O CNRS Brasil, escritório de representação do Centre National de la Recherche Scientifique, foi inaugurado oficialmente no Rio de Janeiro.
O CNRS é a mais importante instituição pública de pesquisas da França, com longa trajetória de cooperação com pesquisadores brasileiros.
O escritório funcionará no Brasil sob a direção de Jean-Pierre Briot, membro do Laboratoire d’Informatique de Paris 6 (LIP6), um laboratório de ciência da computação conjunto da Universidade Pierre e Marie Curie (Paris 6) e do CNRS.
Na entrevista que segue, Briot revelou os projetos do centro de pesquisas francês no Brasil a Andrei Koerner, professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp, que atualmente realiza pesquisa sobre Justiça Constitucional junto ao Institut des Études Politiques de Paris.
Quais são as perspectivas do CNRS acerca das atividades de pesquisa junto a instituições brasileiras?
Jean-Pierre Briot – O CNRS é a primeira instituição pública de pesquisas na França. Ele cobre todos os campos científicos e é estruturado em 10 Institutos – biologia, química, ecologia e meio ambiente, informática, matemática, ciências da engenharia, física, física nuclear e de partículas, ciências humanas e sociais, ciências do universo -, mais as ações interdisciplinares, entre as quais nanociências e desenvolvimento durável.
Em 2009, o orçamento do CNRS foi de 3,367 bilhões de euros.
O centro conta com 26 mil funcionários em seu quadro permanente – sendo que, destes, 11,6 mil são pesquisadores – e 7,6 mil contratados, como os pesquisadores associados e doutorandos. Possui 1,2 mil laboratórios, dos quais quase 90% são em parceria com estabelecimentos de ensino superior ou empresas. Publica, em média, 25 mil trabalhos científicos por ano, e mais de 50% deles são em coautoria com ao menos um laboratório estrangeiro. Está em primeiro lugar entre instituições públicas na França em registro de patentes: até 2009, por exemplo, havia registrado 3.765 patentes, 382 novas, das quais 44,5% já estão em exploração. Enfim, desde 1999 foram criadas 503 empresas de inovação, 42 apenas em 2009.
O Brasil é um parceiro estratégico do CNRS, notadamente por sua presença crescente na cena científica internacional, pois está em segundo lugar no aumento do número de publicações, depois da China; a França é o seu segundo parceiro científico, depois dos Estados Unidos; apresenta objetos de estudo e questões científicas muito importantes, como biodiversidade, modelos de desenvolvimento e outros. Sobre a biodiversidade, aliás, é preciso ressaltar a recente criação do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica.
É importante ressaltar também que o Brasil é o país com o qual a França tem a sua fronteira externa mais extensa. Enfim, existe um histórico de cooperação com a França, como, por exemplo, Claude Henri Gorceix, Oswaldo Cruz, Claude Lévi-Strauss etc.
O CNRS assinou quatro convênios com instituições de pesquisa brasileiras: o CNPq (desde 1975, prorrogada em 2007), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp/2004), a Fiocruz (2006) e a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb/2006).
Atualmente, o CNRS mantém vários acordos de cooperação com o Brasil, entre os quais com o Impa, no Rio de Janeiro. Outros três laboratórios associados – um com a Fiocruz em imunologia/biomedicina, outro com a UESC em Ilhéus (Bahia) em análises químicas e o terceiro, com a USP, UFSC e UFMG, em modelização do magnetismo. São nove projetos de cooperação científica, denominados Pics e 26 bilaterais – do tipo intercâmbio de pesquisadores -, mais 16 projetos regionais na América do Sul e uma participação no Réseau de Mathématiques Franco-Brésilien.
Vale ressaltar também que, em 2009, houve 858 missões de pesquisadores do CNRS no Brasil.
Quais são os objetivos do escritório do CNRS no país?
Jean-Pierre Briot – Este é o nono escritório do CNRS no exterior, sendo que os demais estão em Bruxelas (para a Europa); Hanói (para a Ásia); Johanesburgo (para a África); Moscou (para a Rússia e Comunidade dos Estados Independentes); Pequim (para a China); Santiago do Chile (para a América Latina); Tóquio (para o Japão e a Coréia); e Washington (para os Estados Unidos e o Canadá). Há o projeto de criar um décimo escritório na Índia. Pode-se observar que a quase totalidade dos escritórios são regionais, e o CNRS criou um dedicado apenas ao Brasil, o que mostra a importância e a vontade de parceria privilegiada com o país.
O CNRS Brasil está instalado na Maison de France, no Consulado Geral da França no Rio de Janeiro. Esta sede abriga também outros serviços franceses (Mission Economique, Chambre de Commerce) ou europeus (Consulados da Finlândia e da Alemanha). A localização oferece, além disso, proximidade com numerosas instituições científicas federais de excelência, como a Academia Brasileira de Ciências, Finep, Impa (matemática), Fiocruz (biomedicina) e CBPF (física), ao mesmo tempo em que assegura uma representação nacional para o conjunto dos parceiros científicos do país.
De um modo geral, o escritório CNRS Brasil tem por objetivo ajudar a ampliar a colaboração científica entre o CNRS e, de maneira mais geral, a França e o Brasil. Podem-se considerar três eixos de atividades principais. O primeiro é a representação do CNRS e de seus institutos científicos junto às instituições científicas brasileiras e, igualmente, a representação das instituições brasileiras e a informação sobre as políticas científicas do Brasil destinadas ao CNRS.
O segundo é identificar e/ou imaginar novas formas e oportunidades de cooperação, baseando-se no acompanhamento, informação e representação e o estímulo às redes de pesquisas. E, por fim, o terceiro eixo é a facilitação na montagem de cooperações, incluindo, por exemplo, a participação na organização de missões de diretores do CNRS no Brasil ou de visitas de representantes de instituições brasileiras ao CNRS. Isso também inclui, evidentemente, a ajuda aos pesquisadores sobre as oportunidades e os instrumentos de cooperação, tais como os programas entre o CNRS e as instituições parceiras.
Entre as perspectivas de ação do escritório e de cooperação com o Brasil, está em andamento a renovação dos protocolos entre o CNRS e o CNPq, nosso parceiro tradicional e, de certa forma, o seu homólogo no Brasil. Nesse âmbito, novos acordos de cooperação são visados: a implantação de um GDRI (Groupement De Recherche International) em ótica quântica/nanomagnetismo (física) e um novo LIA (Laboratoire International Associé) em genética dos tumores (biomedicina).
Quais são as principais modalidades de apoio à pesquisa e como se pode fazer pedidos de financiamento?
Jean-Pierre Briot – O CNRS tem diversos instrumentos de cooperação internacional, a começar pelos projetos conjuntos/bilaterais, do tipo de intercâmbio de pesquisadores – com o CNPq, a Fapesp e a FioCruz, por exemplo -, que são programas análogos ao programa Capes-Cofecub. Depois, se passa a níveis de cooperação progressivamente mais estruturados e mais perenes e com melhores dotações, que, em ordem ascendente, são : Pics (Projet International de Coopération Scientifique), LIA (Laboratoire International Associé), GDRI (Groupement De Recherche International), e UMI (Unité Mixte Internationale). Existem atualmente um UMI, 3 LIAs e 9 Pics com o Brasil, referidos acima.
Além dos programas próprios ao CNRS ou dos quais ele participa (por exemplo, os programas regionais na América do Sul), existem igualmente outros programas: de intercâmbio de pesquisadores, como os Capes-Cofecub e USP-Cofecub; programas conjuntos com maiores dotações, entre a Agence Nationale de la Recherche (ANR) e a Finep, os programas europeus etc.
Vocês têm objetivos de cooperação em áreas de políticas públicas, como política ambiental, urbana, de desenvolvimento, políticas penais ou de segurança pública, etc?
Jean-Pierre Briot – O escritório não tem ainda uma visão suficientemente completa do conjunto das atividades e das oportunidades e prioridades em ciências humanas e sociais (SHS) com o Brasil, para responder de uma maneira muito precisa à questão. O escritório é recente, pois foi criado oficialmente em janeiro, e tornou-se operacional no início de fevereiro. Não obstante, vou dar uma resposta mais pessoal e prospectiva. Considero que o Brasil tem características fora do comum – escala, biodiversidade humana e biológica, temas relevantes em matéria de modelos de desenvolvimento etc. Apresenta, assim, além de sua excelência científica própria, objetos e escalas de estudo excepcionais. Pesquisadores brasileiros exploram soluções originais, por exemplo, em matéria de políticas de gestão da biodiversidade, notadamente na Amazônia, o que leva a questões específicas de gestão supranacional com a Guiana Francesa e, então, leva a outros temas sobre cooperação.
A França foi, e ainda permanece, o primeiro país de formação e de estágio – doutorado e pós-doc – de estudantes e pesquisadores brasileiros em SHS. As potencialidades são, em minha opinião, muito grandes e ainda insuficientemente exploradas.
Uma análise da cooperação existente entre o Brasil e a França em SHS -número de projetos, doutorados sanduíche, coorientações, missões, colóquios – mostra que elas são muito numerosas. Entretanto, elas permanecem frequentemente bastante individualizadas e pouco estruturadas. Sem dúvida, isto se deve em parte à natureza e à cultura da atividade dos pesquisadores em SHS, mais individualizada, diferentemente de disciplinas como, por exemplo, a física, que, em virtude da natureza das experiências que deve organizar, tem necessidade de equipes disciplinares fortes.
No entanto, existe um instituto na França que tem o papel aglutinador em matéria de pesquisa sobre as Américas: o Instituto das Américas (www.institutdesameriques.fr). Ele deve poder ajudar a estruturar a cooperação em SHS entre a França e o Brasil. Aliás, está sendo instalada uma representação – o Pôle Brésil de l’Institut des Amériques -, acolhido no Cendotec (Centro Franco-Brasileiro de Documentação Técnica e Científica) – www.comunidadefb.com.br – em São Paulo. O escritório está em contato com eles e acompanhará as suas ações.
Dê-nos um resumo do campo de pesquisas em inteligência artificial, especialmente a simulação de sistemas sociais para a resolução de problemas de cooperação e de decisão coletiva.
Jean-Pierre Briot – Não vou detalhar aqui as diferentes atividades em matéria de inteligência artificial, um ramo histórico e atualmente bastante ativo da informática, pois isso mereceria outra entrevista. Dado o caráter mais preciso da sua questão, vou enfocar um exemplo representativo, uma comunidade interdisciplinar muito interessante e muito ativa, no cruzamento da modelização, a simulação e a análise informática de processos sociais. Esta comunidade é ao mesmo tempo de origem muito diversa – informáticos, sociólogos, economistas, etc. – e bem conectada e unida. Ela tem uma revista de referência, o Journal of Artificial Societies and Social Simulation (JASSS) (jasss.soc.surrey.ac.uk).
Um dos movimentos importantes no interior desta comunidade é o ComMod (Companion Modeling) – www.commod.org. Ele reúne pesquisadores de diferentes disciplinas – agrônomos, ecologistas, hidrólogos, sociólogos, informáticos – e volta-se ao estudo e à construção de uma metodologia para a gestão participativa de recursos renováveis -interação de dinâmicas humanas, sociais e naturais. O movimento é um meio de ultrapassar as fronteiras disciplinares, e de levar em consideração a natureza complexa dos sistemas estudados, combinado com um aspecto de pesquisa voltada à ação.
Quais são as suas pesquisas neste campo, especialmente em cooperação com pesquisadores ou laboratórios brasileiros?
Jean-Pierre Briot – Em nível pessoal, e em decorrência de meu interesse crescente pela abordagem da comunidade ComMod, iniciei há cerca de quatro anos, com minha colega Marta Irving, professora da UFRJ, especialista em gestão social da biodiversidade, um projeto interdisciplinar e franco-brasileiro, sobre o acompanhamento informático da gestão participativa de espaços protegidos – em particular os parques nacionais -, para a proteção da biodiversidade e a inclusão social. Este projeto denomina-se SimParc (Simulation participative de la gestion de Parcs) – www-desir.lip6.fr/~briot/simparc. Ele inclui pesquisadores em gestão social da biodiversidade, notadamente do Programa de Pós-Graduação Eicos da UFRJ, e pesquisadores em informática, sobretudo do LIP6/UMPC-CNRS e da PUC-Rio.
O objetivo do SimParc é ajudar a compreender melhor, a formar e a acompanhar tais processos de gestão participativa, no nível do funcionamento do conselho de gestão de um parque, que inclui diferentes conselheiros, representantes de atores sociais – ambientalista, operador de turismo, comunidade – com interesses a priori potencialmente divergentes sobre as escolhas de políticas de conservação dos diferentes setores do parque. Por exemplo, uma escolha para conservação de uma espécie endêmica, ou, pelo contrário, uma abordagem mais flexível que permita o ecoturismo.
Deve-se lembrar que o projeto SimParc pode tornar-se realidade graças à conjunção de vários fatores. Inicialmente, a minha inclusão, pelo CNRS, durante dois anos, no Departamento de Informática da PUC-Rio, e a liberação de minhas responsabilidades de chefe de equipe em Paris, me deu a oportunidade e o tempo de explorar novos domínios.
O site do escritório do CNRS no Brasil é o www.cnrs-brasil.org.
Fonte: Inovação Tec.
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