O líder terrorista Osama Bin Laden foi morto em uma operação de forças especiais americanas (Navy Seal), em uma mansão, na agora famosa cidade de Abbottabad, Paquistão. Há um debate verdadeiro sobre a natureza do uso do assassinato seletivo por Estados como ilustra esse artigo do Estadão, que cita inclusive doutrinadores jurídicos de várias vertentes (aqui), mas há também um falso debate sendo conduzido pelas figuras de sempre.
Os EUA têm inimigos ao redor do mundo de vários matizes é natural que tenham são uma potência hegemônica com interesses ao redor do mundo e foram por setenta anos os líderes de um bloco que se opunha a verdadeira religião secular e “ópio dos intelectuais” que foi o comunismo. Ou seja, há quem se oponha a atos e decisões políticas erradas (ou assim percebidas de fora) e aqueles que são ideologicamente contra, não importa a situação. Mas, bem isso é óbvio para qualquer um.
Nesse contexto a morte de Osama é só mais um ponto para o debate ideológico e em muitos casos apenas idiótico e nem vou falar nas teorias conspiratórias, por que francamente nem vale a pena. Analisar a questão do assassinato seletivo de Osama sem levar em conta o contexto de sua vida é fazer politcagem para obscurecer o debate. Como podemos ver nesse lamentável (para usar um adjetivo ameno) artigo de Gilberto Maringoni, na sempre patrocinada pelo governo Carta Capital.
O terrorismo é um tipo de conflito armado chamado de guerra assimétrica ou guerra de IV Geração. A guerra assimétrica pode de maneira muito genérica ser definida como (trecho retirado do meu texto Guerra assimétrica muito além do David versus Golias):
“A guerra assimétrica é empregada, genericamente, por aquele que se encontra muito inferiorizado em meios de combate, em relação aos de seu oponente. A assimetria se refere ao desbalanceamento extremo de forças. Para o mais forte, a guerra assimétrica é traduzida como forma ilegítima de violência, especialmente quando voltada a danos civis. Para o mais fraco, é uma forma de combate. Os atos terroristas, os ataques aos sistemas informatizados e a sabotagem são algumas formas de guerra assimétrica.” (BRASIL. Estado Maior da Armada. EMA305: Doutrina Básica da Marinha. Brasília. 2004)
Vale ressaltar que do ponto de vista dos pequenos em conflito assimétrico busca-se o apoio da opinião pública interna e externa para sua causa, assim essa tática é particularmente influente quando se combate forças de países democráticos que são sujeitos a pressão da opinião pública. Outro ponto é que com essa tática tenta dissuadir a potencia de usar seus recursos superiores sob pena de censura por uso excessivo de violência, desproporcionalidades.
Embora satisfatória a definição acima (e seu adendo) de guerra assimétrica ela fica presa ao que muitos chamam de imagem Davi contra Golias, ou seja, se prende a diferença de poder (tamanho) entre os contendores quando a tecnologia, também, pode ser decisiva nesse cenário, para ilustrar com a mesma imagem foi o uso da funda como uma arma de precisão atacando o ponto fraco do inimigo que Davi venceu. Ao que Sun Tzu já ensinara: “atacai-o [o inimigo] onde não estiver preparado. Executai vossas investidas somente quando não vos esperar”.
Assim de modo amplo uso da assimetria pode ser entendido como o uso de alguma diferença para obter vantagem, a história é cheia de exemplos de inovações mudando o balanço de poder em guerras (desde os Barcos trirremes atenienses na Batalha de Salamina, por exemplo). Por isso mesmo o U.S Army War College tem estudos que procuram aprofundar e diferenciar os vários tipos de assimetria e os tipos de estratégia que derivam do emprego ou não da assimetria como estratégia de combate, o texto é elucidador, embora seja como era de se esperar é focado na posição americana.
Segundo o Joint Strategy Review 1999, Washington, DC: The Joint Staff, 1999, p. 2. “[...] Asymmetric methods require an appreciation of an opponent’s vulnerabilities. Asymmetric approaches often employ innovative, nontraditional tactics, weapons, or technologies, and can be applied at all levels of warfare— strategic, operational, and tactical—and across the spectrum of military operations”
É importante entender que o terrorismo não é uma questão de “Lei e Ordem” apenas e sim uma questão de conflito militar – de guerra – e por ser um tipo de combate insidioso travado contra inimigos que não são forças regulares o seu combate aplica um mix de políticas policiais e ações militares. O objetivo do combate ao terrorismo não é apenas levar os que o cometem para a cadeia é também dissuadir. Nesse sentido é preciso mostrar que há conseqüências graves para o ato e assim tentar dificultar o recrutamento por parte dos grupos terroristas.
Nesse sentido Osama quando declarou guerra aos EUA se tornou mais que apenas um criminoso procurado e sim um inimigo e meus caros na guerra um dos objetivos é matar os inimigos. É preciso ter em mente isso. Embora existam vários tipos de objetivos estratégicos em uma guerra a morte do inimigo é algo natural e esperado. Existem regras, é claro, para a não execução de inimigos que formalmente se rendam o que é bem mais fácil entre forças regulares. Em outras palavras de um ponto de vista militar Osama sabia muito bem que quando assumiu os atentados de 11 de setembro ele havia se tornado um homem tacitamente condenado a morte. Negar isso é negar a realidade da guerra e de política internacional.
Desde Morgenthau que se sabe que o poder é o principio máximo das relações internacionais devido ao que os teóricos chamam de “anarquia habbesiana”, o que significa é que não há força que detenha poder de coação para obrigar um estado a cumprir determinações do Direito Internacional. Claro que há uma série de influências que empurram os estados rumo à obediência principalmente o fato das regras internacionais serem internalizadas, mas ainda assim elas podem ser interpretadas de várias maneiras, posto que é notório que a redação de tratados é deliberadamente “frouxa” acomodando várias interpretações. Por isso afirmar taxativamente que operação foi contrária ao Direito Internacional é uma forma de manipular o debate.
Do ponto de vista estratégico a operação mostra adaptação das forças americanas a natureza do conflito, utilizando meios assimétricos de inteligência e capacidade operacional a seu favor. E há a meu ver uma justiça poética na morte de Osama tendo a mesma oportunidade de se defender que ele deu as suas milhares de vítimas. E do ponto de vista moral há uma enorme diferença entre alguém inocente e alguém responsável por assassinatos em massa, qualquer um que ignore isso é no mínimo intelectualmente desonesto.
Do ponto de vista do moral das tropas nada pior poderia ter acontecido para os homens de Bin Laden de que ter seu líder morto pelos inimigos, pego de surpresa, incapaz de se defender, longe de ser o guerreiro modelo. E para as tropas americanas é uma rara boa notícia em guerras difíceis, longe de casa.
E do ponto de vista simbólico bem colocou o presidente Obama hoje, em Nova Iorque, em um quartel dos bombeiros que perdeu 15 homens, em 11 de setembro:
“What happened on Sunday, because of the courage of our military and the outstanding work of our intelligence, sent a message around the world, but also sent a message here back home,” […] “That when we say, ‘we will never forget,’ we mean what we say; that our commitment to making sure that justice is done is something that transcended politics.”
“O que ocorreu domingo se deveu a coragem dos nossos militares e o excepcional trabalho de nossa inteligência e enviou uma mensagem ao redor do mundo, mas também mandou uma mensagem aqui em casa [EUA]” [...] “Quando nós dizemos “Nós não esqueceremos” estamos falando sério, que nosso compromisso para ter certeza que se faça justiça é algo que transcende a política”. [Tradução Livre]
Claro que outras opiniões podem existir, mas a minha é essa não havia alternativa que fosse mais vantajosa do que eliminar Osama. A invasão ao Paquistão é algo que pode ser contornável, no final das contas os riscos foram por muito superados pelos benefícios. No ponto de vista moral não vejo objeções na morte de alguém assumidamente culpado e do ponto de vista dos Direitos Humanos nada pode garantir que ele obedeceu as ordens e se rendeu apropriadamente.
Cheguem a suas próprias conclusões, mas avaliem com cuidado a agenda de comentaristas e analistas, inclusiva a minha, por que não.
Fonte: Coisas Internacionais
Nenhum comentário:
Postar um comentário