Chineses são responsáveis por 45% da perda de participação brasileira nos mercados da Argentina e do Uruguai
Liana Verdini
As exportações brasileiras estão perdendo espaço para os produtos chineses na América do Sul, principal destino das manufaturas nacionais. De acordo com estudo da economista Lia Valls, da Fundação Getulio Vargas (FGV), as perdas ainda são pequenas, mas a situação pode se agravar este ano, pois a estratégia desse país oriental é vender produtos manufaturados para nações em desenvolvimento, uma vez que todas as projeções indicam que esse grupo está sofrendo menos perda de renda do que os países desenvolvidos.
Trata-se de uma tentativa da China de compensar a perda de exportações para o mercado dos Estados Unidos, que enfrentam uma das piores recessões de toda a sua história. Esse movimento chinês explica a expressiva perda de mercado no exterior de alguns produtos brasileiros, especialmente siderúrgicos e componentes do setor automobilístico.
Esse é o caso, por exemplo, do dispositivo para comando de acelerador, freio, embreagem, direção ou caixa de marchas vendido ao Uruguai. De acordo com o levantamento da economista, 98% das perdas das exportações brasileiras para o país vizinho são devido ao aumento da participação chinesa na venda desse tipo de componente. Outro exemplo são os tubos para perfuração utilizados na extração de petróleo ou gás comprado do Brasil pela Colômbia. Em 2008, o Brasil perdeu 90% desse mercado para produtos similares chineses.
“O preocupante de tudo isto é que o Brasil está perdendo exportações de produtos de maior valor agregado (mais caros). E isso poderá ter algum impacto em nossa balança comercial se não houver maior atenção das autoridades para essa tendência que está se desenhando”, observa a economista.
Para a realização do estudo, a economista utilizou produtos classificados do sistema harmonizado e cujas exportações brasileiras e chinesas coincidem em cada um dos países pesquisados. O trabalho foi feito para Argentina, Uruguai, Colômbia, Chile, México, Estados Unidos e União Europeia.
A economista ressalta que os produtos brasileiros em que houve perda de mercado para a China ainda representam uma parcela pequena de nossas exportações totais. Por exemplo, no caso argentino, a parcela é de 0,4% de tudo o que o Brasil vende no exterior. Mas já é de 1,3% no mercado dos Estados Unidos e de 1,7% no da União Europeia. O problema é que a China já responde por 45% da perda de participação nos mercados da Argentina e do Uruguai. E mais: em relação ao período anterior estudado pela economista (2006/2007), houve um aumento de 10,5 pontos percentuais na participação chinesa.
Lia Valls explica que as maiores perdas nos Estados Unidos e na Europa foram os produtos do setor siderúrgico. No México, são itens do setor automobilístico. E nos países sul-americanos são itens como máquinas de processamento de dados, itens de bens duráveis da indústria automobilística e da linha branca. Justamente itens que o Brasil vinha conquistando mercado.
O preocupante de tudo isto é que o Brasil está perdendo exportações de produtos de maior valor agregado. E isso poderá ter algum impacto em nossa balança comercial se não houver maior atenção das autoridades para essa tendência que está se desenhando
Lia Valls, economista da FGV
Influência crescente
A maior presença da China no continente é visível. Seu posicionamento de ajudar alguns países latino-americanos a superar a crise econômica global atesta a sua crescente força em uma região que durante muito tempo foi vista apenas como “quintal” dos Estados Unidos, que praticamente a abandonou nos oito anos de governo George W. Bush. Segundo Pamela Cox, vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, o progressivo poderio econômico-financeiro da China, especialmente na América do Sul, é mais do que bem-vindo, depois da crise surgida há pouco mais de um ano nos Estados Unidos.
“O crescimento da China é uma coisa boa. Isso levou muito crescimento à região”, disse Cox. Brasil, Peru e, em menor grau, Chile e Argentina têm se beneficiado de fortes laços comerciais com a China e da capacidade do gigante asiático de bancar uma retomada da sua demanda por matérias-primas”, disse.
Ao mesmo tempo, ponderou Pamela Cox, o México e os países da América Central e do Caribe estão mais vinculados ao mercado dos Estados Unidos (EUA) e, por isso, foram mais afetados pela crise. A retomada do mercado chinês para matérias-primas foi alimentada, ao menos parcialmente, pelo enorme estímulo fiscal dado pelo governo local para reduzir os efeitos da crise que se aprofundou com a quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, em Nova York. Ela disse que a necessidade de diversificar apostas é possivelmente a maior lição que a América Latina pode tirar da crise.
Entre 2002 e 2008, metade do crescimento latino-americano se deveu ao aumento do preço das commodities, e agora está claro que os EUA não têm condições de importar todas as matérias-primas que a região tem para exportar. “Noventa e cinco por cento das pessoas que vivem na América Latina vivem em um país que exporta commodities (produtos sem valor agregado)”, lembrou.
MEMÓRIA
Discurso oficial
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem defendendo a tese de que, no atual momento de incertezas no mercado mundial, o Brasil precisa aprofundar algumas políticas que vêm sendo implementadas, como a de comércio exterior. Ele se refere especificamente à possibilidade de o país aumentar suas exportações e procurar vender cada vez mais produtos de alto valor agregado, o que melhoraria a competitividade nacional no mundo.
Lula tem defendido a internacionalização das empresas brasileiras como caminho para tornar as companhias mais competitivas. Teoricamente, a estrutura em base global as deixaria menos vulneráveis a crises internas e externas. Além disso, o dinheiro aplicado fora do país poderia voltar em forma de lucros e dividendos, além de um aumento das exportações, o que é bom para o balanço de pagamentos (entrada e saída de dinheiro). Internamente, o governo federal tem trabalhado para reforçar o mercado consumidor, especialmente por meio da ampliação do crédito e da queda dos juros.
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