Rubens Barbosa
Nunca houve na História deste país um momento em que a politização das decisões nas negociações comerciais externas tenha sido tão intensa, influenciada pelo Itamaraty e a reboque da política externa brasileira. A politização das decisões nas negociações comerciais, contudo, não é uma excentricidade brasileira.
Até o começo dos anos 1960, por mais de uma década o Departamento de Estado, o equivalente do Itamaraty nos EUA, foi responsável pela condução das negociações relacionadas com comércio exterior e investimentos e pelo acompanhamento dos acordos comerciais.
Em 1962, por razões de política externa, o presidente Kennedy pediu ao Congresso a redução das barreiras tarifárias no comércio com a Europa, em rápido processo de integração econômica. Como era de esperar, houve forte reação não só do setor produtivo e exportador, como também do Congresso, em vista da prevalência de considerações de natureza política, e não do estrito interesse comercial.
Nos EUA, ao contrário de outros países, inclusive o Brasil, a competência para legislar sobre comércio exterior é do Congresso, e não do Executivo. Esse fato deriva de circunstâncias históricas relacionadas com a criação do Estado norte-americano, em função de certos compromissos comuns, aceitos pelos 13 Estados independentes, inscritos na Constituição de Filadélfia, em 1787.
Dessa forma, contra a vontade do Executivo, na época presidido por John Kennedy, o Congresso aprovou o Trade Expansion Act, de 1962, determinando que o presidente nomeasse um representante especial que conduzisse as negociações comerciais, de modo não politizado e sem a influência do Departamento de Estado. O Departamento de Estado não foi afastado dos entendimentos, mas a legislação refletiu claramente o interesse do Congresso em obter um equilíbrio mais adequado entre interesses domésticos e internacionais na formulação e na execução da política de comércio exterior. Pela legislação então aprovada, o representante comercial deveria presidir um novo colegiado interministerial que se ocuparia de comércio exterior em tempo integral e faria recomendações no tocante às negociações comerciais.
Em 1963, esse representante comercial ganhou mais peso e acabou vinculado à Presidência da República, ganhando status ministerial, com a criação do USTR. A partir da Rodada Kennedy do Gatt, a negociação comercial multilateral, regional e bilateral passou a ser conduzida pela Representação Comercial. Sucessivas modificações, ao longo dos últimos 40 anos, definiram a competência do órgão, que conta hoje com cerca de 200 funcionários e coordena 17 Ministérios e agências governamentais.
Legislação mais recente, de 1984, atribuiu ao USTR responsabilidades adicionais para formular e coordenar a execução de políticas relacionadas com o comércio de serviços, a coordenação de políticas comerciais com outros Ministérios e para atuar como o principal porta-voz para a política de comércio internacional. Além disso, o USTR é o responsável perante o presidente e o Congresso pela gestão dos acordos comerciais e pela formulação de propostas sobre barreiras não-tarifárias e outras matérias relacionadas com acordos comerciais. Cabe-lhe também presidir o conselho interministerial que propõe medidas ao presidente na formulação e na execução da política comercial. É ainda o principal assessor do presidente para a coordenação dos interesses de outras áreas do governo nas negociações internacionais de comércio e de investimentos.
O exemplo dos EUA, pelo pragmatismo das respostas dadas às distorções que existiam no processo decisório, é relevante quando se examina essa questão no Brasil.
A queda de mais de 20% no comércio exterior brasileiro em 2009 não pode ser atribuída apenas à recessão internacional e à desaceleração do consumo de produtos brasileiros nos mercados. A falta de uma política voltada para o comércio exterior talvez seja a causa principal.
Ao contrário de muitos países, no Brasil não há um ponto focal para a defesa dos interesses do setor exportador, que se ressente da falta de um comando unificado e de um processo de coordenação mais efetivo entre os diferentes Ministérios.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex), que seria o órgão competente para discutir e aprovar recomendação ao presidente para uma política que envolva todo o governo e seja executada de forma coordenada, não tem força política para propor, muito menos para administrar ações concretas de apoio ao setor. Não se trata de falta de competência ou de capacitação do órgão para a tarefa, mas sim de ausência de vontade política do Executivo para reformar o processo decisório, como foi feito nos EUA.
As metas fixadas pelo governo não estão sendo alcançadas e o Brasil está perdendo mercado no contexto global do comércio exterior, voltando a ser responsável apenas por 1% do total das trocas internacionais. Por considerações políticas, as negociações de acordos comerciais ficaram paralisadas nos últimos oito anos.
Será importante que o setor de comércio exterior se manifeste publicamente a favor de mudanças profundas no processo decisório, para fortalecer a Camex. A existência de um comando unificado com efetivo poder de coordenação, pela criação da presidência da Camex, em nível ministerial, separada do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e subordinada diretamente ao presidente da República, poderia ser uma alternativa.
A campanha presidencial oferece uma ampla possibilidade para o engajamento direto dos candidatos nessa questão. Tendo em vista os interesses burocráticos envolvidos, somente a participação direta e a vontade política do presidente eleito poderão, em início de mandato, ter a força e a liderança necessária para uma reforma dessa natureza.
Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
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