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terça-feira, 14 de abril de 2009

O Enem, as mudanças no vestibular e a geração concurso

Foi com muita expectativa, que, através do O GLOBO vi as primeiras reportagens sobre as mudanças no vestibular pretendidas pelo "nosso guia" e seu ministro. Faz tempo que eu, orientador profissional e professor universitário, vejo de perto o sofrimento dos jovens, que além da árdua tarefa de escolher uma profissão aos 16, 17 anos, precisam se preocupar (talvez ainda mais) em passar no vestibular do curso escolhido.

Triste fiquei ao verificar que a mudança consiste em passar de uma prova para duas (Enem). Será que isso resultará em alguma mudança concreta (além, claro, sobre quem receberá o dinheiro das inscrições)?

Nosso ministro diz ter se inspirado no modelo americano ou "Scholastic Aptitude Test / Scholastic Assessment Test" (SAT). Se for essa nossa fonte de inspiração, que percebamos que o modelo americano vai muito além do SAT (que alias é realizado 7 vezes no ano e, em caso de nota baixa, o aluno tenta novamente, ficando com a nota mais alta):

O SAT foi reformulado em 2005 passando a ter três etapas somente: a seção de leitura crítica, anteriormente denominada seção verbal, que testa a capacidade de compreensão de textos de nível superior escritos em inglês; a seção de matemática, que avalia a capacidade de analisar e resolver problemas - habilidades aprendidas na escola e que serão necessárias na universidade - e abrange questões que envolvem fórmulas de álgebra, figuras geométricas, probabilidade e análise de dados; e, por último, redação, que abrange questões de múltipla escolha para avaliar o uso do inglês formal escrito. Inclui-se também uma breve dissertação.

Depois é realizado o SAT-Subject Tests (Testes de matérias específicas do SAT), que são exames de uma hora de duração que avaliam o conhecimento do estudante em relação a uma determinada matéria acadêmica, e sua capacidade para aplicar tal conhecimento. Existe um total de 20 testes de matérias, tais como francês, química e história geral.

Falta ressaltarmos algo muito importante: para se entrar em uma universidade americana, a nota do SAT não é única. Tão importante ou mais são as outras etapas, como a entrevista com o aluno, cartas de recomendação de professores, seu currículo escolar, sua participação em atividades extras-curriculares (se esteve em grêmio, esportes, banda, coral). Muitas vezes um bom esportista, ou um aluno com bom projeto de ciências numa feira científica, tem mais chances de ser aceito numa universidade do que alguém com boas notas no SAT.

Outro agravante da nossa "inspiração" é a diferença na escolha profissional. No modelo americano, o jovem entra no "college". Os dois primeiros anos de faculdade ("college") são conhecidos como "freshman" e "sophomore". Algumas escolas exigem que os "freshmen" e "sophomores" façam cursos em diferentes áreas do conhecimento: literatura, ciências, ciências sociais, artes, história e assim por diante, dando ao jovem um conhecimento sobre as possibilidades de carreira e disciplinas da universidade. O terceiro e quarto ano são os "upperclassmen", onde um professor-orientador que ensina na área de especialização do estudante ("major") é designado para cada estudante com o propósito de ajudá-lo a selecionar seu programa de estudo, que é quando o jovem realiza realmente sua escolha profissional.

No modelo "abrasileirado", este jovem terá que escolher sua profissão assim que tiver realizado o Enem para escolher um curso. Imaginemos quantos jovens que desejam medicina irão optar por enfermagem ou biologia, por terem somente pontos para isso, e medo de tentar o Enem novamente seis meses depois. Isso já é uma realidade nos consultórios de orientação, pois nossos clientes se baseiam pela famigerada relação candidato/vaga. Imaginem esse mesmo adolescente de posse de sua nota no novo Enem e sabendo para quais cursos pode entrar e quais não pode. Os sonhos darão lugar à praticidade.

Se pretendemos nos inspirar pelos bons resultados da educação superior americana em relação à escolha profissional, que criemos um ingresso ao vestibular flexível, com entrevista, análise de currículo, carta de recomendação dos professores do ensino médio (uma boa forma de valorizar os mestres), entre outras boas idéias americanas, e fujamos da preferência nacional pelo teste de avaliação, que pouco avalia em termos profissionais.

Uma geração que mede sua capacidade somente através de provas só saberá obter resultados dessa forma. Uma prova disso é o que chamo "geração concurso", jovens com pânico do mercado de trabalho, e que sonham com uma prova (concurso público) que garanta a eles estabilidade e segurança.

O Brasil precisa de jovens empreendedores, que saibam trabalhar em grupo, tenham liderança, saibam fazer uma reunião. Só teremos isso em nosso mercado de trabalho com mudanças significativas no ingresso às universidades, e não com uma cópia "mal feita" da parte menos significativa do modelo anglo-saxão.

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