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segunda-feira, 19 de julho de 2010

O Plano Brasil 2022

19/07/2010

Espaço Aberto
José Goldemberg

Desde a mais remota Antiguidade os seres humanos têm uma enorme fascinação por tentar prever o futuro. Astrólogos eram presença obrigatória em todas as antigas cortes imperiais e até hoje são populares, mas no ramo das profecias ninguém se compara ao prestígio do Oráculo de Delfos, na Grécia. Ali, no templo dedicado a Apolo, as pitonisas (sacerdotisas), em transe, faziam profecias, em geral dúbias, que eram consideradas verdades absolutas. Os grandes conquistadores da época sempre consultavam o Oráculo de Delfos antes de se lançarem nas suas campanhas militares. Hoje, suspeita-se que os transes e as visões das sacerdotisas eram provocados por gases emitidos por uma fenda subterrânea existente abaixo do local onde elas se sentavam. A reputação do Oráculo de Delfos resistiu mais de mil anos e ele só foi abandonado no início da era cristã.

Nos dias de hoje muitos governos fazem planos para o futuro, não só para orientar os investimentos governamentais, como também para mobilizar a sociedade em torno de objetivos inspiradores. Líderes políticos de grande envergadura, como, por exemplo, Charles de Gaulle, na França, e Juscelino Kubitschek, entre nós, criaram visões do futuro que moldaram a evolução de seus países: De Gaulle mobilizando os franceses contra o nazismo e Juscelino criando Brasília. Prever o futuro neste caso significa, no fundo, construí-lo.

Não é de surpreender, portanto, que o atual presidente da República tenha encarregado o seu ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, de pensar estrategicamente o futuro do País, fixando metas para o ano de 2022, quando o Brasil comemora o bicentenário de sua independência.

O Plano Brasil 2022 foi preparado por grupos de trabalho formados por técnicos de todos os Ministérios e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aprovado pelos ministros das diversas áreas e está na internet (http://www.sae.gov.br/brasil2022/).

O plano contém uma relação enfadonha de realizações do atual governo desde 2002 e metas para 2022 em cada uma das 32 áreas de governo, ignorando o fato de que o Brasil já existia antes de 2002 e que o futuro depende do que aconteceu no passado. As metas propostas para 2022 são inteiramente arbitrárias e representam pouco mais que os desejos daqueles que as formularam.

Mais interessante, porém, é o ensaio com o título O Mundo em 2022, em que o ministro Samuel Pinheiro Guimarães expõe suas visões ideológicas, ao dizer que "a extensão do papel do Estado é a grande questão que surgiu com a crise de 2008, em que está o mundo imerso, resultado da aplicação extremada da ideologia neoliberal, crise que clama por uma solução".

São então listados quais, no seu entendimento, são os grandes problemas e tendências: a aceleração da transformação tecnológica, o agravamento da situação ambiental-energética, o agravamento das desigualdades sociais e da pobreza, as migrações, o racismo, a globalização da economia mundial, a concentração do poder no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros, todos repisando sempre no tema da ideologia neoliberal.

Chama a atenção também o feroz ataque às agências da ONU, que, segundo o ministro, teriam como uma de suas principais atividades "promover a adoção de políticas que correspondam a um ideal do modelo liberal-capitalista de organização da sociedade e do Estado". As críticas à Organização Mundial do Comércio (OMC) vão na mesma direção.

A conclusão do ensaio é a de que "cabe ao Brasil diante dessa situação, e tendo de enfrentar as falsas maiorias constituídas por Estados mais frágeis econômica e politicamente e que vislumbram para si mesmos poucas possibilidades neste mundo cada vez mais desigual, procurar com firmeza, e sem recear um suposto "isolamento", impedir que se negociem normas internacionais que dificultem a plena realização de seu potencial econômico e político". Em outras palavras, uma reafirmação nacionalista!

A leitura do Plano Brasil 2022 nos faz lembrar duas inscrições importantes que existiam na entrada do Oráculo de Delfos. A primeira delas é a seguinte: "Evite os excessos." E a outra: "Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo."

O que elas significam é que os gregos antigos - que construíram Delfos 3 mil anos atrás - sabiam que para prever o futuro é essencial conhecer o que existe hoje e que excessos não são recomendáveis.

A grande falha do plano, a nosso ver, é que ele não segue os dois princípios de Delfos: lança toda a culpa dos atuais problemas em opções neoliberais, o que é um exagero, e, além disso, não parece compreender a realidade atual, particularmente quando atribui o agravamento da situação ambiental-energética às teorias liberais, que o ministro expressa da seguinte forma: "A expansão das atividades industriais com base nas teorias liberais relativas à melhor organização da produção e do consumo, a partir do dogma do livre jogo das forças de mercado, levou, de um lado, a um desperdício enorme de recursos naturais e de vidas humanas (...)."

Como é notório, esses problemas - particularmente os ambientais -, que caracterizam o século passado, ocorreram por causa da dependência quase total dos combustíveis fósseis em todo o mundo, tanto nos países com economia liberal-capitalista (ou neoliberal), como na União Soviética, sob um regime totalmente estatizante durante quase todo o século 20; isto é, não são decorrentes de "teorias liberais".

Apesar dessas limitações, o Plano Brasil 2022 é um documento útil para ser discutido e que pode servir de base para a formulação de planos mais realistas e visões do futuro mais criativas.

PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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