O historiador inglês Kenneth Maxwell ganhou notoriedade no Brasil ao publicar, no final da década de 70, o livro "A Devassa da Devassa", no qual mostrou como a conjuntura externa influenciou a Inconfidência Mineira. De lá para cá, nunca deixou de acompanhar o que acontece no País. Professor do Centro para Estudos Latino-Americanos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Maxwell, em entrevista à ISTOÉ, afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva imprimiu uma cara nova para a política externa brasileira, por "saber lidar com os líderes mundiais e ao mesmo tempo falar com o povo". O historiador, no entanto, não poupou críticas ao Itamaraty, que "é lento demais em suas decisões" e "precisa de mais pluralidade e menos carga ideológica". Ele diz que a pretensão do governo Lula por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas é uma utopia: "As grandes potências não têm a menor intenção de permitir isso. É uma forma mesquinha de fazer política internacional, mas é a realidade."
ISTOÉ - O Brasil alcançou projeção inédita no cenário internacional, com participação em vários fóruns de debate. O sr. concorda?
Kenneth Maxwell - Sem dúvida, é um momento importante. Um movimento completamente novo nesse sentido, porque o Brasil não está só atuando com destaque na América Latina e na África, mas em todos os continentes. Tornou-se um verdadeiro ator global. É claro que com a liderança também vêm a responsabilidade e problemas muitas vezes inesperados, como é o caso de Honduras. Mas, no geral, a imagem do Brasil é muito boa. Lula tem uma popularidade enorme, em comparação com outros dirigentes mundiais.
ISTOÉ - O que explica a projeção do presidente Lula no Exterior?
Maxwell - É um pouco inesperada. Lembro que tive um encontro com Lula no início do primeiro mandato e ele me disse que não se preocuparia muito com o Exterior, que precisava viajar pelo País e não para fora. Só que depois acabou abraçando a política externa. Creio que a virada se deu após o encontro com o presidente americano George W. Bush. Lula estava muito nervoso antes dessa viagem, mas depois acho que seu deu conta de que, se havia chegado ao Bush, poderia ir a qualquer lugar no mundo. Foi um bom encontro, que lhe deu confiança.
ISTOÉ - A conquista da sede para os Jogos de 2016 é resultado exclusivamente dessa popularidade internacional do presidente Lula?
Maxwell - Não. A popularidade internacional do presidente Lula ajuda. Mas o Brasil fez uma preparação excelente. Além disso, Rio é Rio. Isso também ajuda. Apesar de tudo, essa é a hora do Brasil. Nunca um país da América do Sul conseguiu sediar os Jogos. Já era tempo. Vai ser um desafio, mas um desafio merecido.
"Lula tem autonomia na comunidade internacional, enquanto o Itamaraty virou uma burocracia pesada" |
ISTOÉ - Mas por que Lula chama tanto a atenção?
Maxwell - Ele imprimiu uma cara nova para a política externa brasileira. Sabe lidar com os líderes mundiais e ao mesmo tempo falar com o povo. Seu papel como interlocutor é levado a sério por todos, nos programas de televisão, blogs, todo mundo está falando um pouco sobre Lula. É uma situação nova para um presidente do Brasil. O mais impressionante é que ele só fala português, além, obviamente, de sua origem humilde. Não é comum um operário pobre virar presidente. No Partido Trabalhista inglês deve haver uns três ou quatro membros com origem humilde. Na Rússia, são todos intelectuais.
ISTOÉ - A ênfase na diplomacia presidencial faz sombra ao Itamaraty?
Maxwell - Trata-se de um ponto interessante. Creio que a presença de muitas pessoas fazendo política externa ao mesmo tempo pode levar a certas confusões. O fato é que Lula tem autonomia e atua livremente, enquanto o Itamaraty transformou-se numa burocracia pesada. E isso não é bom. Está claro que a diplomacia tradicional deve ser repensada. É preciso mais inteligência, pluralidade, menos carga ideológica e mais agilidade para lidar com vários temas ao mesmo tempo.
ISTOÉ - A crise em Honduras põe em risco o capital diplomático acumulado pelo governo Lula nos últimos anos?
Maxwell - É uma situação inesperada. O problema é que o Brasil está com várias aspirações de protagonismo internacional, mas às vezes faltam os meios para atingi-las de forma positiva. Ao que parece, o governo Lula não sabia que Zelaya retornaria ao país. Foi surpreendido. Mas o fato é que o Brasil foi arrastado para o centro da crise, com Zelaya abrigado na embaixada brasileira. É uma situação séria, pois o governo Lula tem dito a Zelaya para não se manifestar politicamente, só que ele faz isso o tempo todo.
ISTOÉ - O governo Lula disse que não negocia com golpistas...
Maxwell - É um erro, pois os golpistas são parte do problema e sem dialogar com eles será impossível resolver o impasse. Faltam lideranças em Honduras que possam efetivamente ajudar na busca de uma solução pacífica. E fora de Honduras a situação não é melhor. Os Estados Unidos têm interesses lá, mas a política para a América Latina ainda é pouco inteligente.
ISTOÉ - Em sua opinião, houve ingerência do Brasil em Honduras?
Maxwell - Sim e não. Claro que é ingerência, pois a situação foi criada pelos hondurenhos entre eles mesmos. Mas não é mais ingerência que do resto da América Latina, que declarou ter havido golpe e determinou a reinstalação de Manuel Zelaya no poder.
ISTOÉ - Na recente reunião do G-20, o presidente Lula comemorou a ampliação da cota do Brasil no FMI e também no Banco Mundial, e o enfraquecimento do G-8. São conquistas palpáveis? Maxwell - Há poucos resultados imediatos. A possibilidade de ampliar o G-8 para um G-20 é possível, embora pouco provável, por enquanto. Mas o simples fato de o G-20 existir como fórum de debate é importante, pois significa a possibilidade de estreitar os laços em reuniões que ocorrem quatro vezes por ano. Além disso, o Brasil se pôs como um dos principais interlocutores entre o mundo em desenvolvimento e o mundo desenvolvido. O mais importante, no momento, não é promover as mudanças, mas abrir um canal de negociação e ser ouvido.
ISTOÉ - É possível que o Brasil tenha influência de fato no rearranjo do sistema financeiro mundial? Maxwell - Temos que olhar esse cenário em perspectiva. O Brasil hoje tem uma economia muito mais diversificada que no passado e isso permitiu ao País reagir muito bem à crise financeira internacional. Isso mostra que o governo Lula fez o trabalho de casa, isso dá mais poder de influência. Sem dúvida, o Brasil virou exemplo. Só que a situação não é tão simples. Lá fora, Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, ainda lutam para sair da crise. A economia americana começa a dar sinais de recuperação, mas ainda sofre com uma taxa de desemprego de 15% e queda nos índices de produção. Não há indicação de que isso vai mudar nos próximos meses. Quero dizer que o presidente Obama tem muita coisa para resolver primeiro em casa, como a reforma da saúde. ISTOÉ - Se é remota a perspectiva de mudança do sistema financeiro a curto prazo, qual a chance real da ampliação do Conselho de Segurança, tão almejada pelo Brasil? ISTOÉ - O apoio explícito do presidente da França, Nicolas Sarkozy, em relação a uma vaga permanente para o Brasil é um ponto a favor? ISTOÉ - Como o sr. avalia a parceria estratégica entre Brasil e França na área de defesa? ISTOÉ - O que achou da entrega do Nobel da Paz para Obama? ISTOÉ - Qual é o balanço que o sr. faz da era Lula? ISTOÉ - O cenário da sucessão de Lula ainda não está definido, mas o sr. arrisca um prognóstico? Maxwell - É muito cedo para dizer, pois José Serra e Aécio Neves ainda não declararam candidatura. O Ciro Gomes ainda não foi confirmado e a Marina Silva ainda precisa divulgar mais seu nome. Não devemos subestimar a influência de Lula, pois ele tem grande popularidade. Pode não conseguir transferir votos para Dilma Rousseff, mas será um ator principal na campanha e influenciará a sucessão. Tudo vai depender também da situação econômica. Se estiver boa, o eleitor tenderá a ser conservador e votar no candidato governista.
Maxwell - Infelizmente, trata-se de uma utopia. Acho muito difícil qualquer mudança no Conselho de Segurança neste momento. Nem sequer a América Latina está unida em torno do Brasil. Logicamente que uma profunda reforma da ONU é desejável. As grandes potências não têm a menor intenção de permitir isso. É uma forma mesquinha de fazer política internacional, mas é a realidade.
Maxwell - Não significa muito, uma vez que nem a França sabe se continuaria num Conselho de Segurança reformado, por ampliação ou por substituição de seus membros. A França e a Inglaterra são muito resistentes e não querem deixar suas posições. Cada país candidato também tem o seu problema. A Índia enfrenta a resistência da China, que é um dos cinco membros do Conselho.
Maxwell - Nesse caso, vejo um fenômeno negativo que indica uma nova corrida armamentista na América Latina. Além disso, os milhões que serão gastos em armas poderiam ser usados em outras coisas, como saúde e educação. Eu leio na imprensa essa coisa de "parceria estratégica", mas não sei o que há de estratégico num negócio desses. Acho que a França só quer vender armas para um grande país da América Latina. No caso do submarino nuclear, faz algum sentido por causa do pré-sal.
Maxwell - Foi prematuro, para dizer o mínimo. Quase todo mundo também achou. A indicação dos nomes para o Nobel foi feita antes de 1º de fevereiro, menos de um mês depois de Obama ter tomado posse. Ele está na Presidência há menos de dez meses. Em Oslo, a plateia ficou espantada com a escolha de Obama. Seria muito melhor se ele tivesse recusado o prêmio.
Maxwell - Há muitos aspectos a considerar, mas acho que o principal está no continuísmo que Lula deu a uma política desenvolvida no governo Fernando Henrique, e até no de Itamar Franco. Quando olhamos para o Brasil de fora, não vemos dois mandatos de Lula, mas quatro mandatos e meio. Isso é importante para explicar por que Lula conseguiu muitas coisas boas. Ele é pragmático. Embora seja comparado a Getúlio Vargas, acho que o nacionalismo de Lula é mais suave. De balanço, temos a melhoria considerável de vários índices sociais, menos pobreza, mais pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família. A situação econômica e social é melhor que a situação política, já que no Congresso a coisa está bem ruim.
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