Jorge Zaverucha: Violência: “a lógica do jogo soma-zero: ou eu ou você” |
A desigualdade social não pode mais ser considerada o estopim das guerras civis, já que “o Brasil tornou-se menos injusto socialmente nos últimos anos”, afirma Jorge Zaverucha, em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line. Por outro lado, é evidente que a criminalidade tem tomado conta não só de grandes centros urbanos, mas de localidades até então consideradas pacificas. Isso acontece, explica, porque “os criminosos trabalham levando em conta a impunidade e a deficiência da polícia”.
A descrença nas instituições e a ausência do Estado fazem com que a população faça “justiça com as próprias mãos”, explica o pesquisador. E dispara: “é como se a sociedade estivesse em chamas”.
Zaverucha é mestre em Ciências Políticas, pela Hebrew University Of Jerusalém, em Israel, e doutor na mesma área, pela University of Chicago, nos EUA, e pós-doutor, pela University of Texas at Austin. Atualmente, é docente na Universidade Federal de Pernambuco, onde coordena o Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas (NIC).
IHU On-Line - O que aconteceu no país para que a violência alcançasse tamanhas proporções? Localidades consideradas passivas há cinco anos estão dominadas por atos de violência. Como explicar essa transformação?
Jorge Zaverucha - Cada caso apresenta suas particularidades. Mas, obviamente, há pontos em comum entre todos eles. Gostaria de oferecer-lhe uma resposta pronta. Não a tenho. Também trabalho com a hipótese de que a contínua desordem existente na cúpula do poder político nacional gera um efeito-demonstrativo negativo de alta capilaridade. Caso esteja correto, inexiste um claro marco regulatório que balize o comportamento da população.
IHU On-Line - Como entender o sucesso do filme Tropa de elite? Por que a sociedade tem prazer e vibra com cenas de violência? Isso está intrínseco ao ser humano?
Jorge Zaverucha - Creio que boa parte da popularidade do filme, deve-se ao fato da platéia sentir “vingada” pelos bopeanos. Ou seja, sou diariamente assaltado, chamo a polícia e ela pouco faz e às vezes até me extorque. De repente, vejo que há um corpo policial honesto que vai dar um jeito no “inimigo”. É a lógica do jogo soma-zero: ou eu ou você. Esta é uma lógica típica de guerra. A cultura de guerra olha, predominantemente, para as capacidades do inimigo. A cultura democrática privilegia as motivações dos adversários. Na linguagem do Bope, há uma “guerra de baixa intensidade”. No entanto, ela é conduzida no seio de uma população predominantemente honesta e inocente. Esta visão belicista parece ter-se tornado hegemônica. A sociedade não mais se questiona sobre a justificativa desta “guerra” (jus ad bellum). O que conta como diz o canto de guerra bopeano “é invadir favela e deixar corpo no chão”. Para alívio da platéia.
IHU On-Line - O senhor concorda com a idéia de que o Brasil está se convertendo num país de emigração? Essa pode ser uma justificativa o Estado não conseguir mais manter a seguridade social para a população?
Jorge Zaverucha - A insegurança física é um dos componentes que levam uma pessoa a emigrar. Tenho colegas que resolveram deixar o país com medo de serem seqüestrados e/ou mortos. É duro aceitar que chega a quase meio milhão o número de brasileiros assassinados entre 1996 e 2006. Talvez, eu esteja muito influenciado pela realidade pernambucana. Sugiro acessar www.pebodycount.com.br, site inspirado na Guerra do Iraque.
IHU On-Line - Como o senhor avalia a atuação de grupos como o PCC que possuem leis próprias e que substituem a justiça comum? Isso demonstra a morte da legitimidade do Estado brasileiro?
Jorge Zaverucha - Cada vez mais, o crime organizado consegue estabelecer zonas de cooperação com agentes estatais para o cometimento de delitos. Ora, se o Estado é fonte de grupos criminosos, como ele pode combater o crime? O Estado brasileiro vai perdendo tanto sua função quanto sua legitimidade ao ser minado internamente. A criminalidade organizada ainda não atingiu todo o Estado. Entretanto, se o processo de captura de agentes estatais não for estancado, o poder legal estatal poderá tornar-se meramente nominal.
IHU On-Line - O senhor diz que o crime organizado está alojado nas entranhas do aparelho do Estado brasileiro. Essa afirmação é sinal de que a violência nunca será combatida?
Jorge Zaverucha - Pode ser combatida desde que os setores do aparelho estatal capturados pelo crime organizado sejam derrotados. Será que a sociedade prevalecerá sobre o Estado? Infelizmente, a maioria dos políticos vê o Estado como um butim. O que existe, hoje em dia, são pequenos grupos com amplos poderes vis-à-vis uma massa de indivíduos desorganizada e impotente. O Marquês de Maricá já dizia que “a impunidade é segura quando a cumplicidade é geral”.
IHU On-Line - Muitos especialistas dizem que a violência urbana é apenas uma conseqüência da pobreza, desemprego, falta de oportunidades, educação precária. Essas questões ainda são relevantes? Que outros aspectos o senhor destacaria como fundamentais para a expansão da criminalidade pelo Brasil?
Jorge Zaverucha – O capital humano (educação), o capital físico (infra-estrutura), o capital social (confiança nas relações sociais que leva a organização social) e o capital institucional (segurança e justiça) são importantes. Sugiro usar a variável pobreza com cautela. As populações de Bombaim, hoje Mombai, e Rio de Janeiro são similares. Lá, a taxa de homicídio, dados de 2003, foi de 1,1 por 100 mil habitantes. No Rio, é trinta vezes maior. O Brasil tornou-se menos injusto socialmente nos últimos anos, mas a criminalidade estourou. Por isso mesmo, enfatizo a grande ineficiência/corrupção do nosso sistema de justiça criminal. Os criminosos trabalham levando em conta a impunidade e a deficiência da polícia. Mas é sempre bom lembrar que muitos crimes, especialmente os mais cruéis, não são redutíveis a fatores meramente externos. Temos muito a estudar.
IHU On-Line - A superlotação dos presídios contribui para aumentar a violência? Esse cenário torna os apenados mais violentos?
Jorge Zaverucha - Contribui na medida em que, em vez de ressocializar, aperfeiçoa os conhecimentos dos bandidos. Além do mais, as condições são tão degradantes que o preso está disposto a correr alto riso, inclusive a morte, para de lá sair. Um detalhe: o Estado pune quem viola a lei. Mas aqui em Recife, há a figura do “chaveiro” de cela do presídio. É um preso, pago pelo Estado, para controlar outros presos em troca de favores informais da direção do presídio. É o Estado patrocinando a ilegalidade de um modo informal. Afora a Lei de Execuções Penais que é cotidianamente violada em todo o país. Mas quem fiscaliza o Estado?
IHU On-Line - O sociólogo José de Souza Martins constatou mais de dois mil casos de linchamento no país, em 30 anos. Segundo a pesquisa, mais de 500 mil brasileiros praticaram esse ato nos últimos 50 anos. Como compreender a gana por violência que consome a sociedade nas últimas décadas?
Jorge Zaverucha - A criminalidade epidêmica provoca descrença nas instituições. Ante a ausência do Estado na mediação dos conflitos, a população faz justiça com as próprias mãos. É como se a sociedade estivesse em chamas. Joubert já nos lembrava que “tudo aquilo que tem asas está fora do alcance das leis”
IHU On-Line - Podemos dizer que, depois de assistir tantas impunidades, a sociedade passou a adotar ações de violência como método de proteção, ou seja, a violência gerou mais violência?
Jorge Zaverucha - Nem sempre violência gera mais violência. Às vezes, é necessário o uso da violência para evitar que a violência se alastre. Para mim, o mais importante é indagar sobre o grau de legitimidade do uso da violência. Quem a usa e contra quem? O Estado se caracteriza pela dominação de um grupo sobre o outro. Este domínio ocorre, seja pelo consentimento, seja pelo uso da violência. Quanto menor for a legitimidade, maior será a violência.
Fonte: (http://www.unisinos.br/ihu/)
Nenhum comentário:
Postar um comentário