O canadense Paul Zehr é um apaixonado por quadrinhos e devorou tudo o que existe sobre Batman. Ele não seria mais do que um fã fervoroso se não fosse doutor em neurociências. Zehr decidiu usar seus conhecimentos de neurologia e cinesiologia - a ciência que estuda os movimentos humanos - para escrever o livro Becoming Batman, sobre como se transformar no super-herói. Para o canadense, é possível aproximar-se das habilidades do Cavaleiro das Trevas. "Ele não ganhou super-poderes por meio de mutações, picada de insetos radioativos ou porque nasceu em outro planeta. Ele é apenas um homem muito bem treinado”, diz o pesquisador, que também é professor na Universidade de Victoria, no Canadá.
Na obra, que será lançada em outubro nos Estados Unidos pela editora da Universidade John Hopkins, Zehr especula o que seria necessário para um homem comum se tornar um Batman e conclui que tal façanha é para poucos. “Somente uma pessoa muito especial - com uma predisposição genética específica, acesso a treinamentos adequados, recursos ilimitados para levar os treinamentos adiante e, principalmente, a motivação para ir em frente - conseguiria chegar lá”, afirma. No caso de Batman, a força para persistir foi ter presenciado, aos 13 anos, o assassinato dos próprios pais em Gotham. O evento fatídico levou-o a peregrinar pelo mundo, reunir forças e voltar para limpar a escória da cidade.
O professor joga um balde de água fria em quem esperava um caminho rápido e fácil até a Batcaverna. “Não há como fazer uma lista do tipo 'Transforme-se em Batman em 10 passos simples'”, diz Zehr. Mas ele dá pistas do que faz alguém chegar mais próximo do Cavaleiro das Trevas.
A primeira é se esmerar no treinamento físico. Ele tem que ser intenso para garantir condicionamento para agüentar os trancos que o herói enfrenta diariamente. Um aspirante a Batman precisa ter força e agilidade para fazer movimentos precisos, como uma acrobacia para não despencar do alto de um arranha-céu enquanto não usa uma das bugigangas salvadoras que carrega em seu cinto de utilidades.
“Muitas histórias dizem que o Batman é o melhor em tudo. Ele é o atleta mais bem treinado que existe, mas ele não é o melhor em nada específico - a não ser em ser ele mesmo”, afirma o pesquisador. Segundo Zehr, é fisiologicamente impossível ser o melhor em tudo. É por isso que um campeão dos 100 metros rasos não teria muitas chances de ganhar uma prova de longa distância. As adaptações que o corpo faz para resistir à fadiga da explosão ou de uma maratona são completamente diferentes. O velocista depende de enormes músculos para render 100% por um breve período. O maratonista precisa de músculos menores, mas capazes de render 80% por longos períodos.
Isso significa que, se Batman disputasse uma olimpíada, ele não chegaria em primeiro lugar nem na prova dos 100 metros nem na maratona. Mas seria capaz de obter a segunda colocação nas duas provas.
“Se eu fosse técnico do Batman, ele disputaria o decatlo”, afirma Paul Zehr. Para quem não sabe, o decatlo é uma das provas mais difíceis do atletismo. Realizada em dois dias, a competição, como o nome diz, engloba dez disputas: 100 metros rasos, salto em distância, lançamento de peso, salto em altura, 400 metros rasos, 110 metros com barreiras, lançamento de disco, salto com vara, lançamento de dardo e 1500 metros.
O treinamento pesado provocaria mudanças fisiológicas extremas no corpo do candidato a herói. Os músculos se tornariam mais fortes e contrairiam mais rapidamente. Ele seria capaz de ativar um número maior de músculos e por um tempo superior. Até os ossos se tornariam mais densos e, portanto, menos vulneráveis a fraturas. A realização de exercícios tão extremos levaria, segundo o cientista, de três a cinco anos.
Além de ganhar força e resistência, com o treinamento, o "futuro Batman" conseguiria ter uma compreensão ampliada de seu corpo e dos movimentos corporais. “Uma das características mais marcantes de Batman é a ampla compreensão do posicionamento de seu corpo no espaço. Ele tem a habilidade de perceber o movimento no tempo, algo que a ciência estuda em atletas”, explica Zehr. Os acrobatas são capazes de calcular a força e a velocidade para que determinado salto ou movimento tenha a trajetória esperada. Os jogadores de futebol não vêem o lançamento da bola, mas podem antever onde ela chegará. “É como se eles obtivessem a informação sobre o movimento mais rapidamente que os outros, como se o sistema nervoso se tornasse mais eficiente".
A ginástica olímpica também seria útil para um aspirante a homem-morcego pular de grandes alturas e dar cambalhotas para escapar dos inimigos. O senso desses movimentos seria ainda mais apurado com a prática de artes marciais. Por isso, para Zehr, saber lutar é outro ponto fundamental no treinamento do herói.
Todos temos a capacidade de perceber o posicionamento de nossos braços, pernas e de todo o corpo. Essa sensação inconsciente de movimento nos músculos e juntas do corpo é ampliada pelo treinamento. Atletas de elite, em particular aqueles que combinam movimentos precisos com movimentos vigorosos, como ginastas e lutadores, têm um elevando senso de movimento e consciência corporal.
Nas histórias, já foi dito que o homem-morcego sabe 127 tipos de lutas. Elas são importantes na segunda fase do treinamento para se transformar no herói. Nessa segunda etapa, o aspirante deve adquirir habilidades específicas para lutar contra o crime. Além de chutes, socos, ele precisa saber alguns golpes de certas lutas, como agarrar e arremessar adversários. “Tudo com uma dificuldade extra: como o Batman é um herói, ele não mata seus adversários. Golpear com precisão para apenas desmaiar o oponente exige treinamento e técnica”, diz Zehr.
Para chegar a esse estágio, o genérico de Batman precisa treinar de 12 a 15 anos. Como esse treinamento pode ser feito simultaneamente ao do condicionamento físico, se o aspirante começar aos 13 - idade em que o herói dos quadrinhos viu os pais morrerem e jurou vingança -, ele só estaria suficientemente bom aos 28 anos. Mas ainda não estaria pronto para sair às ruas salvando pessoas.
Um batman tem de ser tão bom que não pode dar-se ao luxo de perder. A derrota para Batman significa morte. Por isso, seu treinamento só estaria concluído depois de um estágio na profissão. “Calculo que ele precisaria de outros seis anos para adquirir confiança e precisão para agir sob pressão e ter um desempenho impecável, defender a si mesmo, proteger Gotham e nunca perder”, afirma o cientista.
Fazendo as contas, levaria 15 anos para se transformar no Cavaleiro das Trevas - isso na melhor das hipóteses. Desistiu? Essa era a parte fácil na transformação em super-herói. “Mais difícil que se tornar Btaman, é manter-se Batman”, diz o neurocientista. É tarefa ingrata trabalhar todas as noites, sair no braço com um monte de bandidos e ainda manter a pose de playboy durante o dia. Imagine anos e anos combatendo vilões. As seqüelas não são mostradas nos quadrinhos, mas não se pode esquecer que Bruce Wayne é um humano agindo como herói.
Os pontos mais inverossímeis, e por isso mais obscuros, da trajetória do Cavaleiro das Trevas seriam as conseqüências traumáticas que sua rotina de heroísmo proporcionaria. Se Batman trabalha à noite, quando ele dorme? O seu relógio biológico só agüentaria a pressão se ele de fato trocasse o dia pela noite. Mas isso não acontece, já que Wayne é figurinha recorrente nos acontecimentos diurnos de Gotham City.
Um outro problema na carreira de Batman é que ele sempre vence seus adversários, mas, para não deixar as platéias com sono, precisa levar algumas pancadas antes de pôr os super-vilões para dormir. Mesmo se a máscara com chifrinho for considerada um capacete, não há cabeça que agüente tanto impacto. Nem ossos que resistam à chutes, pauladas, marretadas e todos os objetos duros e pesados que arremessam contra ele. Na vida real, Batman colecionaria lesões e concussões que o mandariam para o chuveiro rapidinho. A menos que ele parasse de fazer charme e desmontasse os bandidos de primeira.
A vida útil da carreira do herói seria curta. Aos 55 anos, já estaria mais do que na hora de passar o bastão. Além de todos os traumas acima, ele lutaria com adversários cada vez mais jovens. Aparentemente, todo desempenho cai com o chegar da idade. E são tantos bandidos ao mesmo tempo que nem suas habilidades de estrela das artes marciais o salvariam.
Nem anabolizantes ajudariam o homem-morcego a prolongar a carreira. Apesar de ele ser um pouco sombrio e vingativo para se encaixar no estereótipo clássico de herói bonzinho, ele não faz coisas erradas. Segundo Zehr, Wayne até tomou esteróides, involuntariamente, em uma série de quadrinhos de 1993. Mas ficou tão abalado com os efeitos colaterais que parou rapidinho.
De fato, a rotina é muito dura e os resultados, incertos, para atrair uma legião de aspirantes a Batman. Mas, de acordo com Zehr, o intuito de seu livro não é criar uma legião de heróis, mas popularizar a ciência. “Creio que cientistas como eu têm o dever de se esforçar um pouco mais para traduzir nossa ciência em termos que sejam interessantes e acessíveis ao público em geral”, justifica.
Fonte: Época
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