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sexta-feira, 15 de maio de 2009

Mulas globalizadas

Com quilos de cocaína escondidos em malas, amarrados ao corpo ou mesmo no estômago, 15 pessoas foram presas este ano no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek. Dez eram estrangeiros. São homens e mulheres, a maioria jovens, da África, Romênia, Lituânia, Espanha e Holanda que, por dinheiro, toparam buscar a droga no Brasil. São os chamados mulas. Com eles, a Polícia Federal apreendeu, entre janeiro e a primeira quinzena de maio, um total de 82,8kg de pó — quase 60% dos 139,2kg apreendidos em todo o ano passado.

O trabalho de investigação dos agentes conta com informações privilegiadas e a observação de passageiros e bagagens. “O suspeito é monitorado desde o dia em que chega ao Brasil. Não é sorte. É um trabalho duro da equipe”, afirma o superintendente da PF no Distrito Federal, Disney Rosseti. Os estrangeiros também são maioria entre os detidos nos aeroportos de Guarulhos e Congonhas, em São Paulo. Das 111 prisões por tráfico de drogas este ano nos dois terminais, até abril, 94 não eram de brasileiros. Lá, a PF apreendeu 291,2kg de cocaína.

Só no mês passado, foram 52 estrangeiros presos tentando embarcar com drogas em aeroportos do Nordeste, São Paulo, Brasília e no terminal de Foz do Iguaçu, no Paraná, cidade que faz fronteira com a Argentina e o Paraguai. Os gringos são enquadrados com base na legislação brasileira (veja o que diz a lei) e cumprem pena no Brasil. Depois, são mandados de volta para o país de origem. Os presídios possuem alas próprias para eles. Junto com os homens detidos por tráfico de drogas no aeroporto de Brasília, por exemplo, está o ex-militante italiano Cesare Battisti.

As mulas geralmente são jovens desempregados. Alegam quase sempre que não são usuários nem traficantes, que apenas fariam o transporte das drogas. Isso, no entanto, não os exime de responder por tráfico. “O fato de os estrangeiros serem maioria entre os presos atesta a globalização do narcotráfico. E que Brasília não é apenas um ponto de redistribuição interna”, comenta o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília Argemiro Procópio Filho, autor de livros e artigos sobre o tráfico de entorpecentes.

Para o historiador e economista da Universidade de São Paulo (USP) Osvaldo Coggiola, outro estudioso do assunto, as “mulas” estrangeiras comprovam a sofisticação do tráfico. Ele lembra que os transportadores são “peixe miúdo”. E destaca que as pessoas se arriscam porque existe chance de que a droga passe. “Quando são poucos os meios de sair de uma vida de pobreza, as pessoas fazem qualquer coisa, topam qualquer negócio”, completa o argentino Coggiola, antes de decretar: “Mais apreensões significa que o tráfico está crescendo”.

Na rota do tráfico
A América Latina é a maior produtora mundial de cocaína. Países como Colômbia e Bolívia detêm o controle da maior parte do tráfico internacional. O Brasil e Brasília estão na rota. Na maioria das vezes, a droga que sai da Região Norte ou mesmo de São Paulo precisa passar pelo aeroporto da capital federal para chegar à Europa. O terminal Juscelino Kubitschek serve de conexão entre todas as regiões. De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), é o terceiro em movimentação de aeronaves e o quarto em circulação de passageiros.

A Polícia Federal intensificou o combate ao tráfico a partir de julho de 2007, quando Brasília ganhou voos diretos para a Europa. O aumento do número de apreensões forçou a cúpula da polícia a mudar a estrutura da unidade do aeroporto e a anunciar a criação de uma delegacia especializada em serviços de inteligência no local. Existem cerca de 70 funcionários da PF lotados no terminal. A intenção da superintendência é separar os que cuidam da parte administrativa dos que atuam nas investigações.

A nova unidade deve ser oficialmente inaugurada este ano. Mas, segundo o superintendente Disney Rosseti, a ideia já está em funcionamento. Um desdobramento disso, exemplifica ele, é a emissão de passaportes, desde março, em postos do Serviço de Atendimento Imediato ao Cidadão, o Na Hora. Antes, os documentos só podiam ser retirados no aeroporto. Até o fim do ano, Brasília também terá voos diretos para Atlanta, nos Estados Unidos. “Será mais uma rota para a gente se preocupar”, diz Rosseti.

Estrangeiros detidos no DF
3 Romenos
2 Holandeses
2 Lituanos
1 Espanhol
1 Serra-leonense
1 Sul-africano

O que diz a lei

As mulas presas nos aeroportos são enquadradas no artigo 33 da Lei n.º 11.343/06, que define o tráfico ilícito de drogas. A pena para quem transporta entorpecentes varia de cinco a 15 anos de cadeia. A punição pode ser aumentada em até dois terços caso o tráfico seja internacional, interestadual ou em transportes coletivos. Se o réu for primário, a pena pode ser reduzida em até dois terços.

Tentativas de despistas

A Polícia Federal tem mapeadas as rotas consideradas de risco, conhece o perfil das mulas e está atenta à movimentação no aeroporto dia e noite. O trabalho de investigação obriga os transportadores da droga a inovarem para tentar burlar as ações da equipe de inteligência. O local onde o entorpecente é escondido surpreende os agentes.

Em junho do ano passado, uma africana de 20 anos foi presa com 5kg de cocaína escondida em alças de bambu de bolsas femininas. Na primeira apreensão deste ano, em janeiro, outra africana, de 21 anos, que seguia de Manaus para Portugal, acabou detida durante a conexão em Brasília com a mesma quantidade de pó camuflada em velas aromatizantes.

Um homem de 29 anos, também africano, foi abordado em abril enquanto se preparava para embarcar para Lisboa. Apesar das atitudes suspeitas dele, os policiais não encontraram droga na mala ou mesmo amarrada ao corpo, como em situações anteriores. Depois da revista, o homem contou que havia engolido 45 cápsulas com cerca de 20g de cocaína cada. Levou um dia para expelir tudo.

As apreensões mais comuns são quando a droga está em fundos falsos de bagagem. Geralmente, os traficantes usam pimenta-do-reino, naftalina ou café para disfarçar o cheiro. E colocam os tabletes de cocaína entre travesseiros para tentar enganar as máquinas de raios X. Em dois dos flagrantes deste ano, o pó estava escondido em embalagens de camisas sociais masculinas.

Em alguns casos, no entanto, os traficantes nem se dão ao trabalho de dificultar a ação da polícia: jogam a droga dentro da mala, entregam a encomenda às mulas e contam com a sorte. Foi o que aconteceu na maior apreensão do ano até aqui, em março, quando um brasileiro de 32 anos tentava levar 21,2kg de cocaína de Manaus para Belo Horizonte. O pó estava em duas malas, sem disfarce.

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