22/07/2010
Eloi Fernández y Fernández e Alfredo Renault
Opinião
A oportunidade do pré-sal requer uma política industrial de horizonte multissetorial e uma lei antidumping rigorosa
A entrada de investimentos vultosos da China na América Latina e particularmente no Brasil exige uma reflexão aprofundada e crítica, sobretudo quando olhares do mundo se voltam para o setor de petróleo e gás brasileiro. O imponente pacote de encomendas de equipamentos a ser demandado pelo pré-sal e por demais projetos na área são atraentes o suficiente para aguçar o gigante chinês.
A ameaça da China surge em um momento em que a indústria brasileira fornecedora de bens e serviços para o setor de petróleo vislumbra um cenário claramente propício à sua definitiva consolidação, com investimentos de curto, médio e longo prazos. A expectativa é de aportes da Petrobras de cerca de US$ 120 bilhões somente para os projetos do pré-sal até 2020, não incluído o montante relativo aos parceiros, que deverá representar 50% desse valor. Nos próximos cinco anos, toda a cadeia de petróleo receberá investimentos de US$ 250 bilhões. Em questão está não apenas o mercado doméstico, como também o processo de internacionalização da indústria fornecedora nacional ainda em curso.
Com a roda da fortuna do setor petróleo girando no Brasil, é inquestionável que a China direcionará munição pesada para assegurar uma fatia expressiva de nosso mercado, repetindo aqui práticas adotadas em outras regiões. Gradualmente, o poderio chinês avança, já tendo conquistado contratos relevantes na prestação de serviço para os segmentos de refino e transporte de petróleo e gás, além de fornecimentos diversos de bens para o restante da cadeia e de participações acionárias na exploração de blocos marítimos e na produção.
Depois da África, o Brasil será, sem dúvida, o principal alvo na busca de recursos minerais. Com demanda crescente por óleo e seus derivados, a China parece ver o Brasil como um agente facilitador de seus problemas. A demonstração mais agressiva foi dada em maio, quando a petroleira estatal Sinochem desembolsou US$ 3 bilhões pela compra de 40% de participação no campo de óleo pesado de Peregrino, na Bacia de Campos.
O investimento chinês no Brasil cresce a passos largos. Em 2007, o aporte de recursos somava US$ 24,3 milhões, saltando para US$ 360 milhões, apenas nos três primeiros meses deste ano. Hoje, a China ocupa o quinto lugar no ranking dos países com maiores investimentos no país.
Trata-se de um concorrente de característica ímpar. A China é um dos maiores exportadores de produtos do planeta, possui milhares de bilhões de dólares em caixa. A associação de uma moeda depreciada a um investimento pesado no setor produtivo, voltado, sobretudo, à demanda externa, garante ao país robustez suficiente para deslocar qualquer indústria promissora de qualquer nação.
No Brasil, os chineses já ocupam hoje o posto de terceiro maior fornecedor externo de máquinas e equipamentos, respondendo por um percentual de 12,2% e devendo desbancar a segunda posição da Alemanha, em breve. De acordo com dados da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), há apenas seis anos, o país asiático detinha a módica fatia de 2,1% do mercado.
O capital (estatal) chinês costuma despertar o fascínio de mercados mundiais promissores com a oferta não só de acesso a crédito, como de bens, serviços e, em alguns casos, mão de obra, subsidiados por um modelo econômico que ignora as melhores práticas de mercado e de regras consolidadas de convivência com o ambiente e com o homem. Diante da concorrência desigual, setores sucumbem, outros veem desmoronar a expectativa de avanço no mercado interno e de internacionalização.
A desproporção entre os modelos de mercado dos dois países é tanta que o custo da matéria-prima no Brasil, em alguns casos, chega a superar o valor final de comercialização no Brasil de certos equipamentos produzidos na China. Com diferenças tão extremas na composição de custo, a justa concorrência só se faz viável se houver um esforço coordenado, envolvendo os mais diversos agentes de governo do Brasil e representantes da indústria.
É necessário musculatura para suportar a pressão. Dar um passo de cada vez. Para garantir o emprego e o crescimento econômico de gerações futuras, é imprescindível à indústria fornecedora nacional ultrapassar a curva de aprendizagem e conquistar sua definitiva consolidação. Não se trata de proteção descabida, mas de cautela para a construção de um futuro mais promissor.
Com o advento do pré-sal, a indústria brasileira terá a chance de fortalecer-se, já que serão asseguradas a ela duas condições fundamentais à sua expansão: escala e continuidade das encomendas. No entanto, o aproveitamento dessa oportunidade requer a elaboração de uma política industrial de horizonte multissetorial e de uma legislação antidumping mais rigorosa. Longe de qualquer reserva de mercado ou protecionismo exagerado, o país depende da adoção de regras justas e transparentes.
A experiência de países como Noruega e Coreia demonstra que o êxito está atrelado ao acesso ao crédito, a uma tributação equilibrada, à utilização de tecnologia de ponta, além de investimentos maciços em educação de qualidade, voltados para a formação de mão de obra qualificada. Dessa forma é possível construir uma política industrial que se utilize das melhores estratégias de indução do desenvolvimento industrial local e, ao mesmo tempo, estimule os investidores a desenvolver políticas de compra local e se fortalecerem como alavancadores de investimentos consistentes e saudáveis.
O Brasil depara-se com o privilégio de garantir as suas próximas gerações a oportunidade da oferta de milhões de postos de trabalho, bem como a capacidade de alavancar um aumento da geração de renda, a formação de novas empresas, fortalecer o capital local e consolidar a ótica do desenvolvimento sustentado, associado e integrado ao processo de desenvolvimento mundial.
Eloi Fernández y Fernández é diretor geral da Organização Nacional da Industria do Petróleo (ONIP) e professor da PUC/Rio
Alfredo Renault é superintendente da ONIP
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