RIO - Se o Brasil hoje é um dos poucos países do mundo com autonomia tecnológica para produzir combustível que usa em suas usinas nucleares, isto se deve, em grande parte, ao trabalho do vice-almirante Othon Pinheiro da Silva, atual presidente da Eletronuclear. A ele cabe enfrentar as pressões de ambientalistas e políticos que chegam a preconizar a paralisação da construção e até funcionamento das usinas atômicas no Brasil, além de um esforço concentrado para levar o país a assinar um protocolo adicional com a Agência Internacional de Energia Atômica, para permitir inspeções que colocam em risco segredos industriais que cercam sua tecnologia exclusiva de enriquecimento de urânio.
Engenheiro naval formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, cursou simultaneamente as especialidades de arquitetura naval e de máquinas, fez mestrado em engenharia mecânica no Instituto de Tecnologia de Massachussets, onde também obteve a graduação em engenharia nuclear.
Pinheiro da Silva fundou e dirigiu o projeto de desenvolvimento do ciclo de combustível para propulsão de submarinos nucleares no Projeto Aramar. No cargo, elaborou o projeto de concepção das ultracentrífugas, que resultou na construção do primeiro reator de pesquisa nacional, driblando um bloqueio tecnológico fervorosamente mantido pelas potências nucleares do planeta.
Nesse quadro, há na Câmara dos Deputados até projeto para que o Brasil simplesmente paralise o funcionamento e construção de usinas nucleares, até que seja concedido licenciamento definitivo pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) abra à inspeção internacional e, mais ultimamente, acusações de que o projeto de Angra III seria obsoleto por não considerar critérios de segurança desenvolvidos após o acidente da usina nuclear de Three Miles Islands, nos Estados Unidos.
Com voz pausada, Pinheiro da Silva diz que boa parte das críticas têm mais a ver com um jogo geopolítico em benefício das potências nucleares do que com preocupações ambientais, e que ignora o fato de que a energia nuclear é complemento indispensável ao suprimento energético do país. Quanto às críticas sobre falta de segurança e obsolescência, ele as inclui numa versão moderna do que o humorista Stanislau Ponte Preta já denominou de Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá) e lembra que a usina de Angra II, por exemplo, no ano passado, destacou-se em grau de confiabilidade, segurança e performance da Associação Mundial de Operadores Nucleares e da Nucleonics Week, conceituada publicação americana especializada em energia nuclear. A seguir, trechos de entrevista que Othon Pinheiro da Silva concedeu ao Jornal do Brasil:
Greenpeace
No processo democrático, as críticas e contraposições são naturais. Mas, honestamente, acho que um certo tipo de crítica tem mais a ver com um jogo geopolítico do que com preocupações ambientais genuínas. Nunca vi o Greenpeace atacando o uso do carvão, porque eles são sustentados pelo lobby do carvão, que é altamente poluente e fonte de 47% da energia produzida no mundo. Nunca vi uma passeata deles contra a poluição da Baía de Guanabara. Mas já mandaram navios desfilar diante da usina Angra I.
Soberania
O Brasil permite inspeção de todas as suas instalações nucleares e declara todas elas. Não há necessidade de se assinar qualquer protocolo adicional, porque isto significar a possibilidade de ser inspecionada qualquer coisa, a qualquer momento, no território nacional. É um absurdo. Quem tem bomba quer inspecionar qualquer coisa, mesmo que não seja nuclear. Isto contraria o preceito básico de nossa Constituição, de que o Brasil é um Estado democrático e soberano.
Segredo industrial
Não é interessante mostrar nossas centrífugas, porque esta é uma tecnologia exclusiva. O importante, no plano internacional, é mostrar a quantidade de urânio enriquecido que se produz. Isto é feito hoje com rigor de miligrama. Mas a máquina é um segredo tecnológico. Coca-Cola todo o mundo bebe, mas ninguém sabe a composição do xarope básico para sua produção. É uma prática industrial comum. As centrífugas são cobertas por um biombo. Não temos nada a esconder, somos um país pacífico. Mas também temos que prezar por nosso patrimônio. Até um determinado momento, não tínhamos assinado o tratado que nos obrigaria a mostrar como obtínhamos o urânio enriquecido. Depois assinamos, mas nossas centrífugas partem de um conceito diferente, são muito boas, mas não é interessante mostrá-las, porque esta é uma tecnologia exclusiva.
Complemento básico
Depois da água, o combustível mais barato para gerar energia é o urânio, e o país sempre vai precisar de mais energia para sustentar o crescimento que tem. Aqui, nossa principal fonte de energia é hidrelétrica. A nuclear é complementar, mas um complementar indispensável.
Problemas ambientais
No aspecto ambiental, a energia nuclear tem dois aspectos: não contribui para o aquecimento global e não nos força a conviver com rejeito nuclear. Convivemos e sentimos os efeitos de todos os outros. O rejeito nuclear é até mais gravoso. Mas ele fica estocado, separado, enquanto suportamos diariamente fumaça e gases tóxicos dos carros, e os organoclorados (substância tóxica) que jogam em nossos alimentos
Segurança
As usinas nucleares brasileiras não são obsoletas. Existem mais de 400 centrais nucleares operando no mundo. Angra II, no ranking de operação, segurança e desempenho está em 14º lugar, à frente de todas as centrais alemãs, por exemplo. Angra III é irmã gêmea de Angra II. A diferença é que o sistema de instrumentação e controle é bem mais moderno. Como os alemães não entregaram esses componentes, que eram mais leves e eles, por incrível que pareça, faturavam por peso, agora os equipamentos que chegaram são justamente da parte que teve uma evolução tecnológica maior, e que vai ser usada em Angra III.
Histórico
No governo Geisel, foi feito o acordo com a Alemanha e o Brasil exigiu que além das centrais, fosse fornecida a tecnologia dos ciclos. O sistema vendido pelos alemães, chamado jet nozzle, não funcionou. Mas então, nós brasileiros com esforço próprio, desenvolvemos a tecnologia de enriquecimento para integrar o trabalho de diversas instituições de pesquisa existentes no país num projeto nacional. Com isso, superamos o problema da ausência de verba. O trabalho começou em 1979, e em setembro de 1982 tivemos êxito no enriquecimento de urânio no projeto Aramar, com a primeira centrífuga produzida no país por brasileiros.
Recompensa
No mundo, só há três países com reserva de urânio e tecnologia de ciclo de combustível, que são Estados Unidos, Rússia e Brasil. Os outros, ou têm a tecnologia ou têm reserva. Então, o esforço valeu a pena. Hoje, o Brasil tem mais de mil centrífugas operando na Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
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