A era dos golpes militares na Turquia parece ter ficado no passado depois do desmantelamento de uma suposta conspiração envolvendo oficiais do Exército que foram presos nas últimas semanas. A ação acontece um ano depois de as Forças Armadas terem fracassado na tentativa de banir da política o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco). Ao mesmo tempo, alguns questionam se o enfraquecimento dos generais não significa, na verdade, o fim da república laica instalada em 1923 por Mustafá Kemal Ataturk, depois do colapso do Império Otomano, no fim da 1ª. Guerra.
Analistas afirmam não haver mais espaço para os militares derrubarem governos quando se considerarem insatisfeitos, como ocorreu uma série de vezes no passado, sendo a última em 1997. "Ainda é cedo para dizer se as prisões solidificarão as atitudes dos oficiais mais radicais ou se a era dos golpes acabou", afirmou em análise Henri Barkey, do Carnegie Institute for International Peace, em Washington. "Todos os sinais apontam para a segunda opção."
Para Mumtazer Turkone, analista do diário Today''s Zaman, de Istambul, os militares perderam a sua força decisiva na política. "Mas os militares não terão a capacidade de derrubar um governo no futuro? Sim, eles ainda têm a capacidade", diz, mas seriam necessários "oficiais loucos". "Ainda que existam alguns, os normais não permitirão uma aventura dessa."
A sociedade turca se divide atualmente em dois grupos. O primeiro, que apoia o governo, é composto por uma classe média emergente de muçulmanos mais conservadores, que inclui o premiê Recep Tayyip Erdogan e o presidente Abdullag Gul. Ambos são do AKP e religiosos, com suas mulheres cobrindo a cabeça com o hijab. Também integram essa coalizão intelectuais liberais e as camadas mais baixas da população, do interior, que foram favorecidas com o crescimento econômico dos últimos anos ? interrompido depois da crise financeira internacional.
Do outro lado, estão as Forças Armadas e a burocracia do Estado que eram a base de sustentação tradicional dos seguidores de Ataturk, que secularizou o país, adotando inclusive o alfabeto latino para substituir o árabe e proibindo o uso de hijab em universidades e instituições públicas.
ELITE
Entre os dois lados, está a elite ocidentalizada de Istambul. Eles admiram os avanços econômicos de Erdogan e as suas iniciativas para integrar a União Europeia. Tampouco concordam com os métodos não-democráticos do Exército. Ao mesmo tempo, os sofisticados moradores de bairros como Nisantasi têm arrepios quando veem mulheres cobertas circulando pelas lojas e restaurantes desta espécie de Jardins de Istambul.
Mustafá Akyol, do diário turco Hurryet, disse em artigo que "o Exército, como em muitas outras instituições, possui uma ala mais radical, mas a maioria de seus membros é moderada". Para Akyol, nenhum deles é fã da irtica (palavra usada para explicar o atraso dos religiosos muçulmanos na avaliação deles, como cobrir a cabeça). "Mas os moderados farão o possível para salvar o país e afastar os radicais", acrescenta.
Desta forma, hoje, as próprias Forças Armadas demonstram vontade de se reformar, eliminando o passado golpista, em uma forma similar como o que ocorreu em países da América Latina, como o Chile. O pensamento destes oficiais, aos poucos, se aproxima do da elite ocidental de Istambul, tendo como problema apenas o caráter religioso do AKP, que tenta exibir uma imagem mais próxima do Partido Democrata Cristão, da Alemanha do que do Hamas palestino ou da argelina Frente Islâmica de Salvação.
O partido de Erdogan se assemelha em alguns pontos ao PT, adotando uma política econômica conservadora, mas buscando uma política externa independente dos EUA.
Como o Brasil, pretende votar contra uma resolução com novas sanções ao Irã no Conselho de Segurança da ONU. O único ponto de concordância total do AKP com a ala mais radical dos militares se refere ao genocídio armênio ? todos negam que tenha ocorrido e dizem que as mortes foram consequência da guerra.
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