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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da Guerra total à guerra sem limites

Da Guerra total à guerra sem limites
O GLOBO, 18.08.2007

O conceito de "Guerra total" estrutura-se no século XIX, quando o general Sherman, na Guerra Civil Americana (1861-65), ataca indistintamente alvos civis e militares, destruindo casas, campos agricolas, indústrias e bens particulares. Ao mesmo tempo, utilizou-se dos novos meios disponíveis da Revolução Industrial Americana para superar os Confederados, culminando no Incendio de Atlanta e na "Grande Marcha para o Mar". Estratégias similiares foram utilizadas na Guerra da Criméia (1853-56), na Guerra Franco-Prussiana (1870-71), na Guerra dos Bôeres (1900-02). Na primeira Guerra Mundial (1914-18), o conceito de 'guerra total' passaria a desempenhar papel central.
O General Luddendorf, no Estado-Maior alemão, adotou tal estratégia, resultando no uso de gases venenosos, ataques maciços contra cidades e a guerra submarina irrestrita (atingindo navios cargueiros e de passageiros). Nesse momento, os progressos tecnológicos constituiriam um setor próprio da preparação bélica, ampliando a letalidade da guerra moderna.
A segunda Guerra (1939-45) viu a tecnologia - transportes, com a aviação; rádio e radar; o poder nuclear; a gestão fordista do abastecimento e da produção bélica - servir-lhe diretamente. Travou-se, no conjunto, todo tipo de guerra. Houve desde guerrilhas na ex-Iuguslávia ou Rússia, guerra química (japoneses contra chineses), até o ataque nuclear contra Hiroshima e Nagasaki, e o Holocausto com a sua gestão altamente tecnológica.
A indistinção entre alvos civis e militares tornou-se corrente: uma fábrica ou um entroncamento rodoferroviário é uma planta civil ou militar? Quando trens transportam tropas ou fábricas de tecidos produzem material para fardamentos, muitos estrategistas alegam tratar-se de legítimos alvos militares - mesmo atingindo centenas de civis. O mesmo ocorre com meios de comunicação. A TV e as rádios iraquianas em 1991, na primeira Guerra do Iraque, foram alvos iniciais da coligação da ONU, e a TV nacional da Sérvia, na Guerra do Kosovo, em 1999, foi atacada pelos EUA, morrendo vários jornalistas sob a acusação de propaganda pró-governo...
A Guerra do Iraque, de 1991, e a do Kosovo, em 1999, geraram imensas preocupações no âmbito do pensamento militar. Os estrategistas passaram a temer o chamado "excedente" de poder dos EUA. Buscou-se uma forma de dissuadir ações bélicas americanas, mesmo com recursos inferiores aos acumulados pelos EUA. Assim, dois estrategistas chineses, os coronéis Qiao Liang e Wang Xiangsul, publicaram o livro "Guerra Sem Limites" (publicação eletrõnica da Escola de Guerra Naval, Rio, 2003). Trata-se da aplicação de uma nova noção de "guerra nas condições de alta tecnologia".
Estratégia Revolucionária em seus preceitos que abandonaram as noções de guerra de massas e de caráter classista, típicas do maoismo, para pensar a guerra "como a sintese das técnicas e da mundialização", e centrar a ênfase na dominância das ações "não-guerreiras" - como uso dos meios econômicos, computacionais, psicológicos. Da mesma forma, a condução da guerra pode e deve, segundo eles, "ultrapassar todas as fronteiras e limites", incluindo-se aí a indistinção entre civis e militares - mesmo no tocante a médicos, jornalistas ou diplomatas. Na nova estratégia, "todos os meios serão disponíveis, a informação será geral e o campo de batalha será difuso". Não se trata de retorno às formas de guerra irregular, como as guerrilhas. Agora, a ênfase é na alta tecnologia, incluindo hackers e a manipulação do fluxo de capitais, disseminação de zoonoses e de epidemias.
Desde então, a noção de "guerra assimétrica" - a guerra do mais forte contra o mais fraco - passa a estar inteiramente assimilada no conceito de "guerra sem limites". A guerra do mais fraco será, no século XXI, sempre irrestrita, utilizando-se de meios não convencionais. Evidentemente, isto explica o temor de grandes potências acerca das chamadas armas de destruição "em massa". Porém, armas podem ser construídas a partir da tecnologia disponível no cotidiano dos países mais avançados.
O uso de tecnologias domésticas (laptops, celulares, aparelhos de radiologia médica, GPS) passam a desempenhar um papel central nesta nova e cruel forma de estratégia de guerra. Sequestros e execuções, com transmissão garantida pela Internet, levam a guerra ao coração dos países mais poderosos, servindo simultaneamente para dissuadir empresas a se instalarem num país conflitado e desencorajar suas populações a apoiar as ações militares dos governos. Nestas novas condições de Guerra, todos são alvos potenciais.
Hoje, o Iraque é o seu grande laboratório

Francisco Carlos Teixeira da Silva é professor da UFRJ e autor da "Enciclopédia de Guerras e Revoluções do século XX".

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