agência passou a prender membros da Al-Qaeda - e a submetê-los a brutais sessões de interrogatórios em prisões secretas no exterior -, finalmente começaram a ser preenchidas as lacunas a respeito dos combatentes da organização, assistentes e financiadores dos quais Bin Laden dependia.

Os prisioneiros sob custódia dos EUA falaram de um mensageiro de confiança. Quando os americanos mencionaram o pseudônimo a dois detentos de alto nível - o principal planejador do 11 de Setembro, Khalid Sheikh Mohammed, e o chefe de operações da Al-Qaeda, Abu Faraj al-Libi - eles afirmaram que nunca tinham ouvido falar no nome. Os agentes encarregados dos interrogatórios começaram a suspeitar de que os dois estavam mentindo e o mensageiro provavelmente era uma figura importante.

Enquanto a caçada a Bin Laden prosseguia, a agência de espionagem sofria algumas derrotas em outras frentes: como as avaliações erradas do serviço secreto a respeito das armas de destruição em massa que levaram à guerra no Iraque e as intensas críticas pelo uso de métodos radicais de interrogatório, entre os quais a simulação de sufocamento, que, segundo os críticos, não passavam de tortura.

Em 2005, muitos funcionários da CIA chegaram à conclusão de que a caçada a Bin Laden estava totalmente equivocada, e os principais funcionários clandestinos da agência ordenaram uma revisão das operações de contraterrorismo. O resultado foi a Operação Bala de Canhão, que colocou um número maior de funcionários da CIA em campo no Paquistão e no Afeganistão.

Com o aumento dos agentes, a CIA finalmente obteve o sobrenome do mensageiro. Com isto, recorreram a um dos seus principais instrumentos de investigação - a Agência de Segurança Nacional começou a interceptar telefonemas e e-mails entre a família do homem e alguém no Paquistão. Desse modo, conseguiram o nome completo.

Quando, depois de semanas de vigilância, o mensageiro levou os investigadores ao complexo de Abbottabad, agentes da inteligência americana viram que tinham chegado a algo muito grande, quem sabe o próprio Bin Laden. Seu esconderijo não era a caverna espartana nas montanhas, como muitos julgavam. Mas uma casa de três andares, cercada por muros de concreto de quatro metros de altura, protegida por dois muros de segurança. Segundo disse Brennan, o funcionário da Casa Branca, ele estava "se escondendo à vista de todos".

Em Washington, Panetta reuniu-se com Obama e os seus assessores de segurança nacional, incluindo Biden, a secretária de Estado Hillary Clinton e o secretário da Defesa, Robert Gates. A reunião foi considerada tão secreta que os funcionários da Casa Branca nem sequer incluíram o tópico nas agendas eletrônicas.

Naquele dia, Panetta falou longamente sobre Bin Laden e seu suposto esconderijo. "Foi algo eletrizante", disse um funcionário do governo que participou da reunião. "Tentávamos havia tanto tempo agarrá-lo e, de repente, lá estava ele."

No entanto, discutiu-se sobre a possibilidade de Bin Laden estar realmente no interior da casa. Seguiram-se semanas de tensas reuniões entre Panetta e seus subordinados a respeito do próximo passo. Enquanto ele defendia uma estratégia agressiva para confirmar a presença de Bin Laden, alguns agentes clandestinos da CIA temiam que a pista mais promissora dos últimos anos fracassasse se os guarda-costas suspeitassem que o complexo estava sendo observado e fizessem o líder da Al-Qaeda desaparecer do local.

Durante semanas, no final do ano passado, satélites espiões tiraram fotos detalhadas, e a Agência de Segurança Nacional trabalhou para colher toda a informação possível sobre a casa. Não foi fácil: o complexo não tinha nem telefone nem acesso à internet. O pessoal da casa estava tão preocupado com a segurança que queimava o lixo em vez de colocá-lo na rua para ser levado pelos caminhões de coleta.

Em fevereiro, Panetta chamou o vice-almirante William H. McRaven, chefe do Comando Conjunto de Operações Especiais do Pentágono, para a sede da CIA em Langley, Virgínia, para informá-lo dos detalhes do complexo e começar a planejar um ataque militar.

McRaven, veterano do mundo dos serviços secretos que escreveu um livro sobre as Operações Especiais dos EUA, passou semanas trabalhando com a CIA a respeito da operação, e apresentou três opções: um assalto com helicópteros usando comandos americanos, ataques com bombardeiros B-2 que destruiriam o complexo ou uma incursão conjunta com agentes da inteligência paquistanesa, que seriam informados da missão horas antes do início.

Opções na mesa. Em 14 de março, Panetta levou as opções para a Casa Branca. Representantes da CIA tinham as fotos tiradas por satélites, que estabeleciam quais eram, segundo Panetta, os hábitos das pessoas que viviam no complexo. A esta altura, aumentavam as evidências da presença de Bin Laden no local.

As discussões sobre o que fazer ocorreram enquanto as relações dos EUA com o Paquistão estavam terrivelmente tensas por causa da prisão de Raymond A. Davis, o empreiteiro da CIA preso por atirar em dois paquistaneses numa rua movimentada em Lahore, em janeiro. Alguns dos principais assessores de Obama temiam que um ataque militar para capturar ou matar Bin Laden pudesse provocar uma reação violenta do governo paquistanês e Davis acabasse sendo morto em sua cela na prisão. Davis foi solto em 16 de março, permitindo que seus colegas agissem com maior liberdade.

Em 22 de março, o presidente perguntou aos assessores sua opinião a respeito das opções.

Gates mostrou-se cético quanto ao assalto com os helicópteros, que achou muito arriscado, e instruiu oficiais militares a analisar a possibilidade de bombardeios aéreos usando bombas inteligentes. Mas, dias mais tarde, os oficiais voltaram com a notícia de que precisariam de cerca de 32 bombas de 1.000 kg cada uma. E de que modo os funcionários americanos teriam a certeza de que matariam Bin Laden? "O ataque criaria uma cratera gigantesca, e não teríamos corpo nenhum", disse um dos funcionários da inteligência.

Uma invasão com o uso de helicópteros passou a ser considerada a melhor opção. A equipe dos Seals, da Marinha, que iria ao local começou a ensaiar a ação em instalações de treinamento em ambas as costas dos EUA, construídas de modo semelhante ao complexo. Mas seus integrantes só foram informados do alvo muito mais tarde.

Na quinta-feira, um dia depois de o presidente apresentar sua certidão de nascimento completa - essa "bobagem", ele disse aos repórteres, que distraía o país de coisas mais importantes -, Obama voltou a se reunir com seus principais assessores de segurança nacional.

Panetta disse que a CIA tinha feito simulações da operação e compartilhado suas informações com outros analistas que não estavam envolvidos no caso para saber se eles concordavam que Bin Laden poderia estar em Abbottabad. Eles concordaram. Chegara o momento de decidir.

Ao redor da mesa, o grupo testou repetidamente os cenários negativos. Houve longos períodos de silêncio, disse um assessor. E então, finalmente, Obama falou: "Não vou dizer a vocês qual é a minha decisão, agora - vou voltar e pensar mais um pouco sobre o assunto". Mas acrescentou: "Tomarei uma decisão muito em breve". Dezesseis horas mais tarde, ele tinha decidido. Na manhã seguinte, bem cedo, quatro dos principais assessores foram convocados no Salão Diplomático na Casa Branca. Antes que pudessem informar o presidente, ele se adiantou. "Podem começar", disse.

A operação deveria começar o mais cedo possível no sábado, mas os funcionários o alertaram de que uma cobertura de nuvens sobre a região significaria que o domingo seria muito mais adequado. No dia seguinte, Obama interrompeu a preparação para o Jantar dos Correspondentes da Casa Branca, naquela noite - para telefonar a McRaven e desejar-lhe boa sorte.

No domingo, os funcionários da Casa Branca cancelaram todas as visitas turísticas à residência para evitar que alguém se deparasse acidentalmente com funcionários de alto nível da segurança nacional fechados na Sala da Situação a tarde toda, monitorando as informações enviadas por Panetta. Um mensageiro foi até o supermercado Costco e voltou com uma variedade de provisões - pedaços de peru, camarões frios, batatas fritas, refrigerantes.

Às 14h05, Panetta apresentou pela última vez ao grupo o esquema da operação. Uma hora mais tarde, o diretor da CIA começou a narração, via vídeo de Langley. "Eles entraram no Paquistão", informou.

Invasão. A equipe de comandos chegou à noite procedente de uma base em Jalalabad, do outro lado da fronteira, no Afeganistão. O objetivo era entrar e sair antes que as autoridades paquistanesas detectassem a invasão do seu território por forças desconhecidas e reagissem com consequências possivelmente violentas.

No Paquistão, passava um pouco da meia-noite, era a madrugada de segunda-feira, e os americanos contavam com o fator surpresa. Quando o primeiro helicóptero mergulhou e desceu, os vizinhos ouviram uma forte explosão e tiros. Uma mulher que mora a 3,2 quilômetros de distância disse que pensou que fosse um ataque terrorista a uma instalação militar paquistanesa. Seu marido comentou que ninguém tinha ideia de que Bin Laden estivesse escondido naquele bairro tranquilo de classe média alta. "É o que pode haver de mais próximos da Grã-Bretanha", ele disse falando do lugar.

A equipe Seal invadiu o complexo - a incursão acordou o grupo que dormia no seu interior, disse um dos funcionários americanos da inteligência - e houve um tiroteio. Um homem próximo a uma mulher não identificada que morava no lugar atirava nos americanos. Ambos foram mortos. Outros dois homens morreram também, e duas mulheres ficaram feridas. As autoridades americanas determinaram posteriormente que um dos homens mortos era o filho de Bin Laden, Hamza, e os outros dois eram o mensageiro e o irmão dele.

Os comandos encontraram Bin Laden no terceiro andar, usando a chamada shalwar-kameez, e os funcionários contaram que ele resistiu antes de ser morto com uma bala sobre o olho esquerdo, quase no fim da invasão que durou 40 minutos.

O governo americano deu poucos detalhes dos seus últimos momentos. "Se ele levou muitos tiros, francamente não sei", disse Brennan, o chefe do Departamento de Contraterrorismo da Casa Branca. Mas um funcionário sênior do Pentágono, que pediu para não ser identificado, disse que estava claro que Bin Laden "foi morto por balas americanas".

Autoridades dos EUA insistiram que teriam feito Bin Laden prisioneiro se ele não resistisse, mas consideravam essa probabilidade bastante remota. "Se houvesse a oportunidade de pegar Bin Laden vivo, e ele não apresentasse nenhuma ameaça, os indivíduos envolvidos tinham condições e estavam preparados para fazê-lo", acrescentou Brennan.

Segundo funcionários, uma das mulheres de Bin Laden identificou o corpo. Uma foto tomada por um comando Seal e processada pelo software de reconhecimento facial sugeriu com 95% de certeza tratar-se de Bin Laden. Mais tarde, testes de DNA feitos com a comparação de amostras de parentes encontraram uma coincidência de 99,9%. Mas os americanos tinham outros problemas. Um dos helicópteros não conseguiu levantar voo. Para não deixá-lo nas mãos erradas, os comandos levaram as mulheres e as crianças para um lugar seguro e explodiram a nave avariada.

Entretanto, àquela altura, os militares paquistaneses procuravam reunir forças para reagir à incursão no seu território. "Eles não tinham ideia de quem tinha estado lá", disse Brennan. "Graças a Deus, não houve confronto com as forças paquistanesas".

Os comandos decolaram à 1h10, horário local, levando inúmeros documentos e computadores da casa. Deixaram mulheres e crianças para trás. Um funcionário paquistanês disse que agora nove crianças, de entre 2 e 12 anos, se encontram aos cuidados das autoridades.

O governo Obama já determinara que seria seguida a tradição islâmica de enterrar o corpo no prazo de 24 horas, para não ofender os muçulmanos, entretanto concluiu que Bin Laden teria de ser sepultado no mar, porque nenhum país queria ficar com o corpo nem criar um santuário para os seus seguidores.

Portanto, o corpo do líder da Al-Qaeda foi lavado e envolvido em um lençol branco como manda a tradição. No porta-aviões USS Carl Vinson, foi colocado num saco especial enquanto um oficial lia o serviço religioso, que foi traduzido para o árabe por uma pessoa nativa, informou o funcionário do Pentágono.

O corpo foi colocado então sobe uma tábua e baixou no mar. Somente um pequeno grupo de pessoas testemunhou o desfecho. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA
Credito:
Mark Mazzetti, Helene Cooper e Peter Baker, do The New York Times

Naval Special Warfare Development Group (DEVGRU)

Naval Special Warfare Development Group (DEVGRU)
Marine Research Facility (MARESFAC)
SEAL Team 6 (SEAL Team Six)
Mobility 6 (MOB Six)

On 1 May 2011, the United States announced that it had launched an operation into Pakistan from Afghanistan to apprehend Al-Qaeda leader Osama bin Laden. Bin Laden was killed during the operation, reported to have been conducted by members of the Naval Special Warfare Development Group (DEVGRU; commonly referred to by an older title, Seal Team Six).

The Naval Special Warfare Development Group (DEVGRU), previously identified as Mobility 6 (MOB Six), Seal Team 6 (SEAL Team Six), and Marine Research Facility (MARESFAC), is based in Dam Neck, Virginia. DEVGRU is responsible for US counter-terrorist operations, primarily in the maritime environment. The DEVGRU has as a primary function intelligence, counter-intelligence, investigative, and national security work, and the provisions of Chapter 71 of Title 5 of the United States Code cannot be applied to this organization in a manner consistent with national security requirements and considerations.

Training for SEAL Team Six was conducted throughout the United States and abroad, both on military and civilian facilities. Exchange programs and joint training were expanded with the more experienced international teams such as Germany's GSG-9, Great Britain's Special Boat Squadrons (SBS), and France's combat divers. In all cases, emphasis was placed on realism in training, in accordance with the "Train as you Fight, Fight as you Train" philosophy popular amongst most of the world's leading special operations and counter-terrorism units.

SEAL Team Six participated in a number of operations, both overt and covert, throughout the 1980's before being revamped and renamed. The reasons for these transformations were vague. However the primary factor cited has often been the need for the unit to evolve out of a poor reputation of the group within the Navy. SEAL Team Six was subsequently renamed as the Marine Research Facility (MARESFAC), and then Naval Special Warfare Development Group (DEVGRU).

The origins of DEVGRU and its predecessor organizations can be traced to the aftermath of the failed 1980 attempted to rescue American hostages at the Iranian Embassy as part of Operation Eagle Claw/Operation Evening Light. Prior to that operation, the SEALs had already begun counter-terrorism training. All 12 platoons in SEAL Team One on the West Coast had completed this training prior to the hostage rescue attempt.

On the East Coast, however, elements of the SEAL Team Two had taken the issue one step father. They had formed a dedicated 2-platoon group known as MOB Six (short for Mobility Six) in anticipation of a maritime scenario requiring a counter-terrorism response, and had subsequently begun training to that end. This included the development of advanced tactics such as fast roping.

Yet, as was the case with the US Army's initial counter-terrorism unit, Blue Light, and the activation of Delta Force, only one group was needed and could be recognized as official. With the formal activation of SEAL Team Six (a name selected primarily to confuse Soviet intelligence as to the number of SEAL Teams in operation) in October 1980, MOB Six was demobilized. A large number of members, however, including the former MOB Six commander, were asked to join the fledgling group. With prior experience from these operators, aggressive leadership, and an accelerated training program, SEAL Team Six was declared mission-ready just 6 months later.

During the 1980s, SEAL Team Six participated in a number of operations. SEAL Team Six members were responsible for the rescue and evacuation of Governor Sir Paul Scoon from Grenada during Operation Urgent Fury. Four SEALs were lost to drowning during helicopter insertion offshore. Other aspect of the operation included the securing of a radio transmitter which resulted in heavy contact with Grenadian forces. Six deployed to the site of the Achille Lauro hijacking in anticipation of a possible assault on the vessel in 1985. The unit also took part in Operation Just Cause in 1989 as part of Task Force White, which included SEAL Team Two. Their primary task, along with Delta Force, was the location and securing of Panamanian strongman Manuel Noriega.

A great deal of controversy was also generated in the 1980s, due to charges of misappropriation of funds and equipment by team members, as well as the conviction of unit founder Commander Richard Marcinko on charges of conspiracy, conflict of interest, making false claims against the government, and bribery. He was sentenced to nearly 2 years in a Federal penitentiary in addition to being forced to pay a $10,000 fine. Despite this turn of events, Marcinko was still revered in some SEAL circles as an almost mythical figure. This status was attained, in no small part, to a best selling-book series, which centered on fictional maritime special operations and counter-terrorism.

The unit was also active during the 1990s. The unit again operated in Panama as part of a secret operation code-named "Pokeweed," which had as its goal the apprehension of Colombian drug lord Pablo Escobar. The mission was unsuccessful due to poor pre-assault intelligence. By some accounts, the unit was deployed from the US aircraft carrier USS Forrestal offshore, although other sources dispute this claim (the ship's summary history discloses no operations in Panamanian waters during 1990). In 1991, SEAL Team Six reportedly recovered Haitian President Jean Bertrand Aristide under cover of darkness following the coup that deposed him. Later in 1991, the unit was also part of contingency planning for the shooting down Saddam Hussein's personal helicopter with Stinger missiles, although this operation never got beyond the planning stage. The unit reportedly deployed to Atlanta, Georgia as part of a large US counter-terrorist contingency plan for the 1996 Summer Olympics. Whatever the case, the Federal Bureau of Investigation's Hostage Rescue Team (HRT) is generally responsible for domestic counter-terrorism and was the primary response unit for the event.

By 2000, the US government described DEVGRU as having been established to oversee development of naval special warfare tactics, equipment, and techniques. This, of course, was only partly true. While the unit was under the direct command of Naval Special Warfare Command, however it was also a component of Joint Special Operations Command (JSOC) at Pope Air Force Base, North Carolina). JSOC served as a joint command for other counter-terrorism units as well, such as the Army's Delta Force and the 160th Special Operations Aviation Regiment (SOAR). It was believed that DEVGRU maintained its own helicopter support unit (possibly 2 squadrons with 18 HH-60H Seahawks for SEAL transport and support), but that the unit trained frequently with the 160th SOAR, especially in support of ship assaults, which frequently made use of the small MH-6 "Little Bird" type helicopters, operated exclusively by the 160th SOAR.

Organization and manpower of DEVGRU was a classified, and could only be guessed at. It was estimated that DEVGRU numbered approximately 200 operators, broken down by teams, much like the British SAS and Delta Force. It had been reported that there were 4 such teams within the group, assault units Red, Blue, Gold, and a special boat unit, Gray. The missions of these units were, again, a cause for speculation, however it was logical that they were specialized amongst themselves, perhaps along the lines of the SAS: Mountain, Mobility, Boat, and HALO troops (within a single Squadron). It was also possible that these units might have focused on specific target types instead, such as shipping, oil rigs, and structures, (although this scenario seems less likely due to the obvious need for all members of DEVGRU to be current and proficient should a large scale operation arise).

There was also an administrative and testing section, which numbered approximately 300 personnel. These individuals were responsible for the actual testing and development of new NAVSPECWAR equipment, including weapons.

It has been reported that DEVGRU was one of only a handful of US military units authorized to conduct preemptive actions against terrorists and terrorist facilities (NOTE: Red Cell once shared this charter, although it was never put into practice before the unit was disbanded). DEVGRU operators reportedly fire an average of 2,500 to 3,000 rounds per week in training.

domingo, 1 de maio de 2011

Nova Grande Potência

Nova Grande Potência (Handelsblatt, Alemanha, 15/3/2011)

Por Alexander Busch
Versão em português: Embaixada do Brasil em Berlim

Brasil | O maior país da América do Sul pretende assegurar o seu futuro através de investimentos em defesa, energia e infra-estrutura.

Ela logo mandou tirar o crucifixo na parede e a Bíblia do seu escritório. Muletas verbais, tais como “eu acredito que,” “eu espero” e “talvez” não constam no seu vocabulário. A primeira reunião do seu gabinete foi marcada para sexta-feira à tarde - os ministros tiveram que adiar seus voos habituais para a terra natal.

Dilma Rousseff só é Presidenta do Brasil desde o início do ano, mas o seu objetivo já ficou claro. A especialista em energia e Ministra de longa data quer fazer do Brasil uma grande potência no palco do mundo. Para tanto, baseia-se no trabalho dos seus antecessores - o Presidente Fernando Henrique Cardoso proporcionou ao Brasil na década de noventa a estabilidade econômica, o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva acabou com a pobreza, antigamente opressiva. Agora o Brasil aspira ser algo mais do que um país que fornece matérias primas, com um mercado consumidor de 193 milhões de habitantes para as multinacionais.

Graças às recém-exploradas reservas de petróleo offshore no Atlântico, o Ministro da Energia, Edison Lobão, apresenta o seu país como grande potência energética. Paralelamente, o Brasil deve continuar sendo um dos maiores produtores mundiais de eletricidade sem emissões: várias usinas hidrelétricas gigantes estão em construção, projetos de energia eólica e solar em grande escala estão planejados.

O Brasil também desenvolve a energia nuclear: urânio produzido no país, cujo valor conforme as estimativas otimistas do governo soma US$100 bilhões, deve ser aplicado no futuro em oito novas usinas nucleares. O Brasil também pretende exportar e recuperar elementos de combustível. Só uma bomba atômica própria não consta de maneira alguma na agenda, como os políticos e militares em Brasília não cansam de afirmar.

Mas a grande potência econômica Brasil tem igualmente ambições políticas, que se espelham em crescentes gastos na área de defesa. O Ministério da Defesa encomenda novos submarinos, aviões de caça, helicópteros e veículos blindados - produtos que também são projetados pelo governo como sucessos de exportação. A economia entendeu a mensagem: a empresa de construção civil e química Odebrecht vai desenvolver, em conjunto com a multinacional européia EADS, tecnologia de monitoramento e segurança para ser usada em grandes eventos como a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A produtora brasileira de aviões Embraer está desenvolvendo uma avião para transportes de tropas - em conjunto com as forças armadas do Chile, da Colômbia e dos países da OTAN Portugal e da República Checa.

Mesmo fora da indústria de defesa o otimismo está em moda. Rousseff transformou este imenso país em um imenso canteiro de obras. Até 2014, cerca de um trilhão de dólares deve ser aplicado para renovar e ampliar a infra-estrutura do país. A Presidenta pretende afrouxar, por decreto, a regulamentação ambiental para novas barragens, estradas e portos para acelerar os processos de aprovação – os ambientalistas ficam chocados.

Os investimentos públicos devem acelerar ainda mais o atual fluxo de investimentos privados estrangeiros para o Brasil. E de fato empresas de todo o mundo se estabelecem no país. Acima de todas as chinesas, que no ano passado investiram 17 bilhões de dólares no Brasil, quase um terço dos FDI totais. È difícil passar uma semana sem que uma empresa alemã anuncie novos planos: Exemplos disso são o produtor de máquinas a laser Trumpf, a empresa de aço C.D. Wälzholz, a empresa investidora em comercio eletrônico Group Buying Global, a companhia eletrônica Weidmuller, a produtora de colas Henkel, a produtora de autopeças Brose. Várias empresas de engenharia alemãs se instalaram recentemente perto dos inúmeros projetos. O Deutsche Bank tornou-se rapidamente um fator importante no âmbito de fusões e aquisições.

Dinheiro para luxo. É mais um símbolo da época dourada: Conforme um estudo da empresa Dasein Executive Search, os CEOs de empresas industriais em São Paulo e Rio de Janeiro ganham os maiores salários do mundo. Os produtores de bens de luxo que chegam no país se beneficiam com as classes altas da economia - da construtora de iates Ferretti da Itália até a envasadora de champanhe francesa Krug que faz parte do grupo LVMH. Mas mesmo no extremo inferior da escala de renda aconteceu alguma coisa. Muitos ex-pobres hoje podem financiar pela primeira vez um carro, um apartamento ou uma viagem.

O fim da festa não está à vista: De acordo com a previsão do banco Itaú Unibanco, o PIB do Brasil deve crescer nos próximos dez anos uma média de 4,5% anuais. A Alemanha teria que crescer 1,4% por ano até 2021 - o que não é nada certo - para evitar ser ultrapassada pelo Brasil.

O forte crescimento, os investidores estrangeiros e a alta dos preços de exportação para soja e minério de ferro também fizeram subir o valor externo da moeda de forma continua. Desde 2003, o valor do Real frente ao dólar dobrou. Assim, o Brasil tornou-se caro para estrangeiros: O país está agora em segundo lugar no famoso índice Big Mac do “Economist” de Londres: Só na Suíça, os hamburgers são mais caros do que em São Paulo. Ricos brasileiros gostam de gastar seu real forte em outros países - e , por exemplo, constam em Miami entre os mais importantes compradores de imóveis.

Quase não se escutam vozes pessimistas ou até mesmo céticas acerca do desenvolvimento econômico do país. Uma das poucas pertence a Fábio Barbosa, presidente da Federação Bancária Brasileira e chefe do Banco Santander no Brasil: “Com todo o entusiasmo não devemos esquecer das nossas fraquezas”, diz ele.

As fraquezas ainda são muitas: A primeira é o sistema educacional, que ainda parece o de um país subdesenvolvido atrasado. Conforme os dados oficiais, os jovens brasileiros permanecem por mais tempo na escola ou em outras instituições educacionais que seus pais - mas no estudo comparativo internacional Pisa os resultados do Brasil são terríveis. O número de analfabetos, reprovação escolar e abandono de cursos universitários é tremendamente elevado. A economia em expansão sofre com uma falta de trabalhadores qualificados, enquanto o desemprego juvenil é altíssimo. Quem não tem educação não participa das novas riquezas.

Taxa de homicídios triplicou.

Esta é outra causa para o aumento da criminalidade, especialmente no Nordeste, a tradicional região economicamente atrasada do Brasil. Naquela região, a taxa de homicídios triplicou em uma década e em algumas partes já é igual a das regiões mais perigosas do México. O fato de que o Nordeste já há anos está crescendo mais rápido do que o resto do país não muda o quadro.

O Estado, cujos representantes em Brasília projetam de maneira tão otimista o futuro papel de potência mundial do seu país, não é bem preparado para combater estas distorções. Nos rankings comparativos, índices de corrupção e estudos comparativos de produtividade, o Brasil regularmente consta entre os países do último terço. Alíquotas de impostos altas, regulamentos burocráticos, uma Justiça sobrecarregada e leis trabalhistas ultrapassadas prejudicam a economia, e ainda há falta de transparência, para usar uma expressão mais simpática para o mal da corrupção.

Isso se aplica também para projetos de prestígio: uma equipe seleta em volta do representante da Fifa, Ricardo Teixeira, organiza a copa de 2014. O oficial da área de esporte, que teve que responder a vários processos por suborno, na opinião de muitos de seus conterrâneos é mais poderoso do que qualquer Presidente. Na verdade, ele pode gastar isento de impostos e sem controle os bilhões destinados para os estádios e para a infra-estrutura da Copa do Mundo. A questão de quem recebe o apoio do BNDES e de quem não é outro mistério. Os brasileiros atualmente observam com horror como uma companhia de exportação de carnes e couro, o grupo Bertin, tentou ascender a multinacional de energia com a ajuda do BNDES. Em Belo Monte, no afluente do Amazonas, Xingu, a empresa tentou a construção de uma barragem gigante - com capacidade de mais de onze gigawatts de energia, seria a terceira maior usina hidrelétrica mundo. Na licitação do enorme projeto, a empresa de carnes, com o apoio do governo, corajosamente deu um lance mais baixo do que várias corporações do ramo. Na semana passada, Bertin deixou estourar o projeto - o grupo simplesmente não tem o dinheiro.

“O governo precisa urgentemente melhorar a produtividade do Estado”, diz o especialista em assuntos da América Latina Walter Molano do banco de investimentos BCP. “Caso contrário, após a grande festa, vem uma ressaca terrível.”