O homem acredita que pode governar o mundo. Mas quem o governa são, na realidade, as alterações climáticas e geofísicas. Uma rápida inspeção da história através dos séculos é suficiente para mostrar como são notáveis as relações entre os eventos culturais, políticos, econômicos e a meteorologia.
O próprio desenvolvimento do processo civilizatório do homem pré-histórico sofreu sua grande eclosão entre 10 mil e 12 mil anos atrás, no fim da última grande era glacial. Foi sem dúvida a suavidade do clima que favoreceu a produção agrícola e permitiu melhor alimentar os indivíduos. Naquela ocasião, os homens deixaram suas cavernas, começaram a construir suas aldeias, desenvolveram a agricultura e progressivamente se iniciaram as técnicas metalúrgicas.
A idade do bronze sucedeu à idade da pedra. Deste então, o processo de desenvolvimento do homem foi muito rápido, quase explosivo. O caminho percorrido pela humanidade nos últimos 5 mil anos foi imenso, quase monstruosamente gigantesco comparado com o que se passou nos últimos 500 mil anos.
Uma prova desta influência do clima pode se encontrar na própria história da França. O reino de Luís XIV – atualmente homenageado com uma belíssima exposição no Castelo de Versalhes, de outubro/2009 a 7/02/2010 – foi glorioso por ter coincidido com o período de 1630 a 1685, quando o tempo foi particularmente suave no plano meteorológico. Todavia, a partir de 1685, o céu se tornou menos favorável. O ano 1709 foi particularmente desfavorável, com um inverno muito rigoroso (temperaturas de 22 graus negativos) e inundações catastróficas. Gradualmente, as festas na Corte começaram a rarear para finalmente cessarem. Estas calamidades se sucederam durante todo o século 18, provocando colheitas desastrosas. O descontentamento popular foi crescendo ao longo dos anos até eclodir, em 1789, a Revolução Francesa.
Em face da ausência de um documentário-testemunho sobre o ano da Revolução Francesa, o escritor e historiador suíço Jean Starobinski (*1920), em 1789: Les emblèmes de la raison (1973) procurou reunir manifestações culturais de escritores, pintores, músicos, cientistas e outros, que, interligados, permitissem melhor compreender e/ou reconstruir o panorama cultural que caracterizou a segunda metade do século 18.
Este ensaio starobinskiano evoca figuras como Tiepolo, Lagrange, Laplace, Mozart, Sade, Rousseau, Goya e Bernardin de Saint-Pierre. Focalizando estes dois últimos, Starobinski discorre sobre a situação climática que antecedeu a crise ocorrida 200 anos atrás, não como um fator determinante mas como um simbolismo da época. Para isso, recorreu à tela O inverno, de Francisco de Goya (1746-1828), e a um relato de Bernardin de Saint-Pierre:
“No dia 1º de maio deste ano de 1789, ao nascer do sol, desci para o meu jardim, para ver o estado em que se encontrava depois daquele terrível inverno em que o termômetro baixou, no dia 21 de dezembro, a 19 graus abaixo de zero. A caminho, pensava no granizo desastroso de 13 de julho, que atravessava todo o reino. Lá entrando, não vi mais repolhos, nem alcachofras, nem jasmins brancos, nem narcisos; quase todos os meus cravos e meus jacintos haviam perecido; minhas figueiras estavam mortas, assim como meus viburnos, que costumavam florir no mês de janeiro. Quanto às minhas jovens heras, estavam quase todas com os galhos secos e com a folhagem cor de ferrugem”.
Convém lembrar que o frio que tem desempenhado um papel essencial nas campanhas militares, em particular na Rússia, parece estar associado a dois movimentos sociais franceses. De fato, as crises políticas de 1789 e 1830 sucederam-se a invernos extremamente rigorosos.
Pelo menos no caso da Revolução Francesa, as condições meteorológicas de 1788 e 1789 não estão totalmente dissociadas dos acontecimentos que se iniciaram em 14 de julho. De início, na primavera de 1788, ocorreu uma seca que produziu uma colheita deficitária. Depois, veio o inverno de 1788-89. Em Paris, a temperatura média de dezembro foi de 6,8 graus centígrados abaixo de zero. Em 31 de dezembro, o termômetro atingiu temperatura de 21,8 graus abaixo de zero no Observatório de Paris. O gelo obstruiu os portos franceses. Registraram-se 86 dias de gelo durante o inverno parisiense – um autêntico recorde – de novembro de 1788 a março de 1789. O Rio Sena esteve congelado até o Havre, impedindo o seu uso. Nas províncias não sucedeu nada melhor: o porto de Marselha esteve coberto de gelo, o Ródano congelou de 27 de dezembro a 13 de janeiro. O mesmo ocorreu no Elba, Reno, Danúbio, Loire, Garona etc.
O preço da lenha para fogões e para o aquecimento subiu 91%. O preço do trigo em 1789 sofreu uma elevação de 150% e o do centeio subiu 165%. O dia 14 de julho de 1789, aliás, coincidiu com o ponto culminante das altas dos preços, na França, em todo o século 18.
As condições do tempo também foram uma das possíveis causas da insurreição de 27-29 de julho de 1830, chamada a dos três gloriosos, por ter durado três dias, após o que se obteve a abdicação de Carlos X. Convém notar que em um século, de 1750 a 1850, os invernos mais rigorosos foram os de 1788-89 e 1829-30. Assim, em dezembro de 1929 a temperatura média em Paris desceu a 3,5 graus abaixo de zero. A temperatura mínima absoluta foi de 17,2 graus abaixo de zero, em janeiro de 1830.
Não podemos afirmar que as condições meteorológicas determinem a eclosão de conflitos sociais, mas na realidade contribuem para essas ocorrências, principalmente quando associadas a fatores político-econômicos.
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é astrônomo.
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