om a missão de transpor territórios inimigos, assegurar fronteiras e montar estratégias de defesa e ataque, geografia militar tem sua trajetória traçada por geógrafo e pesquisador brasileiro
Alfredo Durães
Belo Horizonte — Foi um fracasso total. Uma das mais famosas fortificações militares de defesa, a Linha Maginot (leia Para saber mais), criada na França na década de 1930 para repelir possíveis ataques alemães teve um custo estratosférico, levou anos para ser construída e, na hora do vamos ver, se mostrou totalmente inútil. A Maginot não impediu que o exército alemão (Wehrmacht) ocupasse a França e Hitler posasse para fotos embaixo do Arco do Triunfo, para enorme desilusão dos franceses.
Esse grande episódio da história moderna é lembrado pelo professor e geógrafo Filipe Giuseppe Dal Bó Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Ele pesquisou a trajetória da geografia militar desde o século 19 e, no mês passado, apresentou suas conclusões. Ele aponta uma possível forma de aproximação com a geografia acadêmica no Brasil, por meio de informações que contribuam para organizar a defesa do território do país, em especial na Região Amazônica. O geógrafo levantou a bibliografia existente sobre o tema no Brasil, concentrada em instituições militares.
De acordo com Dal Bó, “o fracasso da Linha Maginot talvez seja o marco do fim da antiga geografia militar, aquela mais topográfica e imbuída de antigas doutrinas sobre a tática militar”. Ele acredita que o marco da nova geografia militar foi a grande Batalha da Normandia (também na Segunda Guerra), que coordenou, de maneira vitoriosa, a travessia das tropas aliadas do Canal da Mancha, numa área muito bem protegida pelos alemães, por meio de uma logística bem estabelecida. “O chamado ‘dia D’ deve ser considerado um marco para a nova geografia militar, pois os fatores geográficos foram ponderados e os obstáculos naturais transpostos por um bom planejamento e por uma boa engenharia militar”, pontua.
Questionado sobre a importância do estudo e da aplicação da geografia militar nos dias atuais, o professor diz que “o conhecimento do território é uma das matérias fundamentais que todo o comandante e seus encarregados devem estudar”. “É importante, desde o comando das menores unidades de combate até os mais altos escalões, onde se discute a estratégia e se desenvolve o conhecimento da geografia. Não podemos considerar apenas as condições do terreno, mas do território com todas as suas complexidades. Toda solução para uma situação tática ou estratégica requer o conhecimento prévio do cenário de onde vai se atuar”, acrescenta.
Dal Bó acredita firmemente que no Brasil esse estudo é fundamental, pois trata-se de um país de dimensões continentais e que tem uma enorme fronteira se relacionando com quase todos os países de seu continente, com exceção de Chile e Equador. “Além de um dos maiores litorais contínuos e navegáveis do mundo, um dos mais extensos mares territoriais e de um espaço aéreo também grandioso, o Brasil é um país muito diverso no que se refere ao relevo, vegetação e solos; com extensas redes hidrográficas que poderiam funcionar como um fator de integração; uma população de quase 200 milhões de pessoas e um território ainda pouco ocupado. É necessário que haja uma contribuição da ciência acadêmica, e nesse caso, a geografia é aquela que muito pode contribuir, por tratar da interação de todos os fenômenos espaciais, tanto físicos quanto humanos e de como eles transformam a organização do território”, diz.
Ele acrescenta que no campo da geografia não há escolas no Brasil que tratem do tema, mas sim instituições militares, como a Escola de Comando do Estado Maior do Exército e a Escola Superior de Guerra. “A questão da Amazônia não é apenas restrita às suas fronteiras, mas é claro que elas chamam atenção pela sua extensão e pela sua diversidade. Portanto é assunto que deve ser estudado pela geografia militar”, diz.
Inimigos do Brasil? Professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e uma das maiores autoridades brasileiras em estratégia militar, o coronel Geraldo Cavagnari, 76 anos, é rápido para devolver a seguinte pergunta: se o Brasil não tem inimigos declarados, por que se preocupar com a defesa do território? “Me diga então quem é o inimigo da França?”, questiona o militar reformado do Exército. Ele mesmo emenda a resposta: “Veja bem, a França não tem nenhum inimigo exposto, mas tem um dos mais modernos exércitos do mundo. Esse é o verdadeiro sentido da segurança nacional. Temos sempre que ter a chamada ‘pronta resposta’”, explica, com a autoridade de quem já foi comandante de inteligência do Exército.
Ele explica que o segmento da geografia militar no Brasil floresceu no começo da década de 1920, com chegada de uma missão militar francesa ao país que teve como tarefa modernizar o Exército. “Essa missão ficou aqui por quase 20 anos, treinando e modernizando nossas tropas, imbuindo o sentimento de organização e estratégia”, explica.
Num cenário de confronto hipotético em fronteiras brasileiras, ele aponta as Forças Armadas da Colômbia como um poderoso inimigo, mas faz ressalvas. “A Colômbia tem um exército moderno e muito bem equipado, treinado inclusive para a guerra de selva. Mas não tem efetivo suficiente para uma penetração profunda. Não teria fôlego para uma ocupação”, decreta.
Outro inimigo, ainda no campo das hipóteses, seria uma aliança de países ao Sul do Brasil, como Paraguai, Uruguai e Argentina. “Essa aliança até poderia ocupar, num primeiro momento, partes do Rio Grande do Sul e do Paraná, mas também não teriam efetivo e força suficiente nem para uma penetração maior em nosso território nem para mantê-la”, argumenta. Cavagnari lembra que para o Brasil obter a tão almejada cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas, tem que ter Forças Armadas fortes. “Note que já somos uma potência econômica, mas teremos que ser, igualmente, uma potência militar”, conjectura.
Para saber mais
Bastou um desvio
A Linha Maginot (o nome é homenagem ao engenheiro que a projetou), na França, tinha fortificações, vias subterrâneas, obstáculos, baterias blindadas, postos de observação com abóbodas igualmente blindadas e paióis de munição a grande profundidade. Eram 108 edificações principais, distantes 15km uma da outra, edifícios menores, casamatas e mais de 100km de galerias.
Em 10 de maio de 1940, os alemães atacaram a Linha Maginot, mas concentraram o grosso de suas tropas para invadir a vizinha Bélgica, penetrando na Floresta das Ardenas, que era vista (pelo menos pelos generais franceses), como densa e intransponível, em função de suas estradas apertadas e sinuosas. Com as famosas divisões Panzer à frente, os alemães venceram a floresta e penetraram em território francês, neutralizando a linha de defesa pela retaguarda e consolidando a ocupação da França em poucos dias.
´´Observe as tendências mas não Siga a maioria`` Thiago Prado
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Estudo vê dilema estratégico para Brasil
Escola de Guerra do Exército americano elogia, porém, esforço de Lula para elevar status internacional do país Segundo documento, novo governo terá rede de opções diplomáticas e comerciais; relação com EUA é mais tensa
ANDREA MURTA
Apesar de bem-sucedido, o esforço do governo Lula para elevar o status do Brasil no exterior deixará uma herança de "dilemas estratégicos", incluindo tensão com Washington, afirma análise da Escola de Guerra do Exército dos EUA.
Publicado em agosto, o estudo "Dilemas da Grande Estratégia Brasileira" afirma que poucos países tiveram melhora tão notável em sua "estatura internacional" na última década como o Brasil.
Para o autor, o pesquisador Hal Brands, do Instituto de Análise em Defesa, isso foi obtido por meio de três estratégias: ação leve para contrabalançar o poderio americano; formação de coalizões para aumento do poder de negociação; e posicionamento como líder de uma América do Sul mais unida.
"Lula procurou transformar a crescente confiança nacional oriunda da consolidação democrática e da estabilidade econômica em uma diplomacia mais forte", escreveu Brands.
Ele aponta como ações principais da diplomacia nos últimos oito anos o papel mais ativo em missões de paz da ONU; a promoção de blocos como os Brics (com Rússia, Índia e China) e Ibas (com Índia e África do Sul); a tentativa de obter vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU; e a defesa da integração econômica da América do Sul.
Também é notada a emergência de novas instituições regionais como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e o Conselho Sul-Americano de Defesa.
Brands afirma que essa estratégia de tentar reverter a antiga ordem internacional foi benéfica no curto prazo e que o sucessor de Lula terá nas mãos uma rede de opções comerciais e diplomáticas para escolher onde atuar.
Mas, segundo disse em entrevista à Folha, há quatro problemas que poderão obstruir a ascensão do país.
"Primeiro, não está claro que o Brasil preparou bem os fundamentos para crescimento econômico e coesão social de longo prazo, que são necessários para uma política externa ambiciosa."
"Segundo, as relações com muitos vizinhos são tensas. Países como Bolívia e Paraguai veem o Brasil como uma potência dominadora, enquanto México, Argentina, Venezuela e Colômbia o veem como rival pela liderança regional", continua.
O terceiro ponto é que não está claro se Brics e Ibas são coesos o suficiente para atuar como grandes atores geopolíticos.
E, "finalmente, a política externa assertiva de Lula ocasionalmente leva a conflitos com os EUA".
Mesmo nas projeções mais otimistas, o Brasil não terá capacidade econômica ou militar para competir com outras potências (EUA, China e a União Europeia) por décadas -se é que isso acontecerá algum dia.
Exatamente por isso, o país precisa abordar seus dilemas estratégicos. "Se o Brasil alcançará "impacto sistêmico" -a habilidade de influenciar significativamente a ordem global- terá de fazer isso não por meio da acumulação inexorável de peso geopolítico, mas pela qualidade de sua diplomacia."
ANDREA MURTA
Apesar de bem-sucedido, o esforço do governo Lula para elevar o status do Brasil no exterior deixará uma herança de "dilemas estratégicos", incluindo tensão com Washington, afirma análise da Escola de Guerra do Exército dos EUA.
Publicado em agosto, o estudo "Dilemas da Grande Estratégia Brasileira" afirma que poucos países tiveram melhora tão notável em sua "estatura internacional" na última década como o Brasil.
Para o autor, o pesquisador Hal Brands, do Instituto de Análise em Defesa, isso foi obtido por meio de três estratégias: ação leve para contrabalançar o poderio americano; formação de coalizões para aumento do poder de negociação; e posicionamento como líder de uma América do Sul mais unida.
"Lula procurou transformar a crescente confiança nacional oriunda da consolidação democrática e da estabilidade econômica em uma diplomacia mais forte", escreveu Brands.
Ele aponta como ações principais da diplomacia nos últimos oito anos o papel mais ativo em missões de paz da ONU; a promoção de blocos como os Brics (com Rússia, Índia e China) e Ibas (com Índia e África do Sul); a tentativa de obter vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU; e a defesa da integração econômica da América do Sul.
Também é notada a emergência de novas instituições regionais como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e o Conselho Sul-Americano de Defesa.
Brands afirma que essa estratégia de tentar reverter a antiga ordem internacional foi benéfica no curto prazo e que o sucessor de Lula terá nas mãos uma rede de opções comerciais e diplomáticas para escolher onde atuar.
Mas, segundo disse em entrevista à Folha, há quatro problemas que poderão obstruir a ascensão do país.
"Primeiro, não está claro que o Brasil preparou bem os fundamentos para crescimento econômico e coesão social de longo prazo, que são necessários para uma política externa ambiciosa."
"Segundo, as relações com muitos vizinhos são tensas. Países como Bolívia e Paraguai veem o Brasil como uma potência dominadora, enquanto México, Argentina, Venezuela e Colômbia o veem como rival pela liderança regional", continua.
O terceiro ponto é que não está claro se Brics e Ibas são coesos o suficiente para atuar como grandes atores geopolíticos.
E, "finalmente, a política externa assertiva de Lula ocasionalmente leva a conflitos com os EUA".
Mesmo nas projeções mais otimistas, o Brasil não terá capacidade econômica ou militar para competir com outras potências (EUA, China e a União Europeia) por décadas -se é que isso acontecerá algum dia.
Exatamente por isso, o país precisa abordar seus dilemas estratégicos. "Se o Brasil alcançará "impacto sistêmico" -a habilidade de influenciar significativamente a ordem global- terá de fazer isso não por meio da acumulação inexorável de peso geopolítico, mas pela qualidade de sua diplomacia."
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Força paramilitar é comandada pela CIA no Afeganistão
Um funcionário do governo dos Estados Unidos confirmou ontem a denúncia, feita no livro que o veterano jornalista Bob Woodward lançará na próxima semana, de que a CIA opera um grupo paramilitar formado por afegãos que tem perseguido e matado membros da Al-Qaeda, do Taleban e outros extremistas.
O funcionário disse que o grupo de 3 mil homens foi criado em 2002 para capturar pessoas para serem interrogadas pela CIA, a principal agência americana de inteligência. Os paramilitares atuam em províncias afetadas pela violência como Kandahar, Khost, Paktia e na capital, Cabul, segundo trechos do livro liberados pela editora Simon & Schuster aos jornais The New York Times e Washington Post.
O governo do presidente Barack Obama criticou ontem o livro, que descreve uma profunda divisão entre os conselheiros do presidente que o ajudaram a planejar a estratégia para a guerra no Afeganistão. Um funcionário de alto escalão disse que as disputas citadas no livro já eram conhecidas, pois a revisão da política americana para Afeganistão foi exaustivamente coberta pela mídia. Ele também defendeu o modo como Obama lidou com a questão. "O presidente enfrentou a revisão como um comandante-chefe que é analítico, estratégico e determinado, com uma ampla visão de história e segurança nacional."
De acordo com o livro, confrontado com uma de suas principais promessas de campanha - a retirada dos EUA até meados de 2011 do Afeganistão -, Obama resistiu à pressão de seu comando militar ao envio de mais tropas americanas ao país, no final de 2009, ao mesmo tempo em que adotou uma estratégia de combate considerada falida por seus principais conselheiros. Segundo a apuração de Woodward, Obama aceitou o envio de mais 30 mil soldados ao Afeganistão, mas bloqueou o projeto do Pentágono de agregar mais 4.500 militares. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O funcionário disse que o grupo de 3 mil homens foi criado em 2002 para capturar pessoas para serem interrogadas pela CIA, a principal agência americana de inteligência. Os paramilitares atuam em províncias afetadas pela violência como Kandahar, Khost, Paktia e na capital, Cabul, segundo trechos do livro liberados pela editora Simon & Schuster aos jornais The New York Times e Washington Post.
O governo do presidente Barack Obama criticou ontem o livro, que descreve uma profunda divisão entre os conselheiros do presidente que o ajudaram a planejar a estratégia para a guerra no Afeganistão. Um funcionário de alto escalão disse que as disputas citadas no livro já eram conhecidas, pois a revisão da política americana para Afeganistão foi exaustivamente coberta pela mídia. Ele também defendeu o modo como Obama lidou com a questão. "O presidente enfrentou a revisão como um comandante-chefe que é analítico, estratégico e determinado, com uma ampla visão de história e segurança nacional."
De acordo com o livro, confrontado com uma de suas principais promessas de campanha - a retirada dos EUA até meados de 2011 do Afeganistão -, Obama resistiu à pressão de seu comando militar ao envio de mais tropas americanas ao país, no final de 2009, ao mesmo tempo em que adotou uma estratégia de combate considerada falida por seus principais conselheiros. Segundo a apuração de Woodward, Obama aceitou o envio de mais 30 mil soldados ao Afeganistão, mas bloqueou o projeto do Pentágono de agregar mais 4.500 militares. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Potências "somem" das forças da ONU
Nos últimos nove anos, o Brasil subiu da 47ª posição para a 12ª no ranking dos países que mais enviam tropas para missões de paz das Nações Unidas. O salto se deve ao envio de mais de 2.000 militares por ano à Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), ao custo de R$ 1,3 bilhão.
O investimento é uma tentativa do governo brasileiro de acompanhar uma tendência de países em desenvolvimento de assumir um lugar antes ocupado pelas potências mundiais nas missões.
Hoje, países do sul da Ásia e do continente africano são fornecedores de 71% dos cerca de 100 mil homens que formam as tropas de paz e a polícia das Nações Unidas.
O primeiro do ranking é o Paquistão, que participa atualmente de 11 missões com 10.744 homens.
Militares do continente europeu, dos EUA e do Canadá -que antes da década de 90 eram presença quase obrigatória nas missões-, em 2001 representavam juntos 22% do contingente de capacetes azuis no mundo. Neste ano, não chegam a 8% do total. A ONU não divulga dados anteriores a 2001 para pesquisa.
A retirada gradual das potências começou com o fracasso das missões na Somália (92-93), que resultou no assassinato e exibição pública de corpos de soldados americanos, e em Ruanda (93-96) -onde a ONU foi incapaz de conter o genocídio.
Desde então, os países desenvolvidos continuaram a financiar missões em países "falidos", porém sem envolver diretamente suas tropas. "Um soldado morto nessas missões tem um custo político e eleitoral muito alto", afirma Matias Spektor, coordenador do Centro de Estudos sobre Relações Internacionais da FGV-Rio.
Segundo ele, outro fator decisivo foi a dificuldade das potências em abrir frentes após se envolverem nas guerras do Oriente Médio.
OPORTUNIDADE
Além da oportunidade de treinar e profissionalizar tropas, os países em desenvolvimento procuram as missões de paz por interesses econômicos (possibilidade de fechar contratos futuros) e estratégicos (obter prestígio e influência internacional).
Outro atrativo para alguns países é o pagamento que as Nações Unidas fazem pelo uso dos soldados. Alguns deles, como o Nepal (6º no ranking) e o Uruguai (10º) descobriram um "nicho" de mercado e criaram unidades especializadas em missões de paz da ONU que rendem lucros.
Não é o caso do Brasil, que não tem unidades especializadas e recebe de pagamento da ONU cerca de 25% da quantia que investiu para mandar as tropas. O objetivo brasileiro está mais ligado ao treinamento de tropas contra guerrilhas e à obtenção de mais destaque na engrenagem da ONU (no caso, uma cadeira no Conselho de Segurança).
Fonte: Folha
O investimento é uma tentativa do governo brasileiro de acompanhar uma tendência de países em desenvolvimento de assumir um lugar antes ocupado pelas potências mundiais nas missões.
Hoje, países do sul da Ásia e do continente africano são fornecedores de 71% dos cerca de 100 mil homens que formam as tropas de paz e a polícia das Nações Unidas.
O primeiro do ranking é o Paquistão, que participa atualmente de 11 missões com 10.744 homens.
Militares do continente europeu, dos EUA e do Canadá -que antes da década de 90 eram presença quase obrigatória nas missões-, em 2001 representavam juntos 22% do contingente de capacetes azuis no mundo. Neste ano, não chegam a 8% do total. A ONU não divulga dados anteriores a 2001 para pesquisa.
A retirada gradual das potências começou com o fracasso das missões na Somália (92-93), que resultou no assassinato e exibição pública de corpos de soldados americanos, e em Ruanda (93-96) -onde a ONU foi incapaz de conter o genocídio.
Desde então, os países desenvolvidos continuaram a financiar missões em países "falidos", porém sem envolver diretamente suas tropas. "Um soldado morto nessas missões tem um custo político e eleitoral muito alto", afirma Matias Spektor, coordenador do Centro de Estudos sobre Relações Internacionais da FGV-Rio.
Segundo ele, outro fator decisivo foi a dificuldade das potências em abrir frentes após se envolverem nas guerras do Oriente Médio.
OPORTUNIDADE
Além da oportunidade de treinar e profissionalizar tropas, os países em desenvolvimento procuram as missões de paz por interesses econômicos (possibilidade de fechar contratos futuros) e estratégicos (obter prestígio e influência internacional).
Outro atrativo para alguns países é o pagamento que as Nações Unidas fazem pelo uso dos soldados. Alguns deles, como o Nepal (6º no ranking) e o Uruguai (10º) descobriram um "nicho" de mercado e criaram unidades especializadas em missões de paz da ONU que rendem lucros.
Não é o caso do Brasil, que não tem unidades especializadas e recebe de pagamento da ONU cerca de 25% da quantia que investiu para mandar as tropas. O objetivo brasileiro está mais ligado ao treinamento de tropas contra guerrilhas e à obtenção de mais destaque na engrenagem da ONU (no caso, uma cadeira no Conselho de Segurança).
Fonte: Folha
Amnésia e desqualificação
Amnésia e desqualificação
Amnésia e desqualificação BRASÍLIA - Há duas regras básicas seguidas por políticos, de esquerda ou de direita, abatidos por uma crise: 1) esquecimento súbito dos fatos e 2) desqualificar seus adversários e acusadores.
A cartilha vale no Brasil e no mundo. Quando Ronald Reagan teve de depor no Congresso dos EUA, nos anos 80, a respeito do escândalo Irã-Contras, sua frase mais marcante foi "I don"t recall" (eu não me lembro). Repetiu a negativa várias vezes ao ser indagado a respeito da participação de assessores da Casa Branca num esquema complexo e ilegal de venda de armas envolvendo o Irã e contrarrevolucionários anticomunistas na Nicarágua.
No anos 90, o governo Fernando Henrique Cardoso passou por apertos éticos. Um deles foi a compra de votos a favor da emenda da reeleição, em 1997. Deputados confessaram, em conversas gravadas, terem se vendido por R$ 200 mil para votarem a favor da mudança da Constituição. FHC se reelegeu em 1998. O termo chavismo ainda não existia, mas o PT acusou os tucanos de algo semelhante.
A cúpula do PSDB reagiu dizendo que os deputados eram desqualificados (todos do Acre). A Procuradoria Geral da República engavetou o caso. No Congresso, uma CPI foi abafada ao custo de dois ministérios para o PMDB (Justiça e o apetitoso Transportes).
Anos depois, Lula também não se lembrou de nada do mensalão. Vive desqualificando o acusador até hoje. Agora, Dilma Rousseff diz não se recordar de traficâncias na Casa Civil quando a pasta estava sob seu comando. Dentro do PT a crítica mais forte é sobre a origem da escumalha disposta a relatar o lobby no Planalto. "São bandidos", repetem os lulistas. Como se algum escândalo possa ocorrer só com o envolvimento de pessoas probas e acima de qualquer suspeita.
Tudo considerado, petistas e tucanos reagem de forma idêntica se flagrados fazendo o que não devem. Não sabem como são típicos.
Amnésia e desqualificação BRASÍLIA - Há duas regras básicas seguidas por políticos, de esquerda ou de direita, abatidos por uma crise: 1) esquecimento súbito dos fatos e 2) desqualificar seus adversários e acusadores.
A cartilha vale no Brasil e no mundo. Quando Ronald Reagan teve de depor no Congresso dos EUA, nos anos 80, a respeito do escândalo Irã-Contras, sua frase mais marcante foi "I don"t recall" (eu não me lembro). Repetiu a negativa várias vezes ao ser indagado a respeito da participação de assessores da Casa Branca num esquema complexo e ilegal de venda de armas envolvendo o Irã e contrarrevolucionários anticomunistas na Nicarágua.
No anos 90, o governo Fernando Henrique Cardoso passou por apertos éticos. Um deles foi a compra de votos a favor da emenda da reeleição, em 1997. Deputados confessaram, em conversas gravadas, terem se vendido por R$ 200 mil para votarem a favor da mudança da Constituição. FHC se reelegeu em 1998. O termo chavismo ainda não existia, mas o PT acusou os tucanos de algo semelhante.
A cúpula do PSDB reagiu dizendo que os deputados eram desqualificados (todos do Acre). A Procuradoria Geral da República engavetou o caso. No Congresso, uma CPI foi abafada ao custo de dois ministérios para o PMDB (Justiça e o apetitoso Transportes).
Anos depois, Lula também não se lembrou de nada do mensalão. Vive desqualificando o acusador até hoje. Agora, Dilma Rousseff diz não se recordar de traficâncias na Casa Civil quando a pasta estava sob seu comando. Dentro do PT a crítica mais forte é sobre a origem da escumalha disposta a relatar o lobby no Planalto. "São bandidos", repetem os lulistas. Como se algum escândalo possa ocorrer só com o envolvimento de pessoas probas e acima de qualquer suspeita.
Tudo considerado, petistas e tucanos reagem de forma idêntica se flagrados fazendo o que não devem. Não sabem como são típicos.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
China amplia fronteiras no mar
País testa minissubmarino capaz de descer a 7 quilômetros em busca de riquezas
William J. Broad
Do New York Times
Quando três cientistas chineses mergulharam fundo no Mar do Sul da China num minissubmarino no início de junho, eles fizeram mais do que simplesmente colocar a bandeira de seu país no escuro leito do oceano. Os homens, que desceram a cerca de três quilômetros de profundidade num submarino do tamanho de um pequeno caminhão, sinalizaram a intenção de Pequim de assumir a liderança na exploração de regiões remotas e inacessíveis do oceano, ambiente rico em petróleo, minerais e outros recursos. E muitas dessas riquezas estão em áreas onde a China entrou em conflito várias vezes sobre reivindicações territoriais com os seus vizinhos.
Depois de fincar a bandeira de seu país — algo realizado em segredo, mas gravado em vídeo — Pequim rapidamente tornou a proeza tecnológica um show de bravata.
— É uma grande conquista — disse Liu Feng, diretor da operação de mergulho, citado no “China Daily”.
O leito marinho tem trilhões de dólares em minerais, além de objetos de valor para a inteligência: cabos submarinos de comunicações diplomáticas, armas nucleares perdidas, submarinos afundados e centenas de ogivas nucleares, restos de testes com mísseis.
Embora um único minissubmarino não possa carregar todos esses tesouros, ele põe a China numa posição excelente para ir atrás deles.
— É um programa preciso, e estão investindo tudo — disse Don Walsh, pioneiro em mergulho profundo e que visitou o submarino.
A embarcação — chamada de Jiaolong, dragão do mar mítico — foi apresentada publicamente no final de agosto passado, depois de oito anos de desenvolvimento em segredo.
O submarino é projetado para ir mais fundo do que qualquer outro no mundo, dando acesso à China a 99,8% do fundo oceânico.
Peças foram importadas
E o mundo tem poucos deles. O Jiaolong é capaz de descer a 7 mil metros, desbancando o atual líder.
O Shinkai, do Japão, vai a 6.500 metros, com a melhor performance no mundo, dizem seus fabricantes.
Rússia, França e Estados Unidos estão mais atrás nesta corrida, e a China move-se cautelosamente. Os testes com o Jiaolong começaram discretamente no ano passado e devem continuar até 2012, com mergulhos cada vez mais profundos.
— Eles respeitam o que eles não sabem e estão trabalhando duro para aprender — disse Walsh.
Segundo o pesquisador, os chineses querem evitar o constrangimento de uma catástrofe que termine com seus tripulantes presos numa armadilha ou mortos. Ainda assim, eles estão agitando suas bandeiras.
O movimento lembra o de cientistas russos, no verão de 2007, que desceram sob o bloco de gelo no Pólo Norte e colocaram a sua bandeira no fundo do oceano. De volta à superfície, os exploradores declararam que a façanha tinha reforçado a reivindicação russa sobre quase metade do fundo do Ártico.
Wang Weizhong, um vice-ministro chinês da Ciência e Tecnologia, afirmou, em entrevista em agosto, que os testes com o Jiaolong são “um marco” para a China e a exploração global. E que o recente sucesso estabeleceu a base sólida para a sua aplicação prática nas pesquisas de recursos e investigação científica.
Mas pelo menos um experiente cientista chinês evita o que chama de “propaganda em curso”. Weicheng Cui, professor no Centro de Pesquisa Científica Naval, construtor do submersível, contou por email que os testes no mar evitaram claramente áreas contestadas para fugir de problemas diplomáticos: — A enxurrada de notícias sobre o ato de fincar a bandeira não é boa.
Não nos ajuda no projeto.
Especialistas americanos disseram que a China fez uma farra de compras em todo mundo para obter todas as peças de seu submersível.
Dos Estados Unidos, compraram luzes avançadas, câmeras e braços mecânicos. Cui estima que 40% dos equipamentos do minissubmarino chinês vieram do exterior.
Em 2005, cinco pilotos e um cientista chinês treinaram no americano Alvin, o mais antigo e famoso submarino para mergulho a grande profundidade, do Instituto Oceanográfico Woods Hole, capaz de descer a até 4.500 metros.
William J. Broad
Do New York Times
Quando três cientistas chineses mergulharam fundo no Mar do Sul da China num minissubmarino no início de junho, eles fizeram mais do que simplesmente colocar a bandeira de seu país no escuro leito do oceano. Os homens, que desceram a cerca de três quilômetros de profundidade num submarino do tamanho de um pequeno caminhão, sinalizaram a intenção de Pequim de assumir a liderança na exploração de regiões remotas e inacessíveis do oceano, ambiente rico em petróleo, minerais e outros recursos. E muitas dessas riquezas estão em áreas onde a China entrou em conflito várias vezes sobre reivindicações territoriais com os seus vizinhos.
Depois de fincar a bandeira de seu país — algo realizado em segredo, mas gravado em vídeo — Pequim rapidamente tornou a proeza tecnológica um show de bravata.
— É uma grande conquista — disse Liu Feng, diretor da operação de mergulho, citado no “China Daily”.
O leito marinho tem trilhões de dólares em minerais, além de objetos de valor para a inteligência: cabos submarinos de comunicações diplomáticas, armas nucleares perdidas, submarinos afundados e centenas de ogivas nucleares, restos de testes com mísseis.
Embora um único minissubmarino não possa carregar todos esses tesouros, ele põe a China numa posição excelente para ir atrás deles.
— É um programa preciso, e estão investindo tudo — disse Don Walsh, pioneiro em mergulho profundo e que visitou o submarino.
A embarcação — chamada de Jiaolong, dragão do mar mítico — foi apresentada publicamente no final de agosto passado, depois de oito anos de desenvolvimento em segredo.
O submarino é projetado para ir mais fundo do que qualquer outro no mundo, dando acesso à China a 99,8% do fundo oceânico.
Peças foram importadas
E o mundo tem poucos deles. O Jiaolong é capaz de descer a 7 mil metros, desbancando o atual líder.
O Shinkai, do Japão, vai a 6.500 metros, com a melhor performance no mundo, dizem seus fabricantes.
Rússia, França e Estados Unidos estão mais atrás nesta corrida, e a China move-se cautelosamente. Os testes com o Jiaolong começaram discretamente no ano passado e devem continuar até 2012, com mergulhos cada vez mais profundos.
— Eles respeitam o que eles não sabem e estão trabalhando duro para aprender — disse Walsh.
Segundo o pesquisador, os chineses querem evitar o constrangimento de uma catástrofe que termine com seus tripulantes presos numa armadilha ou mortos. Ainda assim, eles estão agitando suas bandeiras.
O movimento lembra o de cientistas russos, no verão de 2007, que desceram sob o bloco de gelo no Pólo Norte e colocaram a sua bandeira no fundo do oceano. De volta à superfície, os exploradores declararam que a façanha tinha reforçado a reivindicação russa sobre quase metade do fundo do Ártico.
Wang Weizhong, um vice-ministro chinês da Ciência e Tecnologia, afirmou, em entrevista em agosto, que os testes com o Jiaolong são “um marco” para a China e a exploração global. E que o recente sucesso estabeleceu a base sólida para a sua aplicação prática nas pesquisas de recursos e investigação científica.
Mas pelo menos um experiente cientista chinês evita o que chama de “propaganda em curso”. Weicheng Cui, professor no Centro de Pesquisa Científica Naval, construtor do submersível, contou por email que os testes no mar evitaram claramente áreas contestadas para fugir de problemas diplomáticos: — A enxurrada de notícias sobre o ato de fincar a bandeira não é boa.
Não nos ajuda no projeto.
Especialistas americanos disseram que a China fez uma farra de compras em todo mundo para obter todas as peças de seu submersível.
Dos Estados Unidos, compraram luzes avançadas, câmeras e braços mecânicos. Cui estima que 40% dos equipamentos do minissubmarino chinês vieram do exterior.
Em 2005, cinco pilotos e um cientista chinês treinaram no americano Alvin, o mais antigo e famoso submarino para mergulho a grande profundidade, do Instituto Oceanográfico Woods Hole, capaz de descer a até 4.500 metros.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Brasil amplia a fronteira marítima da área do pré-sal
Mudança incorpora área de 960 mil km2 à zona de soberania nacional no mar, hoje de 3,5 milhões de km2
Medida, que não conta com aval da ONU, amplia direitos do Brasil para exploração de petróleo e gás
O Brasil decidiu não esperar o aval da ONU (Organização das Nações Unidas) para expandir, além das 200 milhas náuticas, as fronteiras de sua soberania sobre recursos minerais como petróleo e gás no fundo do mar.
A partir de uma resolução interministerial publicada na última sexta-feira, qualquer nação ou empresa que queira prospectar recursos minerais na Plataforma Continental Brasileira terá de pedir autorização ao governo.
Segundo a Folha apurou, a decisão foi tomada após consulta da Petrobras, que poderá ter até 50% do capital nas mãos da União assim que for concluído o processo de capitalização em curso.
Hoje, a União detém 39,8% da empresa.
A mudança incorpora 960 mil km2, quase quatro vezes o Estado de São Paulo, à zona de soberania nacional, hoje de cerca de 3,5 milhões de km2.
É uma área cobiçada em razão da possível existência de novas reservas de petróleo na área do pré-sal.
DIREITO DO MAR
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, abre a brecha para que países reivindiquem direitos sobre o oceano a até 350 milhas náuticas de sua costa. Além, portanto, da Zona Econômica Exclusiva, de 200 milhas.
Para que essa incorporação ocorra, os países signatários da convenção precisam entregar à ONU um mapeamento de sua plataforma continental, espécie de extensão submarina do território soberano.
O Brasil encaminhou esse pedido à ONU em 2004, mas, três anos depois, a organização rejeitou a proposta, após questionamento dos EUA.
Depois, a ONU requisitou que o governo brasileiro reformulasse o pleito.
A ONU não aceitou incluir 190 mil km2 distribuídos desde o Amazonas até a região Sul do país. Segundo a Marinha, o Brasil discordou e pretende apresentar nova proposta até 2012.
Consultada pela Petrobras, porém, a Cirm (Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) entendeu que o país não precisa esperar a chancela da ONU.
Agora, cabe à ANP (Agência Nacional de Petróleo) decidir sobre as pesquisas de recursos minerais na área. Procurada, a ANP não se manifestou.
Um decreto de 1988 e uma lei de 1993 já definiam que qualquer investigação científica na plataforma continental só poderia ser feita por outras nações com autorização do governo e acompanhamento da Marinha, e que o Brasil exerce direitos de soberania sobre ela para fins de exploração de recursos naturais.
Além disso, o país se ancora no fato de que a ONU não estabelece condições e limitações de soberania sobre a plataforma continental.
GEOLOGIA DA CONFUSÃO
Plataformas continentais são extensões planas ou quase planas do leito submarino, que terminam nos abismos oceânicos.
Elas são formadas por rochas sedimentares -exatamente o tipo de rocha na qual se formam o petróleo e o gás natural. Daí o interesse estratégico da Petrobras nessas regiões.
O único país que concluiu o levantamento de sua plataforma antes do Brasil foi a Rússia.
O pleito da Rússia também foi questionado, uma vez que incluía porções do Ártico em disputa entre EUA, Canadá, Dinamarca e Noruega.
Em 2007, a Rússia mandou um minissubmarino ao Ártico para lançar no fundo do mar uma bandeira russa -simbolizando a suposta soberania do país sobre os recursos minerais da região.
A expedição causou um incidente diplomático com o Canadá, que chamou o feito de "impostura".
Fonte: Folha de S.Paulo
Medida, que não conta com aval da ONU, amplia direitos do Brasil para exploração de petróleo e gás
O Brasil decidiu não esperar o aval da ONU (Organização das Nações Unidas) para expandir, além das 200 milhas náuticas, as fronteiras de sua soberania sobre recursos minerais como petróleo e gás no fundo do mar.
A partir de uma resolução interministerial publicada na última sexta-feira, qualquer nação ou empresa que queira prospectar recursos minerais na Plataforma Continental Brasileira terá de pedir autorização ao governo.
Segundo a Folha apurou, a decisão foi tomada após consulta da Petrobras, que poderá ter até 50% do capital nas mãos da União assim que for concluído o processo de capitalização em curso.
Hoje, a União detém 39,8% da empresa.
A mudança incorpora 960 mil km2, quase quatro vezes o Estado de São Paulo, à zona de soberania nacional, hoje de cerca de 3,5 milhões de km2.
É uma área cobiçada em razão da possível existência de novas reservas de petróleo na área do pré-sal.
DIREITO DO MAR
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, abre a brecha para que países reivindiquem direitos sobre o oceano a até 350 milhas náuticas de sua costa. Além, portanto, da Zona Econômica Exclusiva, de 200 milhas.
Para que essa incorporação ocorra, os países signatários da convenção precisam entregar à ONU um mapeamento de sua plataforma continental, espécie de extensão submarina do território soberano.
O Brasil encaminhou esse pedido à ONU em 2004, mas, três anos depois, a organização rejeitou a proposta, após questionamento dos EUA.
Depois, a ONU requisitou que o governo brasileiro reformulasse o pleito.
A ONU não aceitou incluir 190 mil km2 distribuídos desde o Amazonas até a região Sul do país. Segundo a Marinha, o Brasil discordou e pretende apresentar nova proposta até 2012.
Consultada pela Petrobras, porém, a Cirm (Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) entendeu que o país não precisa esperar a chancela da ONU.
Agora, cabe à ANP (Agência Nacional de Petróleo) decidir sobre as pesquisas de recursos minerais na área. Procurada, a ANP não se manifestou.
Um decreto de 1988 e uma lei de 1993 já definiam que qualquer investigação científica na plataforma continental só poderia ser feita por outras nações com autorização do governo e acompanhamento da Marinha, e que o Brasil exerce direitos de soberania sobre ela para fins de exploração de recursos naturais.
Além disso, o país se ancora no fato de que a ONU não estabelece condições e limitações de soberania sobre a plataforma continental.
GEOLOGIA DA CONFUSÃO
Plataformas continentais são extensões planas ou quase planas do leito submarino, que terminam nos abismos oceânicos.
Elas são formadas por rochas sedimentares -exatamente o tipo de rocha na qual se formam o petróleo e o gás natural. Daí o interesse estratégico da Petrobras nessas regiões.
O único país que concluiu o levantamento de sua plataforma antes do Brasil foi a Rússia.
O pleito da Rússia também foi questionado, uma vez que incluía porções do Ártico em disputa entre EUA, Canadá, Dinamarca e Noruega.
Em 2007, a Rússia mandou um minissubmarino ao Ártico para lançar no fundo do mar uma bandeira russa -simbolizando a suposta soberania do país sobre os recursos minerais da região.
A expedição causou um incidente diplomático com o Canadá, que chamou o feito de "impostura".
Fonte: Folha de S.Paulo
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Dependência Tecnológica X Soberania Nacional
By: Geopolitica Brasil
Amigos leitores, buscando dar a vocês maior embasamento para nossa discussão acerca de nossa "Independência", estou postando aqui uma entrevista feita há 22 anos, nos idos de maio do ano de 1988, onde podemos notar que mesmo passados mais de vinte anos veremos que nossa realidade continua a mesma, muito se encaixa ao contexto atual.
Tenham uma boa leitura e espero poder contar com os comentários de nossos amigos e colaboradores para enriquecer nosso conhecimento.
Princípios – O Senhor considera o Brasil um país dependente tecnologicamente? Quais são os indicadores?
Rogério C. Leite – O Brasil é um país altamente dependente tecnologicamente, mas isso não significa que não haja algumas ilhas de competência. A competência de um país existe através duma coerência entre as tecnologias. Não se pode pensar, por exemplo, em ser independente apenas em tecnologia aeronáutica ou, para citar outro exemplo, em tecnologia nuclear. A independência tecnológica existe quando há uma combinação de um conjunto de tecnologias de base, pois são estas que fazem a independência tecnológica de um país. Existem praticamente duas categorias de tecnologia, uma, que é a base de todo o resto, e outras que são as especializações, que se apóiam nas tecnologias de base. A dificuldade de nosso país é que as tecnologias de base são deficientes ou inexistentes. O Brasil foi muito omisso na formação dessas tecnologias de base, como a química tecnológica, a termodinâmica, a hidrodinâmica, a metalurgia, as tecnologias básicas de materiais. Aparentemente nós sabemos fazer um avião, mas não sabemos produzir as ligas que fazem aquele avião. Importamos a maior parte dos componentes, que vêm do exterior, os componentes que produzimos são os mais simples. Às vezes tem-se a impressão de que estamos fazendo um avião, mas na verdade nós só estamos montando um avião. E é justamente sobre este aspecto que devemos ter mais atenção. Até recentemente, o Brasil era incapaz de produzir internamente os seus remédios, os produtos farmacêuticos. Às vezes pensávamos que as multinacionais aqui instaladas produziam e, no entanto, elas só faziam misturar, comprando no exterior os produtos básicos, que aqui eram combinados, misturados, resultando no remédio, na verdade uma réplica do que se fazia lá fora. É sob esse aspecto que existe uma grande dependência nacional, que só poderá ser suplantada fazendo pesquisas. A única saída, a única possibilidade de superar essa situação é fazer pesquisa nos seus vários estágios. No Brasil chegou a haver até recentemente um pensamento ativo, embora não explícito, contrário à pesquisa nacional, postura que levava à dependência. No governo passado considerava-se que era mais fácil comprar tecnologia lá fora. Lembro-me de um dos ex-ministros de nossa economia ter dito que não adiantava fazer um grande esforço de pesquisa, um esforço para o desenvolvimento tecnológico, pois era muito caro e o Brasil conseguia sobreviver gastando de 200 a 300 milhões de dólares por ano importando tecnologia. Mas agora já existe uma conscientização maior de que precisamos de um nível mínimo de competência própria.
Princípios – O Senhor considera que essa dependência tecnológica compromete irremediavelmente a soberania nacional? Quais são as causas estruturais disso?
Rogério C. Leite – Em grande parte temos uma dependência política que deriva dessa dependência tecnológica. Por exemplo, na Guerra das Malvinas a Inglaterra, participando de um Cartel internacional na área de química fina e principalmente farmacêutica, propôs que se fizesse um boicote de remédios contra a Argentina (e a Argentina tem menor nível de dependência do que nós). Isso mostra, num caso óbvio, que o fato de um país não ter os seus meios de produção capazes de substituir importações, acarreta consequências políticas diretas. Num enfoque mais amplo, nós vemos quão frequentemente vêm aqui presidentes de empresas multinacionais para pressionar o presidente da República, exigir coisas etc. Isto só é possível porque somos dependentes. Há um processo contínuo de pressões, é um jogo no qual as empresas chamadas multinacionais acabam se associando à política mais ampla do governo. O que está acontecendo na área de informática, por exemplo, é bastante claro. O governo americano faz pressões para defender os interesses das suas empresas, não só das que estão no Brasil, mas das que estão lá fora, por causa, aparentemente, de interesses comerciais, mas que se tornam interesses políticos porque redundam numa dependência progressiva de nosso país. Desconfio que o governo americano está interessado na área de informática não por causa de alguns milhõezinhos de dólares, mas muito mais para manter a hegemonia internacional sobre o Terceiro Mundo. Isto é mais ou menos óbvio porque pelo que se percebe a importância da tecnologia é cada vez mais crescente. Hoje o que ganha uma guerra é a tecnologia, não precisa ser uma guerra explícita de canhão. A tecnologia é o instrumento principal nas outras guerras que são cotidianas no jogo comercial, na vida, no confronto entre os países. Não estou nem falando de países que são da esquerda ou da direita, falo dos próprios países do mesmo bloco. Dentro do bloco capitalista os conflitos hoje são cada vez mais resolvidos através da competência. Um país hoje tem de ter um nível mínimo de capacitação tecnológica. Não somente para fazer escolhas. Por exemplo, o Brasil cometeu uma indecência quando fez o acordo nuclear com a Alemanha. Aquilo foi um absurdo decorrente não apenas de uma decisão política, mas porque a competência do Brasil no campo nuclear era muito baixa. Fizeram um esforço muito grande para esmagar o que se estava fazendo no Brasil na área nuclear. Este acordo foi uma decisão absurda e representou uma perda monstruosa para o país, houve um atraso no desenvolvimento nuclear do país. O atraso que houve no país não foi, digamos, um decisão intelectual correta, mas a consequência de uma decisão errônea na área nuclear, que tinha o seu lado positivo na aparência, enganou a todos no começo. Muita gente foi a favor porque tinha um revestimento de autonomia nacional, mas quando a gente foi ver como estava sendo feita a coisa, era exatamente o oposto.
Princípios – E sobre as origens dessa dependência, as causas determinantes, em última instância?
Rogério C. Leite – É uma história um tanto remota. Uma das coisas que sempre me impressionou é o fato de até hoje se adotar como um dos principais dogmas do liberalismo o Teorema do Ricardo das vantagens comparativas. O exemplo que Ricardo deu era terrivelmente obsceno. Ele dizia: vamos admitir dois modos de produção, dois estados, em que a Inglaterra se especializa naquilo que ela é capaz de fazer, que são os tecidos (naquela época a tecnologia estava indo para o lado do setor têxtil, que era onde estava concentrado o progresso), e em que Portugal produz o vinho. Aí a gente faz uma melhor distribuição do trabalho, entre o Vinho de Portugal e os tecidos produzidos na Inglaterra. Com isso nós conseguimos um intercâmbio, porque Portugal produz vinho com mão-de-obra barata uma atividade ainda campestre, enquanto a Inglaterra é melhor para a industrialização. Nessa manobra, dizia Ricardo, tem-se um ganho, porque um faz melhor isto, outro faz melhor aquilo. Então, vamos divulgar o trabalho internacionalmente de uma maneira que cada um faça aquilo em que é melhor. Mas o Teorema de Ricardo ia apenas até aí, demonstrava matematicamente que se ganhava do que se distribuía igualmente; um faz o vinho de que se precisa e o outro o tecido. Ganha-se no global se um se especializar, se cada um dos dois se especializar, Esse era o pensamento do Ricardo. Mas hoje nós temos elementos para perceber o que aconteceu com Portugal, que continua fazendo vinho até hoje, os seus trabalhadores ainda esmagam o vinho no chão com o pé. Portugal ainda é um país agrícola, enquanto a Inglaterra, tendo escolhido a industrialização veio a ser um país desenvolvido. Até hoje ensina-se o Teorema de Ricardo nas escolas, mas esquece-se da segunda parte do problema – Portugal ficou atrasado porque aceitou essa dependência. Então, temos de lutar quando vem um imbecil desses qualquer que fazem a guerra contra a informática dizer que para nós é muito mais barato comprar o computador, o microcomputador importado seja lá onde for e que nós devemos ficar por aqui na nossa, a plantar café etc. Claro, esse pensamento mudou um pouco, não se fala mais em plantar café, mas em produzir aço, essas coisas ainda, digamos, atrasadas. Não os bons aços, mas, digamos, o trivial, ou vender o próprio ferro, o minério, como o Brasil está vendendo. Então ainda se usam os mesmos argumentos de Ricardo. Mas não vi nenhuma referência até hoje por aí na literatura de que a adoção desse princípio, essa aceitação desse princípio leva ao atraso, como ocorreu com Portugal. Hoje ou nós fazemos tecnologia de base ou vamos viver nessa distribuição de trabalho internacional, vamos ficar condenados aos serviços que reduzem a qualidade de vida, que mantêm 50% da população de um país no campo.
Princípios – Em termos mais globais, quais os caminhos a trilhar pelos brasileiros, cientistas, estudantes, intelectuais etc., para romper essa camisa-de-força da dependência tecnológica?
Rogério C. Leite – O resultado da atividade intelectual acaba por ser medido num mundo concreto. Portanto, quando se fala de pesquisa significa encontrar os meios para que a qualidade de vida se eleve. Muitas vezes o conhecimento serve num plano puramente filosófico, mas tem de servir sempre para o bem-estar. Numa sociedade o conhecimento é em primeiro lugar gerado, depois testado, organizado, transforma-se em meio de produção e depois num produto. As especializações do conhecimento são explicitadas ou concretizadas em instituições diretas. É necessário ter a Universidade porque é lá onde as coisas começam a acontecer. A inovação se inicia lá, mas ela é o produto de todo um processo longo, depois passa-se para os laboratórios industriais, em seguida atinge-se o nível da usina piloto. Mas isso é um processo em que um país precisa ter não só a Universidade. É preciso que o país melhore suas Universidades, mas para isso não basta apenas investir um monte de dinheiro nelas. Se a Universidade é fraca isto se deve também ao fato de não haver muita solicitação pelo seu produto, que é o conhecimento. Por quê? Porque os meios de produção estão comprometidos a se adaptar à compra de cultura do exterior ou simplesmente a conviver com a baixa qualidade. Convive-se aqui muito bem com a pobreza intelectual. É claro, isso tem de ser mudado. A presença das multinacionais é mais um obstáculo, porque a multinacional não precisa do conhecimento gerado no país, ela traz o seu próprio conhecimento. A multinacional nunca fará pesquisa num país que não seja o seu país de origem e isso por uma série de razões, inclusive a de justificar sua presença. Por que se traz uma multinacional para o Brasil? Ou porque tem capital ou porque tem tecnologia – esses são os pretextos. Cansei de escrever artigos sobre isso, demonstrando que as multinacionais nunca trouxeram dinheiro para o Brasil. Usaram sempre a poupança interna, a poupança brasileira. Então só tem uma real justificativa para as multinacionais estarem no Brasil: compartilhar do mercado, que é uma riqueza. O mercado interno brasileiro é a grande riqueza. A multinacional vem aqui, ganha alguma coisa, ganha o quê? Ganha a participação nesse mercado. Nós ganhamos supostamente alguma coisa – capital e tecnologia. Capital nós sabemos que não vem mesmo. Quanto à tecnologia, esta vem, mas é empacotada. Por isso, nessa lógica, o Brasil tem de ser passivo tecnologicamente, porque se agirmos de modo contrário, deixa de haver razão para as multinacionais estarem no Brasil. Há uma outra razão:o controle interno da própria empresa. Eles sabem quem comanda uma empresa dessas é a tecnologia. Se a filial começa a fazer tecnologia própria, ela tem meios, digamos, de competir com a matriz. Esse jogo sempre existiu nas multinacionais. É contra a política de sobrevivência dessas empresas a capacitação tecnológica do país. Temos todos esses problemas, uma cultura adversa e a presença das multinacionais. É preciso encontrar um meio de fazer com que a empresa brasileira tenha seu departamento de pesquisa de desenvolvimento, porque a pesquisa é fundamental. O Brasil demorou muito para perceber isso. Antigamente era um verdadeiro sacrilégio, tive de brigar com muita gente na sugestão de que o governo teria que participar, investir em pesquisas industriais. O governo tem que investir maciçamente em pesquisas dentro da indústria. Aliás, isso já é feito nos países ricos, onde as indústrias são bem estruturadas. Nos Estados Unidos 50% dos gastos em pesquisas são pagos pelo governo. Nos países socialistas ainda mais.
Princípios – Isto é um problema que requer decisão política?
Rogério C. Leite – Não apenas, porque além das decisões é necessário uma conscientização, uma cultura. Em grande parte os governos refletem a sociedade. Por isso, em primeiro lugar é necessário mudar os conhecimentos da nação, a população perceber a importância da ciência e da tecnologia. É o primeiro passo. E isso é uma questão de educação, comunicação. De uma maneira geral podemos dizer que o nosso problema é um problema cultural, temos que procurar discutir, esclarecer, sabendo que é um processo longo.
Princípios – Como o Senhor vê a possibilidade de se conseguir certos avanços, no processo Constituinte, quanto à soberania nacional, por exemplo, em relação aos minérios, em relação a um interesse maior dos poderes públicos pela pesquisa científica, em relação à defesa da soberania nacional?
Rogério C. Leite – Novamente digo o seguinte: a Constituinte é um reflexo da sociedade. Ela não vai resolver muita coisa. Vamos ter uma Constituição com algumas coisas razoáveis. O Centrão também não aconteceu de uma hora para outra, todo mundo sabia que ele estava lá. As pessoas que estavam lá sabiam que aquilo era conservador, reacionário etc. Mas a nossa sociedade ainda é muito conservadora, reacionária, o que aparece nos jornais é o que há de mais ativista, são os progressistas que falam mais etc., mas a sociedade de uma maneira geral é formada pela maioria silenciosa. O debate sobre a ordem econômico-social tem sido complicado. A proposta do Centrão sobre definição de empresa nacional é de um absurdo lógico tão grande! Através dela não se é capaz de identificar o que é capital nacional e o que é capital externo. Isso é de uma burrice completa. Castrar-se a esse ponto não é uma atitude de uma nação. É preciso ser capaz de identificar o que é capital nacional e o que é capital externo e depois tomar decisões conscientemente. O país nunca teve coragem de ter uma política industrial. Às vezes chegaram a fazer coisas até interessantes, mas era algo muito setorial, circunstancial e até casuístico. Mas ter uma política industrial real, isto nunca foi feito no país. Política industrial é basicamente uma estratégica para a ocupação de um mercado, significa definir como se ocupa esse mercado, quem ocupa. Essas coisas são simples de se fazer. Claro, precisa-se de um conhecimento, mas é fácil de fazer, embora ninguém tenha tido coragem de fazê-lo.
Princípios – Como o Senhor vê o problema dos minérios?
Rogério C. Leite – É uma coisa absurda. Há companhias multinacionais que têm milhares de concessões que nunca vão usar, não têm como usar. A única coisa que estão fazendo é impedindo os interesses brasileiros de entrar nessas áreas. Isto é uma loucura completa. Aliás, acho que a concessão só deveria ser dada para empresas nacionais. Os interesses são muito grandes e o governo é cada vez mais entreguista. Vender o país, deixar uma multinacional dentro do Brasil escavar, tirar, mandar exportar o minério diretamente sem dar a menor satisfação é uma coisa excessiva.
Princípios – Como o Senhor vê o problema da dívida?
Rogério C. Leite – Houve uma época em que o Brasil poderia ter tomado uma atitude forte, bem antes do Funaro. Não sabemos bem a origem dessa dívida, não há um estudo, digamos, da anatomia da dívida e da fisiologia também. Então, acho que em primeiro lugar teremos de fazer um estudo sobre o que várias entidades se propuseram a fazer e não conseguiram dados ou coisa parecida. De onde vem essa dívida, por que ela cresceu tanto? A gente não pode esquecer que ela foi feita para resolver um problema, digamos, internacional, que era a falta de meios para aplicar recursos etc. Princípios – Há um veto das grandes potências a que outras nações se desenvolvam no campo nuclear. As nações têm ou não o direito de participar da chamada comunidade nuclear?
Rogério C. Leite – Ninguém nessa comunidade foi bem-vindo. Essa comunidade começou com um só, os Estados Unidos, que não queriam que ninguém mais participasse. Depois veio a URSS e os dois depois não queriam que ninguém participasse. E assim foi. Cada um teve de fazer o seu esforço próprio. Esse é um campo em que não se vai ser aceito, mas em que se vai romper e derrubar todas as resistências. Qualquer coisa ou qualquer tipo de conhecimento que possa levar competência de uma maneira geral é bloqueado oficialmente. Tem de haver um esforço próprio de cada país. Isto aconteceu com todos os que chegaram a ter uma certa autonomia com essa tecnologia, inclusive no que se refere às famosas aplicações pacíficas. O Brasil tentou comprar, gastando e entrando num sistema de chantagem, aceitando uma chantagem. Mesmo ali não estava sendo transferida tecnologia de jeito nenhum. Era como um indivíduo ensinando o outro a guiar um automóvel, não como o automóvel funciona. O pessoal ia lá e aprendia como apertar os botões, um "motorista de reator". Raramente entendiam o que estavam fazendo. A aquisição da tecnologia nuclear só pode ocorrer por um processo próprio. Minha briga desde o começo era para que o país tivesse sua tecnologia nuclear, não precisa fazer bombas. Mas é uma loucura, uma burrice, pensar que se vai comprar essa tecnologia, porque o que se tem de fazer é o esforço próprio. Minha proposta desde o começo, desde 1975, explicitada em centenas de artigos, mais de mil conferências no país era que o Brasil abandonasse essa porcaria desse acordo e fizesse o seu programa próprio. Agora, se eles usam isso ou não, como eles usam essa tecnologia, isso é um outro assunto. Não se pode dizer não quero usar e não quero “ter", porque isso castra politicamente o país. Mas, não estou propondo que se faça uma bomba, muito pelo contrário. O que proponho é que se detenha, que se controle algumas tecnologias básicas. E não haveria outro jeito senão fazer ultra-centrífugas, que ainda é o caminho mais sério para se fazer o enriquecimento do urânio. Eu hoje tenho confiança, acho que um pequeno reator funciona quase sem perigo, mas com um grandão como esse Angra I isso é sempre relativo. Não adianta dizer que não tem perigo. Não tem perigo na Alemanha, mas o mesmo reator colocado no Brasil tem perigo. Novamente é uma questão cultural, nós não damos atenção a certos detalhes e a prova aí está desde o começo. Em 1981 eu prognostiquei: Angra I nunca vai funcionar. Eu disse isso muito antes de inaugurar. E nunca funcionou até hoje. Porque a maneira como estava sendo construído mostrava a incompetência do pessoal, que não percebia certas coisas, certos detalhes no processo. Não se pode interromper o processo porque faltou sei lá o quê. Eu me sentia derrotado nesse programa nuclear. A evidência para todo mundo, dentro e fora, para quem pensa, é de que não havia competência nacional, de que o Brasil seria incapaz de enfrentar um programa nuclear, porque fez tantas besteiras no outro. Mas agora ficou provado o contrário, com o novo programa nuclear. Este novo programa prova que o Brasil quando quer faz as coisas bem feitas. Há muitas coisas assim no Brasil, ilhas de conhecimento, de competência concentrada. Mas é preciso que as coisas sejam culturalmente absorvidas, que não sejam ilhas, que sejam expressões de toda uma cultura. Não adianta ter toda uma tecnologia que fica lá escondida e é feita por um grupo especializado, sem ligações com o resto da sociedade, não ligações puramente técnicas, mas de natureza também cultural, para que isso seja o pensamento da própria sociedade.
* Professor emérito da Unicamp. Entrevista realizada por José Reinaldo Carvalho e Isa Trajtengertz.
Fonte: Fundação Maurício Grabois
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
Ártico: A beligerância do Canadá e os interesses estratégicos da Rússia
A recém-concluída Operação Nanook (06-26 agosto), uma operação que o Canadá começou depois que a Rússia apresentou reclamações nos territórios no Ártico, em 2007, envolveu um grau inédito de colaboração entre as forças militares do Canadá, Dinamarca e E.U.A.: Estados-membros da OTAN. Mas não haverá um interesse comercial por trás das fanfarronices?
Há cinco estados com reivindicações no Árctico. Quatro deles são estados membros da OTAN (os três mencionados acima, mais a Noruega). A outra é a Rússia. Operação Nanook este ano tomou um novo rumo: longe de ser um exercício puramente canadense, envolveu uma cooperação sem precedentes entre os três países membros da OTAN.
Não surpreende nada saber que o Ártico contém cerca de 30 por cento dos campos de gás natural não descobertos e cerca de 13 por cento do petróleo ainda por descobrir. Também não surpreende que os três membros da OTAN parecem resolver suas próprias diferenças no Ártico (Canadá tem disputas com os E.U.A. e Dinamarca) e em um passo mais sinistro, estão aumentando a parada, gradualmente se tornando num cenário OTAN contra a Rússia.
O Canadá já fez declarações belicosas que está preocupado com o desejo da Rússia "de trabalhar fora do quadro internacional. Isso é, obviamente, porque nós estamos tomando uma série de medidas, incluindo medidas militares, para fortalecer a nossa soberania no Norte "(Ministro da Defesa do Canadá, Peter MacKay, 2008). Desde então, o Canadá tem regularmente enviado jatos militares para "interceptar" aviação russa voando em espaço aéreo internacional.
A operação militar deste ano empurrou mais longe ao norte do que os exercícios dos anos anteriores e foi realizado em uma área que inclui o Mendeleev Alpha - uma das reivindicações da Rússia no Ártico.
No entanto, em que medida há um elemento comercial por trás do aumento da parada por parte do Canadá? Afinal, a frota CF-18 do Canadá está prestes a ser candidata à substituição (tem 30 anos) e agora é o momento para um negócio lucrativo para adquirir aviões F-35 Lightning dos E.U.A. - a quinta geração de caças Stealth.
A respeito das reivindicações da Rússia, a Expedição Arktika em 2007, quando uma bandeira russa foi colocada no leito do mar sob o Pólo Norte pelo submarino Mir, fazia parte do trabalho realizado no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, parte do processo de em que a Rússia reivindica cumes submersos, provando que a área em questão é uma extensão do território russo.
A alegação defende que a Serra submersa de Lomonosov Oriental é uma extensão da Plataforma Continental da Sibéria e esta afirmação não entra no sector de qualquer outro Estado com costas árcticas. Essa afirmação, juntamente com a posição que a Serra de Mendeleev é uma extensão do continente euro-asiático, foi apresentada à Comissão da ONU sobre os Limites da Plataforma Continental, de acordo com o artigo 76, § 8 º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
Como resultado da Expedição Arktika, foi declarado pelo Ministério de Recursos Naturais da Rússia em Setembro de 2007 que "os resultados preliminares de uma análise da crosta da Terra ... confirmaram que a estrutura da crosta da Serra de Lomonosov corresponde aos análogos mundiais da crosta continental e, portanto, faz parte da plataforma adjacente da Federação da Rússia continental ".
A Declaração de Ilulissat, feita na Groenlândia entre os cinco Estados Árcticos em Maio de 2008 declara que todas as questões de demarcação devem ser resolvidas numa base bilateral entre os partidos que disputam.
Visto que a área reivindicada da Rússia não entra no território de ninguém, exceto a própria Federação Russa, então porquê fica o Canadá tão embaciado a fazer comentários belicosos enviando aviões de guerra para território internacional? Quem está criando um “inimigo” para justificar a vende de armas, quem está se beneficiando com a venda destas armas e porquê está o contribuinte canadense a pagar a fatura dos exercícios?
Fonte: Pravda
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