Um dos maiores palestrantes do mundo empresarial diz que viver conectado é prejudicial a nosso cérebro
Alexandre Mansur
Para Nicholas Carr, um dos palestrantes mais valorizados do mundo dos negócios, a dependência da troca de informações pela internet está empobrecendo nossa cultura. Mais ainda: nosso intelecto, ao se acostumar aos múltiplos estímulos das redes sociais, aos e-mails e aos comunicadores instantâneos, perde a capacidade de raciocínios elaborados. Autor de um famoso artigo cujo título resume o conteúdo – “O Google está nos tornando mais estúpidos?” – , Carr está preparando um livro de nome igualmente provocativo – numa tradução literal, O raso: o que a internet está fazendo com nosso cérebro. Ele falou a ÉPOCA durante uma visita ao Brasil para uma palestra a 4.500 líderes empresariais, num dos maiores eventos para executivos do país.
Nicholas Carr
QUEM É
Americano, 50 anos, é formado em Harvard e autor de livros de tecnologia e administração, é membro do conselho editorial da Enciclopédia Britânica
O QUE FEZ
Ficou famoso pela crítica à qualidade de “obras abertas” da internet, como a Wikipédia, e por artigos em que afirma que as empresas deveriam terceirizar o investimento em tecnologia da informação
ÉPOCA – A internet afeta a inteligência?
Nicholas Carr – Você fica pulando de um site para o outro. Recebe várias mensagens ao mesmo tempo. É chamado pelo Twitter, pelo Facebook ou pelo Messenger. Isso desenvolve um novo tipo de intelecto, mais adaptado a lidar com as múltiplas funções simultâneas, mas que está perdendo a capacidade de se concentrar, ler atentamente ou pensar com profundidade. Isso é um resultado da dependência crescente em relação à internet. Essa forma de pensar vai reduzir nossa habilidade para pensar contemplativamente. Ela prejudica nossa cabeça.
ÉPOCA – Quais seriam as consequências?
Carr – A riqueza de nossa cultura não é apenas quanta informação você consegue juntar. Ela tem a ver com os indivíduos pensando profundamente sobre a informação, refletindo sobre ela, avaliando pessoalmente os dados que recebe e não se deixando passivamente bombardear por vários estímulos. Estamos perdendo isso agora. Toda a cultura fica mais rasa. Temos acesso democrático à informação, mas o resultado é mais pobre. Temos menos condições de compreender as grandes obras da arte, da ciência ou da literatura, que exigem uma concentração mais profunda.
ÉPOCA – As pessoas deveriam ficar desconectadas de vez em quando?
Carr – Sim. Deveríamos desconfiar da internet. É claro que conseguir bastante informação útil é parte de nossa vida moderna. Mas precisamos encorajar continuamente o outro lado, que é a aquisição calma e contemplativa do conhecimento. Isso exige ficar fora do fluxo contínuo de informação. Só não sei se isso será possível porque nossa vida social está cada vez mais dependente de quão conectados estamos. Seu grupo de amigos está embrulhado em redes sociais na internet. Você precisa da internet para executar seu trabalho. Não para de olhar para seu BlackBerry. Não é mole se desligar disso tudo.
ÉPOCA – A filosofia grega foi construída em cima de debates. O pensamento de Platão são conversas com seus discípulos. Por que não daria para erigir conhecimento a partir da interação com os outros?
Carr – Nos Diálogos de Platão, temos duas pessoas dedicadas a uma conversa atenta sobre determinado tema. Se você entra on-line, encontra dezenas de pessoas trocando mensagens de texto, vendo e-mails, escrevendo no Twitter e pulando de uma página para outra. A troca de informação ocorre com interrupções o tempo todo. Sócrates sentava-se embaixo de uma árvore e pensava longamente enquanto conversava com seus discípulos. É muito diferente do que fazemos agora.
ÉPOCA – Uma das maiores lojas on-line, a Amazon, vende livros. As pessoas baixam livros no Kindle. Até o senhor vende livros. Isso não significa que as pessoas ainda leem textos extensos?
Carr – É verdade que as pessoas ainda lerão livros por muito tempo. Mas o porcentual de tempo dedicado à mídia impressa vem caindo. A média americana é de um livro por dia, o que ainda é muito bom. Só que o ato de ler uma página após a outra fica cada vez mais difícil à medida que você se adapta à comunicação da internet. Eu mesmo sinto isso. Antes eu me sentava e lia por horas. Agora, fico pensando se devia conferir meu e-mail ou acho ruim não encontrar hiperlinks no texto.
“AS CRIANÇAS NÃO DEVEM MEXER EM COMPUTADORES DE JEITO NENHUM. OS PAIS DEVEM DEIXAR OS FILHOS AO MÁXIMO LONGE DAS TELAS”
ÉPOCA – Essa habilidade para múltiplas tarefas e para administrar várias informações simultâneas não nos dá, em compensação, maior capacidade para criar novas ideias?
Carr – Certamente temos maior capacidade para encontrar informação ou relacionar uma com a outra. Mas dependemos cada vez mais de conexões externas. Você estabelece uma relação porque clicou em um hiperlink que alguém deixou lá. Já construir as próprias relações entre um fato e outro exige um tempo de reflexão própria, que não estamos tendo.
ÉPOCA – Essa visão negativa da internet não é apenas o medo da mudança?
Carr – Não há dúvida que, toda vez que uma tecnologia nova aparece, algumas pessoas imaginam que tudo vai desmoronar. Sim. É preciso ter essa visão cética. Por outro lado, também devemos desconfiar quando ouvimos alguém glorificando as novas tecnologias e prometendo uma nova utopia. Recomendo que as pessoas não sigam o que eu digo cegamente. Mas que examinem o próprio comportamento. Testem em si mesmos o que estou dizendo.
ÉPOCA – Os cursos on-line vão revolucionar a educação?
Carr – Existe empolgação em torno dos cursos on-line porque parecem cortar os custos. Um professor poderia dar aula para milhares de alunos, em vez de apenas uma turma de algumas dezenas. Mas não acho que a educação on-line vá substituir a tradicional. Ela pode funcionar como complemento para o professor ter um material de apoio na sala de aula ou para o aluno reforçar em casa o que aprendeu na escola. Outra utilidade dos cursos on- -line é a formação técnica profissional em casos específicos. Existe um aspecto importante na educação, que é juntar os alunos fisicamente para conviver e trocar experiências. Isso vai além de apenas assistir a uma aula. Tem a ver com o lado comunitário da educação, que se perderia se passarmos tudo para o computador.
ÉPOCA – Como a tecnologia pode beneficiar a educação?
Carr – Por um lado, o que estamos vendo é que muitas escolas, especialmente universidades, começam a oferecer material on-line de seus cursos, inclusive algumas aulas. Isso é bom. Permite que gente de fora da universidade tenha acesso à informação de ponta e aulas de grandes pensadores. O perigo para as grandes universidades é que os alunos possam ter a ilusão de que terão acesso ao conhecimento apenas sentados diante de um computador. Aí o que acontece é que a eficiência de fornecer material on-line começa a capturar os investimentos financeiros, que deveriam ir para as universidades e escolas. Se um professor dá aula para milhões de alunos, quem vai pagar o salário dos outros?
ÉPOCA – Como atrair a atenção dos jovens que estão ligados nas redes de relacionamento e nos jogos da internet para a educação “formal”?
Carr – Naturalmente, não há como fazer isso. Nossa dependência dos serviços de internet não está mudando apenas nossos relacionamentos e nosso acesso ao conhecimento, mas também a forma como nossa mente funciona. Não é só entre os jovens, mas gente de todas as idades usa cada vez mais a internet. Nas escolas e em casa, os pais e os educadores têm sido excessivamente entusiastas do poder dos computadores. Temo que, como o cérebro constrói a maior parte das ligações entre os neurônios na juventude, o modo de pensar promovido pelo convívio com a internet predomine sobre a capacidade de análise. Os pais devem manter seus filhos o máximo longe das telas. Na verdade, acredito que as crianças não devem mexer em computadores de jeito nenhum. Mais tarde, quando entrarem na adolescência, terão de aprender a lidar com a internet para sua vida adulta, social e profissional. Mas antes disso não.
ÉPOCA – Como o senhor fez com seus filhos?
Carr – Minha filha tem 24 anos, meu filho 19. Então, quando eram crianças não havia tanto acesso à internet e a computadores. Nem as redes sociais existiam. Mas mesmo naquela época eu já sabia que as mídias usadas pelas crianças teriam influência em sua capacidade cognitiva futura. Não quero dizer que a internet seja ruim. Ela é essencial para encontrarmos pessoas e informações úteis. Mas ela é como uma esponja. Vai sugando todos os aspectos da vida. E nos obriga a se adaptar a ela. É o futuro da humanidade. Só que perderemos alguma coisa no meio do caminho.
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