Aldo Pereira
O francês Rafale nunca foi testado em combate, é mais caro e, por essas e por outras razões, nunca venceu concorrência
Noite de 2 de maio, 1982, guerra das Falklands/Malvinas. Em rápida sucessão, dois torpedos disparados pelo submarino nuclear britânico Conqueror perfuraram o casco do cruzador argentino General Belgrano.
Entre dilacerados e queimados a bordo por explosões primárias e secundárias ou afogados no subsequente naufrágio, a Argentina perdeu naquela noite 323 marinheiros. Chocado, o almirantado argentino recolheu às bases todas as suas unidades, de onde nenhuma delas voltou a sair antes do fim das hostilidades. Dois torpedos, uma esquadra inteira fora de combate.
Livre associação de ideias: se equipada com torpedos Shkval, a frota de submarinos Varshavyanka e Amur, comprados da Rússia pela Venezuela, terá capacidade teórica de varrer do Atlântico, em poucos dias, toda a sucata flutuante da atual marinha de guerra brasileira. Propelido por cavitação, esse míssil subaquático leva menos de um minuto para atingir qualquer navio ou submarino a dez quilômetros de distância, sem lhe dar tempo para manobra defensiva. Que dizer duma estática plataforma?
Na vociferante controvérsia estratégica de hoje, a marinha de superfície aparece como ainda insubstituível para certas operações. Mas as armas decisivas de qualquer confronto aeronaval são agora submarinos, torpedos, aviões, helicópteros, mísseis -e respectivos meios cibernéticos.
Enquanto a Venezuela se arma nessa linha para atacar a Colômbia e instalar ali regime "bolivariano" aparelhado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (oportuno "casus belli" é questão de tempo), o Brasil boceja perante opções tardias de adequada resposta. Lembrado talvez da fábula "A Raposa e o Corvo", tal como recontada por La Fontaine, o presidente francês Nicolas Sarkozy tem recorrido a adulações marqueteiras para levar o ingênuo presidente brasileiro a preferir o Rafale para reequipamento central da Força Aérea Brasileira.
Não será de todo irrelevante lembrar que o bilionário senador Serge Dassault é amigo e patrocinador eleitoral de Sarkozy. Dassault controla a fabricante do Rafale e também importante segmento da mídia francesa (Apesar do que, neste ano, um tribunal lhe cassou o mandato de prefeito de Corbeil-Essonnes, municipalidade próxima de Paris, por compra de votos na última eleição). Dassault espera que o Estado francês o ajude agora a vender o Rafale. Ele e Sarkozy têm custeado, para isso, bajuladoras viagens à França de parlamentares e autoridades brasileiras com influência na decisão.
Mas tão complexa equação seria acessível à maioria desses convidados? Cada variável corresponde a alguma opção aviônica (referente à parafernália eletrônica de bordo) ou de logística, ou ainda a fatores estratégicos, como autonomia tecnológica e garantias de reposição de material perdido em ação. A matéria, desafiadora até para refinadas seleções de especialistas, é decerto inacessível à análise de jornalistas leigos e políticos incultos. Note que, ao adiar o Programa FX, em 2003, Lula impôs ao Brasil irresponsável atraso ao já então precário reaparelhamento de nossa defesa.
Caças-bombardeiros Sukhoi 30MK2, como os da Venezuela, sonho e pesadelo dos pilotos da FAB, são tidos como superiores a qualquer outro, com possível exceção do americano F/A 18 Hornet (dependendo de perícia dos pilotos, armamentos, aviônica). Os fabricantes de ambos, porém, recusam partilhar os segredos da respectiva tecnologia. A precaução visa tanto resguardar mercado quanto prevenir repasse -acidental ou intencional- a adversários potenciais.
Os franceses prometem ser mais flexíveis quanto à transferência, não se sabe bem até que ponto. Mas o Rafale nunca foi testado em combate, é mais caro, e, por essas e outras razões, nunca venceu concorrência. Ao rejeitá-lo, como também a Índia o fez, a Austrália alegou uma razão que o Brasil deveria ponderar: raio de ação relativamente curto. O Rafale foi projetado para guerra na Europa, onde trajeto de mil quilômetros pode transpor meia dúzia de países. Não serve para a vastidão continental da Austrália. Que, aliás, é até pouco menor do que o Brasil.
Transferência de tecnologia é decerto ponto essencial na barganha em curso. Fator decisivo da derrota da Argentina na guerra das Falklands/ Malvinas foi sua incapacidade de pronta reposição de arsenal e equipamento. Já em nosso caso, a prioridade imediata deve ser superioridade capaz de dissuadir os potenciaisagressores.
Aldo Pereira , 77, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.
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