Nos Estados Unidos vigora lei do "one drop rule", ou seja, se o indivíduo tiver uma gota (comprovada) de sangue negro, é negro. Não tem meio-termo. Dentro da (ir)racionalidade norte-americana, a definição racial é vista como um contágio. O mais interessante é que essa imposição racista foi aceita e assimilada pela minoria "negra" norte-americana.
Por outro lado, há uma elite mestiça nos Estados Unidos, desde antes da abolição da escravidão, inclusive alguns possuíam escravos, sobretudo na região da Luisiana, conforme o livro "La Bourgeoisie Noire", publicado primeiro na França devido à crise que o mesmo causou na "comunidade" negra. Adicione-se a imigração de caribenhos e seus descendentes, sobretudo mestiços, formados nas escolas de padrões britânicos, que vieram reforçar as elites mestiças: Sidney Poitier, Harry Belafonte, o Prêmio Nobel de Economia Arthur Lewis, Colin Powell e Condoleezza Rice. A segunda geração de caribenhos já tinha uma renda média mais elevada que a dos brancos em geral.
O caso brasileiro, como nós sabemos, é diferente, pois temos um contínuo de cor que vai do negro retinto ao "agalegado". Nossa formação histórica foi diferente na medida em que não tivemos o transplante em massa de famílias da Europa, como no caso norte-americano, mas, sobretudo de portugueses que vieram administrar ou tentar uma nova vida aqui no Brasil, e que realizaram uniões, forçadas ou não, com índias, negras e mestiças. Essas mestiçagens foram fundamentais, sobretudo no Nordeste, que não contou com a posterior imigração de famílias européias ou orientais.
Para os americanos, portanto, Obama é negro, não tem o que discutir. Mas nós temos que repetir o ponto de vista dos americanos? Não temos outros olhares e uma visão "brasileira" das temáticas mundiais? A nossa imprensa tem que repetir e traduzir automaticamente o que vem de fora? Adicione-se o agravante do movimento negro brasileiro tentar adotar o mesmo princípio norte-americano da dualidade negro-branca (eliminando, inclusive a origem indígena).
Obama é filho de um estudante queniano e de uma americana branca, professora de Antropologia. Biologicamente já é metade negro e metade branco. Viveu quatro anos de sua infância na Indonésia, após a separação dos pais e do novo casamento da antropóloga, agora com um asiático (o que certamente ampliou o conhecimento dela das comunidades exóticas ...). Em seguida foi morar com os avós brancos no Havaí. Estudou e se formou em Direito na prestigiosa Universidade de Harvard. Ou seja, não foi criado por uma mãe negra, não viveu em uma comunidade negra segregada, não fala o "black english", tendo absorvido a cultura européia da mãe e dos avós, além dos colegas das escolas que freqüentou. Além dos seus traços fisionômicos, sua postura, seu discurso, correspondem ao que Bourdieu chamou de capital cultural, adquirido pelas oportunidades que teve, ao contrário dos "afro-americanos" que viveram nos "guetos" e realizaram estudos nas escolas públicas desses bairros segregados.
O fato de ser mestiço e de ser culturalmente "branco" talvez seja a resposta da grande aceitação que Obama tem no conjunto do eleitorado norte-americano, além do voto massivo dos negros.
Fica a questão para nós brasileiros: precisou uma criança, no conto, para mostrar que o rei estava nu, quando é que vamos olhar com os nossos olhos que Obama é um mestiço, ou seja, é um afro-descendente, mas também é um "euro-descendente", com todas as qualidades e defeitos da junção de duas culturas, o que é bastante comum no caso brasileiro.
Mas essa questão também pode lembrar que estamos ficando daltônicos, em parte devido ao impacto da mídia, em parte da pressão dos movimentos negros, inclusive no proposto Estatuto da Igualdade Racial, em análise no Congresso, em que está prevista a indicação de nossa cor ou "raça" em nossas carteiras de identidade, o que é um absurdo, em um país em que dois irmãos facilmente podem ser de cores diferentes.
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