15/07/2010
Thomas L. Friedman
Opinião
Thomas L. Friedman
Estava de férias quando surgiu a história de que 11 russos tinham sido acusados de espionagem nos EUA. Minha primeira reação foi: este pode ser o maior presente para os EUA desde que a França nos deu a Estátua da Liberdade. Alguém ainda quer nos espionar! Quando já nos sentíamos por baixo e por fora, os russos aparecem e dizem que ainda vale a pena plantar gente em nossos centros de estudo. Crise da subprime ou não, alguns ainda acham que estamos numa boa. Obrigado, Putin.
Depois de refletir, contudo, ocorreume que a história tem dois lados. O bom é que ainda querem nos espionar; o ruim é que são os russos.
Se fossem 11 finlandeses espionando nossas escolas eu realmente me sentiria bem — as escolas públicas da Finlândia estão sempre no topo das tabelas sobre o ensino no mundo. Se fossem 11 cingapurianos espionando como nosso governo funciona teria me sentido bem — Cingapura tem uma das melhores burocracias do mundo. Se fossem 11 chineses de Hong Kong estudando como regulamos nosso mercado financeiro teria me sentido ótimo — Hong Kong excede nesse particular. Se fossem 11 sul-coreanos examinando nossa rede de banda larga de alta velocidade me sentiria bem — estamos atrás deles há muito tempo.
Mas os russos? Quem quer ser espionado por eles? Não fossem as exportações de óleo, gás e minerais, a economia russa estaria se contraindo ainda mais. Os produtos de exportação mais populares lá hoje são provavelmente os mesmos da era Kruschev: vodka, matrioskas e fuzis Kalashnikov. A história dos espiões lembra um desses torneios de veteranos — McEnroe contra Connors, ou talvez uma reedição da luta entre Floyd Patterson e Sonny Liston, aos 60 anos.
Você quer se livrar de seus olhos.
Tudo o que os russos deveriam querer de nós — a verdadeira fonte de nossa força — não requer espiões, mas um guia turístico de Washington, que custa menos de US$ 10. A maior parte está no Arquivo Nacional: a Declaração dos Direitos do Cidadão, a Constituição e a Declaração de Independência. E o resto está em nossa cultura e pode ser encontrado em toda parte. É um compromisso com a liberdade individual, mercado livre, império da lei, universidades que fazem pesquisa e uma cultura que celebra imigrantes e inovadores.
Se os russos começarem a achar tudo isso e levar para casa, teremos de encará-los mais seriamente como competidores.
Mas há poucos indícios disso.
De fato, como escreveu Leon Aron, diretor de estudos russos do Instituto Empresarial Americano, o presidente Dmitri Medvedev acaba de anunciar a construção da “Cidade da Inovação” em Skolkovo, perto de Moscou. Esta “tecnópolis” foi planejada como uma zona de livre iniciativa para atrair os melhores talentos do mundo.
Há apenas um problema, segundo Aron: “Importar ideias e tecnologia do Ocidente tem sido um dos elementos vitais nas modernizações da Rússia desde Pedro, o Grande. Mas a Rússia controlou rigidamente o que importava: máquinas e engenheiros, sim. Espírito investigador, compromisso com a livre inovação e, mais importante, estímulo a empreendedores confiantes de que terão direito aos resultados de seu trabalho — muito certamente não. Pedro e seus sucessores buscaram produzir frutos sem cultivar as raízes. Somente alguém livre de medo e de fiscais pode construir um Vale do Silício. Esses homens e mulheres estão cada vez mais raros na Rússia hoje, desgostosos e amedrontados diante da ausência da lei e da desenfreada corrupção. Empreendedores russos estão investindo muito pouco em seu país além de suas necessidades imediatas de produção.” Tudo que os russos deveriam querer de nós é o que o não querem roubar.
Também é tudo o que deveríamos celebrar e preservar, mas ultimamente não temos feito: imigração aberta, excelência educacional, cultura da inovação e sistema financeiro destinado a promover a destruição criativa, não “a criação destrutiva”, como disse o economista Jagdish Bhagwati.
Vamos trocar os espiões. Mas vamos nos lembrar que ser espionado pelos russos hoje não é uma honra, apenas um velho hábito. Eles não são mais nossos pares. Os países com os quais devemos nos preocupar são aqueles cujos professores, burocratas, poupadores, investidores e inovadores — não espiões — estão nos derrotando à luz do dia em nosso próprio jogo.
THOMAS L. FRIEDMAN é jornalista.
The New York Times
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