O britânico Eric Hobsbawm, considerado um dos historiadores mais influentes do século 20, disse à BBC nesta terça-feira que o maior perigo da atual crise financeira mundial é o fortalecimento da direita. “A esquerda está virtualmente ausente. Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita”, disse Hobsbawn, em entrevista à Rádio 4. O historiador marxista comparou o atual momento “ao dramático colapso da União Soviética” e ao fim de “uma era específica”.
“Agora sabemos que estamos no fim de uma era e não se sabe o que virá pela frente.”
Hobsbawn diz não acreditar que a linguagem marxista, que lhe serviu de norte ao longo de toda sua carreira, será proeminente politicamente, mas intelectualmente, “a análise marxista sobre a forma com a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante”. Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Muitos consideram o que está acontecendo como uma volta ao estadismo e até do socialismo. O senhor concorda?
Bem, certamente estamos vivendo a crise mais grave do capitalismo desde a década de 30. Lembro-me de um título recente do Financial Times que dizia: “O capitalismo em convulsão.” Há muito tempo não lia um título como esse no FT. Agora, acredito que esta crise está sendo mais dramática por causa dos mais de 30 anos de uma certa ideologia “teológica” do livre mercado, que todos os governos do Ocidente seguiram. Porque como Marx, Engels e Schumpter previram, a globalização – que está implícita no capitalismo –, não apenas destrói uma herança de tradição como também é incrivelmente instável: opera por meio de uma série de crises. E o que está acontecendo agora está sendo reconhecido como o fim de uma era específica. Sem dúvida, a partir de agora falaremos mais de (John Maynard) Keynes e menos de (Milton) Friedman e (Friedrich) Hayek. Todos concordam que, de uma forma ou de outra, o Estado terá um papel maior na economia daqui por diante.
Qualquer que seja o papel que os governos venham a assumir, será um empreendimento público de ação e iniciativa, que será algo que orientará, organizará e dirigirá também a economia privada. Será muito mais uma economia mista do que tem sido até agora. ...
O senhor ... estava na Alemanha quando Adolf Hitler chegou ao poder. O senhor acredita que algo parecido poderia acontecer como conseqüência dos problemas atuais?
Nos anos 30, o claro efeito político da Grande Depressão a curto prazo foi o fortalecimento da direita. A esquerda não foi forte até a chegada da guerra. Então, eu acredito que este é o principal perigo. Depois da guerra, a esquerda esteve presente em várias partes da Europa, inclusive na Inglaterra, com o Partido Trabalhista, mas hoje isso já não acontece. A esquerda está virtualmente ausente, Assim, me parece que o principal beneficiário deste descontentamento atual, com uma possível exceção – pelo menos eu espero – nos Estados Unidos, será a direita.
O que vemos agora não é o equivalente à queda da União Soviética para a direita? Os desafios intelectuais que isto implica para o capitalismo e o livre mercado são tão profundos como os desafios enfrentados pela direita em 1989?
Sim, concordo. Acredito que esta crise é equivalente ao dramático colapso da União Soviética. Agora sabemos que acabou uma era. Não sabemos o que virá pela frente. Temos um problema intelectual: estávamos acostumados a pensar até então que havia apenas duas alternativas: ou o livre mercado ou o socialismo. Mas, na realidade, há muito poucos exemplos de um caso completo de laboratório de cada uma dessas ideologias. Então eu acho que teremos de deixar de pensar em uma ou em outra e devemos pensar na natureza da mescla. E principalmente até que ponto esta mistura será motivada pela consciência do modelo socialista e das conseqüências sociais do que está acontecendo.
O senhor acredita que regressaremos à linguagem do marxismo?
Desde a crise dos anos 90, são os homens de negócio que começaram a falar assim: “Bem, Marx predisse esta globalização e podemos pensar que este capitalismo está fundamentado em uma série de crises.” Não acredito que a linguagem marxista será proeminente politicamente, mas intelectualmente a natureza da análise marxista sobre a forma com a qual o capitalismo opera será verdadeiramente importante. ...
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