O vai e vem globalizado do lixo
A demanda por materiais recicláveis e a necessidade de os países ricos descartar seus resíduos transformam sucata em produto de importação e exportação
André Julião
Chegamos a um momento da história em que a preocupação crescente com o destino do lixo, principalmente nos países ricos, coincide com o fato de que muitas nações precisam dele para suas indústrias – no caso, materiais recicláveis como plástico, aparelhos eletrônicos aposentados e mesmo pneus usados. A questão não seria um problema se tudo o que chegasse a uma cidade da China, por exemplo, fosse totalmente reciclável ou não acabasse sendo manipulado por mulheres e crianças sem nenhuma proteção contra produtos tóxicos como os presentes em componentes de computador. O que deveria ser exceção, porém, é normalmente a regra nesses casos.
O transporte de material reciclável é usado como disfarce para cometer crimes ambientais. Lixo doméstico, hospitalar e tóxico chega a países pobres sem nenhum tratamento e acaba despejado em locais inadequados. Esse comércio ilegal ficou evidente para os brasileiros em junho do ano passado, quando 89 contêineres chegaram aos portos de Santos (SP) e do Rio Grande (RS). O conteúdo, cuja documentação dizia se tratar de plástico, na verdade, era constituído de fraldas sujas a computadores velhos.
Os responsáveis foram multados e o material teve de voltar para a Inglaterra, que o havia exportado. Normalmente, porém, não é isso o que acontece. “Em geral, quando uma carga dessas é presa, há uma briga entre os envolvidos e quem tem de resolver a situação é o poder público”, diz Marcelo Furtado, diretor-executivo do Greenpeace Brasil. Ele lembra que desde 1995 o transporte de lixo tóxico entre países é proibido, como ficou determinado pela Convenção de Basileia.
Mas o mercado de resíduos não inclui apenas lixo. E o Brasil também se beneficia dele. Só em 2009, o País importou quase 60 mil toneladas de sucata de alumínio, a maior parte em forma de latas de bebida. Os números ficam ainda mais significativos quando se leva em conta que mais de 90% do alumínio produzido aqui é depois reciclado, o que já fez da nossa nação campeã mundial de reciclagem de latinhas por oito vezes consecutivas. “Essa indústria não depende de subsídios, ela se autorremunera. Somos uma referência inclusive para outros setores”, diz Henio De Nicola, coordenador da comissão de reciclagem da Associação Brasileira do Alumínio (Abal).
O mesmo não acontece com o PET, usado para fazer garrafas de refrigerante. Embora a marca de 55% de reciclagem seja considerada exemplar, a indústria precisa de mais. “Há fábricas paradas por falta de material”, afirma Auri Marçon, presidente da Associação Brasileira da Indústria do PET. Ele diz que muitas embalagens de refrigerante, e mesmo de fungicidas agrícolas, chegam ao Brasil como se fossem aparas de plástico – como aconteceu com o lixo inglês apreendido –, o que é proibido. “Só deveria haver importação de material reciclável quando a questão ambiental estivesse equacionada”, defende.
Um projeto de lei no Senado pretende regular agora o mercado de vidros automotivos. A nova regra vai obrigar os fabricantes a recolher e reciclar a mercadoria. Atualmente, entre 15% e 40% do vidro nacional é reciclado. Outro incentivo para todo o setor é uma medida provisória que está em processo de regulamentação. Ela vai dar descontos no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) às empresas do ramo.
Nenhuma lei, contudo, é mais completa do que a que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, já aprovada pela Câmara e em discussão no Senado. Um dos principais méritos da proposta é o que diz respeito à responsabilidade compartilhada. Segundo esse princípio, a destinação do lixo reciclável envolve três atores: a população, que deve separar os resíduos em casa, o poder público, responsável pela coleta seletiva, e as empresas, a quem cabe sua destinação adequada – entre elas a reciclagem. Com essa ação conjunta, aí sim, será possível explorar todo potencial dessa matéria-prima tão abundante.
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